O presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE), Professor David Justino, não pára de surpreender. Do meu ponto de vista, pela negativa. Ontem, em Coimbra, sustentou a ideia de que "é uma treta" toda a despesa em educação ser investimento, uma vez que "parte dessa despesa é desperdício, é ineficiência". Ora, um responsável pelo Conselho Nacional de Educação não deve dizer uma coisa destas. Sobretudo ele que foi ministro da Educação, entre 2002 e 2004. Que tivesse sublinhado a necessidade de rigor no investimento, obviamente que sim, aliás, chamada de atenção válida para todas as outras funções do Estado. Em abstracto, ninguém pode estar de acordo com o desperdício, quando os recursos financeiros são sempre escassos e tanto falta em todos os sectores, particularmente para as funções sociais. E se há desperdício certamente que não é na Educação. Ele, enquanto sociólogo deveria saber. Tenhamos presente a percentagem anual do PIB dirigida para o sector educativo. António Guterres foi o político que mais considerou a Educação atribuindo 5% e 5,1% do PIB nos orçamentos de 2001 e 2002, respectivamente. Com Passos Coelho, em 2015, a percentagem era de 3,8% (ve). Em 2012, na União Europeia, dados da OCDE, o investimento médio foi de 5.5% do PIB e Portugal tornou-se o país da Europa que menos investiu em educação. Será isto "uma treta" quando andamos preocupados com a qualificação das pessoas e, naturalmente, com o futuro do País?
O Professor David Justino não ficou por ali. Disse mais. Que há cerca de 10% a 15% de professores que "nunca" deveriam ter praticado docência e que "há pessoas que não foram feitas para aquilo e passam lá uma eternidade. Um professor com 30 anos de carreira, se for mau professor, o que é que ele destruiu" (DN-Madeira). Ora bem, estas são, igualmente, declarações que nunca deveriam ser proferidas por um presidente de um Conselho Nacional de Educação. Mesmo quando a reunião tenha um cunho partidário, como foi o caso, pois que se tratou de uma iniciativa promovida pelo PSD. Eu não sei se são 5, 10, 15 ou 20% os professores que nunca o deveriam ter sido. Desconheço os estudos de base científica em que se fundamentou, ou se se tratou, por exemplo, de uma qualquer investigação sobre insatisfação profissional, embora muitos sejam os motivos que determinam a insatisfação. Desconheço, portanto, os elementos objectivos que determinaram essa declaração. Penso que se trata de uma mera convicção pessoal. Parece-me, pois, de uma enorme leviandade porque as suas palavras se dirigiram a uma classe profissional em que todos poderão se sentir atingidos. Todos menos ele. Outrossim, poderia ter falado da necessidade de mais e melhor formação, de estratégias de envolvimento dos docentes nos projectos educativos que, por razões múltiplas, sentem desencanto. Poderia dar o exemplo de todos aqueles que há 5, 10, 15, 20 anos andam itinerantes pelo país e sem estabilidade profissional. Isto é motivo de desencanto. Poderia dirigir-se ao governo no quadro de substanciais alterações organizacionais do sistema educativo, elas próprias motivadoras. Enfim, tanto para dizer, mas não, David Justino resolveu atacar uma classe que, perante todos os constrangimentos, anos e anos bloqueada na carreira, ainda assim quase consegue fazer omoletas sem ovos! De resto, há, todos sabemos, em todas as profissões, e não apenas na docência, quem se sinta menos vocacionado ou desencantado.
Ilustração: Google Imagens.
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