Li, no Negócios, uma peça com o título: "É a altura de acabar com o horário de trabalho das 9h às 5h". Felizmente, para mim, não constitui novidade. Há muitos anos que defendo a necessidade de reorganizar a sociedade a todos os níveis. Basta partir do pressuposto que passámos de uma "sociedade da manufactura para uma sociedade da mentefactura". Em 1850 as pessoas trabalhavam cerca de 4.000 horas por ano; em 1980 as pessoas já trabalhavam 1.600 horas por ano. Ontem, o empresário pedia ao trabalhador a sua força e disponibilidade corporal; hoje, genericamente, pede-lhe a sua estrutura cognitiva. Ontem, para os consumidores, as escolhas eram muito limitadas; hoje, com o avanço tecnológico, os consumidores navegam e pesquisam. Ontem, as mulheres estavam distantes da actividade laboral; hoje, tendencialmente, estão em igualdade no acesso, melhorando, substancialmente, o rendimento familiar. Ontem, a sociedade organizou-se em função do trabalho; hoje tende a estruturar-se em função do tempo livre. Por aí fora... Nada mais incorrecto, pois, do que manter as estruturas de ontem, em muitas situações acentuando-as, ao contrário de percorrer um caminho de adaptação a um mundo assente em pressupostos diferentes e em que tudo muda sem regras previamente definidas.
É já vulgar dizer-se que mais trabalho não significa melhor trabalho e maior produtividade. Há um largo conjunto de factores que influenciam o resultado final e que não vou aqui explaná-los. Daí que de muito pouco valha a correria diária, o acentuar das horas de trabalho, inclusive, em muitos casos, nem cumprindo regras que, no quadro do actual sistema, estão definidas. Em síntese, admitindo a extrema complexidade que está em causa, é possível trabalhar menos horas e produzindo mais, com qualidade e ganhos. Tal consegue-se com melhor e mais adequada formação, inteligência, inovação e criatividade. Não sendo assim, pergunto, qual o outro caminho? Será o do regresso às 4.000 horas por ano? O trabalho de Sol-a-Sol? O da escravização dos novos tempos? O caminho, obviamente que terá de ser outro, o que implica a reorganização de toda a sociedade. E não se trata, apenas, como acima escrevi, de uma preocupação pelo tempo de lazer. Mesmo neste quadro, esse tempo de lazer, entre outras, possa e deva assumir várias respostas: disponibilidade para a prática física e desportiva enquanto bem cultural, com óbvias consequências benéficas na saúde; na participação e vivência de eventos culturais e até de formação geral ou específica. Mas há mais, fundamentalmente, na (re)organização da estrutura familiar. Já pensámos, de forma séria, o que esta organização social, onde se inclui o mundo laboral, está a fazer às crianças, "encurralando-as" em infantários e escolas, horas a fio, nessa loucura que é, por exemplo, a Escola a Tempo Inteiro, no errado pressuposto que estão a aprender? Ou será que lá ficam apenas porque os pais são vítimas no número de horas de trabalho? Já equacionámos as consequências da desresponsabilização da família? Fará algum sentido dispor de empresas abertas ao público, desde muito cedo, até às 23 horas? Fará sentido ter creches e infantários abertos até às 23 horas? Apenas algumas perguntas, entre muitas, para juntar a um processo que é extremamente complexo de inverter. Levará anos, muitos anos, a reconverter, mas está na hora de começar a inversão de marcha. Urge um novo paradigma, ajustado ao conhecimento e à própria natureza. Mesmo em um tempo que sabemos associado ao dinheiro e ao relógio. Este tempo da pressa e da cultura do nanosegundo (David Vice), este tempo que parte da ideia-chave que só existem dois tipos de gestores "os rápidos e os mortos", este tempo de que falou Peter Drucker onde "é preciso estar preparado para abandonar tudo ou então desertar do barco" tendencialmente, será suplantado pelo Homem e pela sua natureza. Haja inteligência e bom senso, na busca de soluções credíveis. Da forma como está, não, obrigado.
Ilustração: Google Imagens.
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