O secretário da Educação do governo regional da Madeira deveria saber que a justiça fiscal faz-se em sede de IRS. E deveria saber, também, que uma coisa são os direitos constitucionais, outra a acção social educativa. E mais, ainda, deveria ter presente que ninguém deve ser "tributado" duas vezes pela mesma situação. Ainda mais esta, que é substancialmente diferente discutir a gratuitidade do ensino com a acção social educativa. Só mais esta: que não devem ser as autarquias a concretizar uma competência que deve ser do governo da Região. Nada disto o secretário aceita e vai daí, metendo tudo na mesma panela do discurso político, confunde e debita que, aqui, tudo continuará como até agora.
O que diz o Artigo 74º (Ensino), ponto 2, da Constituição da República Portuguesa:
Na realização da política de ensino incumbe ao Estado:
a) Assegurar o ensino básico universal, obrigatório e GRATUITO.
É o que assume a Constituição que não deixa ao critério de qualquer distrito ou região autónoma o cumprimento do preceito. De onde se conclui que embora, tardia e paulatinamente, o governo da república se decida pelo seu cumprimento, logo a Madeira, desde há muito, deveria ter assumido o dever de incluir esta disposição nas preocupações educativas. Porque tem uma Assembleia, um governo próprio e um orçamento. Em várias situações, quando é o caso, o governo vangloria-se de ser pioneiro nisto e naquilo, porém, no que é básico e que joga com os encargos das famílias, aí tudo muda de figura. E não é por falta de disponibilidade financeira, é, apenas, por casmurrice, ausência de sensibilidade social à qual se junta um claríssimo posicionamento ideológico.
Não sei se são 66% os que dispõem de acção social educativa, sobre a qual tenho feito muitos reparos. Não é a percentagem que está em causa, ou se é o governo ou as autarquias que garantem apoios. Importante é a saber se TODOS, sem distinção, estão ou não em igualdade de circunstâncias. E não estão. Junto dos mais pobres fica a ideia de um constrangedor favor, de uma dádiva em função da sua pobreza; relativamente aos restantes, pagam mais IRS (por justiça fiscal) e, depois, voltam a dispender no acesso ao ensino. Que o digam as famílias no início de cada ano escolar. São duplamente tributados pelo mesmo direito. No meio disto, para um sistema escolar privado de natureza empresarial (que não nego a sua existência), a Região oferece, de bandeja, vinte e cinco milhões de euros anuais (€ 25.000.000,00), quando tem capacidade de resposta para cumprir o desígnio nacional e constitucional no sector público. Muito dinheiro! Para não falar daquele dinheiro mal gasto (não investido) em obras não prioritárias. A principal obra, deveria o governo saber, é a da formação do ser humano.
A acção social educativa tem outros contornos e não deve ser metida no mesmo saco da gratuitidade no acesso à educação. Essa acção, é óbvio que assim seja, deve servir para colmatar (enquanto for necessária) sobretudo os constrangimentos da pobreza, o desemprego dos pais, o número de elementos do agregado familiar, todos os encargos bem sensíveis que estão a montante da escola, por exemplo, a alimentação, o vestir, o calçar e os transportes. Essa acção social deve ser enquadrada no pressuposto que a EDUCAÇÃO é a única forma de romper com o círculo vicioso da POBREZA. Trata-se de um investimento no futuro que deve ser, sublinho, concedido de forma discreta, mas acompanhada. Revolta-me, uma política educativa assente na divisão entre uns e outros, pelo que, um governo decente e constitucional, só tem um caminho: a igualdade à partida de todos, o que implica o respeito por milhares crianças que nasceram em berços menos favoráveis. A Constituição da República não fala de dádivas e de coitadinhos, mas de direitos e de deveres.
Ilustração: Google Imagens.
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