Seja qual for o governo, só entra nos eixos quando o povo sai à rua. Daí que, o que se passa na Educação e, concomitantemente, no Sistema Educativo, a culpa seja dos professores. Resulta da sabedoria popular de "quem muito se agacha...". Eu diria mais: não apenas dos professores, mas também dos pais dos alunos. Embora os que fazem da docência a sua profissão, pela melhor preparação específica que dispõem, porque conhecem bem o dia-a-dia do sistema e das escolas, tenham uma acrescentada responsabilidade. Na Madeira são mais de seis mil. Ora, tornou-se banalidade escutar declarações de académicos, investigadores, autores de formação diversa, desde psicólogos, psiquiatras, pedopsiquiatras, filósofos, pensadores sociais, até professores que deram à estampa importantes livros, sublinhando que este sistema educativo se filia no "modelo" da Sociedade Industrial. Significa isto que, grosso modo, aqui repito, o "modelo" tenha mais de 200 anos. Ao longo desse tempo, o sistema, é verdade, foi beneficiando de acertos (marginais), mas deixou sempre o âmago quase intacto e impenetrável à mudança. E nós estamos "a todo o vapor" no Século XXI, no século das incertezas. O problema é que todos eles apontam o dedo a um sistema caduco, de exclusão e insucesso, mas, paradoxalmente, nada muda, na essência, tudo permanece igual na roda dos anos. Porquê tanto silêncio? Porquê esta enervante letargia de todos quantos têm responsabilidades de governar com o passaporte político e o necessário carimbo da mudança?
A minha resposta tem uma óbvia natureza política. O sistema educativo, no essencial, por perverso que possa parecer, é assim porque convém que assim seja. Não é por pura ignorância intelectual, embora alguns políticos denunciem isso, mas porque a escola é intencionalmente conduzida a encarnar e reproduzir o pensamento dominante. Aliás, sabe-se, que uma pobre educação é sempre geradora de uma pobre democracia. E isso tem interessado. Pode não ser perceptível por alguns, mas até os currículos desenvolvem o perfil que a clique dominante deseja para a sociedade. Há uma dimensão política subjacente. Por essa via, à qual se juntam os programas e uma organização de escola onde não existe a mínima hipótese prática de operar a ruptura com o passado, porque verticalizaram e burocratizaram o sistema, os mentores conseguem dominar e extrair apenas a nata que lhes interessa. Os outros, a esmagadora maioria que não nasceu em berço confortável e favorável, ficam relegados para eternos explorados. A escola, então, acaba por servir as lógicas da sociedade dominante. Ininteligível, dirão alguns, mas então, questiona-se, qual a justificação para manter referências e estruturas pedagógicas completamente divorciadas do tempo que estamos a viver? Será, apenas, ignorância? Não, não vou por aí. Há dias, naquela tristonha, para não dizer ridícula "cerimónia de abertura do ano escolar" promovida pelo governo, segundo me pareceu, o presidente do governo regional da Madeira enalteceu: "(...) eu estou bastante satisfeito com a evolução que a Região tem tido" realçando que algumas das empresas tecnologicamente mais avançadas da Europa estão sediadas na Madeira e que há cerca de 400 madeirenses especializados em altas tecnologias (DN-Madeira). Não sei se são 400, 200 ou 500. A interrogação, como contraponto, que deveria ter deixado aos presentes seria esta: e os outros? Os milhares e milhares que ficaram e continuam a ficar pelo caminho do abandono e do insucesso? Que razões substantivas encontramos para nos situarmos entre as piores taxas do País? E compaginado com isto, que palavras foram ditas no sentido de provocar, a prazo, a montante da escola, uma sociedade mais justa, equilibrada e potencialmente capaz de enfrentar os desafios da vida? Rigorosamente nada. Silêncio absoluto. Deserto de ideias. Dizia, há dias, a Senhora D. Guida Vieira: "(...) há evolução, mas não mudança de mentalidades". Tiro certeiro para quem tem na mão, há quarenta anos, as possibilidades de mudança e que, pateticamente, a relega!
Aquilo que o governo regional da Madeira designa por "Projecto +", essa tentativa (experimental) de fazer "recuperar os mais fraquinhos no rendimento escolar", são migalhas e areia para os olhos dos incautos. Trata-se de uma estratégia que configura andar atrás ou em socorro dos dramas. Os problemas do insucesso e do abandono não se resolvem por aí. Em política educativa não deve haver lugar a pensos rápidos em feridas profundas que transportam infecções de variadíssima ordem. A "sepsis" educativa (tem cura) levará anos, várias legislaturas, eu sei, porque são muitas e complexas as variáveis. O verdadeiro drama é que não procuram um caminho, não dinamizam um pensamento estruturado que nos leve a perceber onde querem chegar e que passos vão dar nesse sentido, para que não sejam necessários "Projectos +". Só por aí, mesmo que o propósito se encontre distante. Por isso, sublinho, abriram o ano escolar como quem abre a loja às oito e fecha às dezanove. A educação, senhores(as), não se vende em pontuais imagens televisíveis e de jornal e os alunos não são "clientes" de um qualquer "mercado", embora, pelo que é público e notório, os líderes políticos demonstrem uma apetência pela crescente privatização do sistema. A Educação para hoje e para o futuro não se compagina com remendos, com o folclore do número político, com projectos falaciosos e onde tudo é "curricularizável", resolve-se com investigação, com conhecimento, com o pensamento que é preferível buscar o novo relegando as estruturas desadequadas, com estratégia continuada e cadência no tempo, com pedagogia social, com afecto, com rigor, com orçamentos que a privilegiem, com princípios e valores que interpretem a sociedade como um todo com vida e em constante mutação integrada. É totalmente adequada a síntese do investigador Joaquim Azevedo: "A escola mudou pouco, os adolescentes mudaram muito".
Há dias, Jorge Rio Cardoso, professor no Instituto de Ciências Sociais e Políticas, autor do livro "Este ano vais ser o melhor aluno - Bora lá", não porque concorde com muito do que escreve e diz, uma frase, porém, prendeu a minha atenção: "Passamos o tempo a dizer à criança, cala-te, não digas disparates. Ela cresce, vai trabalhar e quando lhe pedem para fazer um brainstorming, bloqueia porque reprimiu a sua imaginação". Exacto, nas idades das perguntas, o sistema exige que ela dê as respostas insertas nos manuais (testes e exames). Qual imaginação, qual criatividade, qual descoberta e qual avaliação contínua! Mas, depois, curiosamente, quando já não há remédio, falam de empreendedorismo e procuram empreendedores. Até fazem formações nesse sentido. Significativo.
O Ensino Básico, aqueles primeiros nove anos de aprendizagem que os designo por despertador do universo, estão, assim, marcados pela repetição, pela concentração em escolas sobredimensionadas (economia de escala por razões economicistas) e por um quase "castigo" entre 30 a 50 horas por semana de "clausura", fora os inexplicáveis "trabalhos para casa". Muitos levantam-se cedo e tarde a casa retornam. Diz o Neuropediatra Luis Borges: "(...) Encurtava as aulas, multiplicava os intervalos, mudava as metas curriculares, dava aos professores mais formação na área das neurociências e garantia aos miúdos mais tempo para brincar. Se pudesse, o neuropediatra Luís Borges mudava a escola. E medicava muito menos". É isso. Querem-nos todos quietos e calados, escutando o débito de palavras dos professores, porque o programa, sendo comprido, tem de ser cumprido, e quem se mexer um pouco mais corre o risco de lhe ser diagnosticada hiperactividade e défice de atenção. Por isso, criminosamente, muitos levam logo com uma dose diária de Ritalina... para ficarem mais manobráveis. Não querem perceber, como salientou Joaquim Azevedo, que, no actual quadro, "a escola não cativa" e "se os adolescentes se sentissem lá (na escola) muito bem, isso é que era estranho".
Trago à colação Pepe Menéndez, director adjunto da Fundació Jesuïtes Educació da Catalunha, que relativamente às grandes mudanças que estão a acontecer nos colégios da Fundação, assumiu: "(...) Pode parecer um pouco naïf, mas o modelo é mudar o olhar. Em vez de ver as coisas de perto, abrir os olhos e tentar ver o que no século XXI pode fazer crescer uma pessoa num ambiente de globalização, tecnologia, com tanta incerteza. O filósofo [Zygmunt] Bauman fala de um mundo líquido. Neste contexto, como posso ligar-me ao coração dos alunos, à sua motivação?". Interrompeu o jornalista: "Sentiam dificuldade com o modelo anterior"? A resposta veio célere: "A dificuldade essencial era o aborrecimento, a falta de ligação. Isto não me interessa. A escola é uma obrigação, não é um sítio que me apaixone. Os adolescentes não têm de estar sempre a divertir-se, mas a escola estava a tornar-se uma prisão. Eu ainda fiz o serviço militar obrigatório e digo que a escola obrigatória é igual. Igual! Todos têm de ir porque os pais trabalham, porque a lei obriga, mas o direito à educação não é fechar os miúdos numa escola. É provocar as suas emoções, as suas paixões, potenciar os seus talentos tão diferentes... os talentos dos alunos são muito maiores do que o currículo. Um miúdo ou uma miúda podem pensar - "não presto". Costumo perguntar aos professores onde estão os cantores ou os cozinheiros que um dia vão ser óptimos. E alguns respondem - estão no corredor, foram expulsos. (...) A mudança está em olhar para as coisas de forma diferente: o que queremos? Nós dizemos: queremos alunos competentes, compassivos, conscientes, comprometidos e criativos. Que sejam capazes de construir o seu projecto de vida, é esse o centro do nosso projecto educativo. É preciso fazer coisas no colégio para que o aluno se vá construindo, e todos os conhecimentos têm de ser metidos dentro do projecto. Não é: "A minha vida é isto e os meus conhecimentos estão noutro lado (...) Tenho de integrá-los".
Estou a ouvir a pergunta de alguns que me estão a seguir: mas como? Como sair deste modelo, deste redemoinho e caminhar no sentido de um novo paradigma? Concordo com Pepe Menéndez: "(...) Neste ecossistema, há muitas escolas que estão a fazer coisas. Há inquietação, há desejo de fazer. É importante construir um modelo. Uma pessoa não deve atirar-se: Segunda-feira vou começar a mudar coisas. Espera aí! Constrói um modelo, um projecto. A nós custou-nos quatro ou cinco anos de trabalho no back-office, e então sim, agora tenho uma ideia e vou começar a pô-la em prática, pouco a pouco". Ora, esta dimensão não existe entre nós, comunidade autónoma. O deixa andar impede o optimismo e esse caminhar no sentido da utopia, e lá diz, a propósito, o Filósofo Fernando Savater (in Carta à Minha Professora): "(...) Os pessimistas podem ser bons domadores, mas não são bons professores" (...) "A educação é valiosa e válida, mas também é um acto de coragem, um passo à frente da valentia humana. Covardes ou receosos, abstenham-se". Concluo: como lamento que a Secretaria Regional da Educação, neste regime autonómico, esteja cheia de domadores, covardes e receosos! Como lamento que nem uma ideia portadora de futuro dali saia! Será mais um ano, utilizando a expressão de Toffler, onde tentarão "meter o mundo embrionário de amanhã, nos cubículos convencionais de ontem". Pobres crianças, sujeitas que estão à "domesticação obscurantista" de que fala Savater.
NOTA
Opinião, da minha autoria, publicada ontem no Funchal Notícias.
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Opinião, da minha autoria, publicada ontem no Funchal Notícias.
Ilustração: Google Imagens.
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