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terça-feira, 16 de março de 2021

Por terras da Ásia


João Abel de Freitas,
Economista
15 Março 2021

Um estudo refere que, no pós-Covid, os atributos vitais para o sucesso de qualquer país na Revolução Digital serão: velocidade, cooperação e resiliência. A Ásia encontra-se numa posição cimeira em todos eles.


Agora para umas breves notas sobre a Revolução Digital e o seu impacto no mundo.


1. Mas tendo o artigo anterior, A Classe média na Ásia, suscitado de volta uns tantos comentários interessantes, procurarei aqui sintetizá-los em três grupos. Classe média, causa e consequência do desenvolvimento; Ocidente em declínio porque sem estratégia para concretizar as potencialidades da Classe média; Classe média não basta para recentrar a economia mundial na Ásia. Que outros vectores?

Classe média, causa e consequência do desenvolvimento económico, apenas parcialmente de acordo. A Classe média tende de facto a robustecer-se com o progresso económico e quanto mais acelerado for, mais se estende na sociedade. Quanto a ser causa, tem de se juntar alguma coisa mais, pois depende da “arquitectura” do sistema económico em concreto. Por exemplo, na China, a classe média só começou a fortalecer-se com as reformas económicas de Deng Xiaoping, que facultaram às pessoas condições de intervir, de forma autónoma, no processo económico, pela devolução, em certas condições, da iniciativa privada, como pilar do novo modelo, designado Economia Socialista de Mercado. Foram estas reformas a base do elevado crescimento dos últimos 40 anos.

Quanto ao Ocidente em declínio, porque as suas medidas de política económica têm levado à destruição das classes médias, é uma realidade, mas outras razões se devem adicionar na explicação da crise, designadamente os atrasos relativos na competitividade tecnológica.

O desenvolvimento acelerado da classe média não sustenta, por si só, a dinâmica da economia mundial no sentido da nova centralidade na Ásia.

Muitos outros pilares confluem para, no prazo de uma década, consolidar a economia mundial no espaço China, Índia, Paquistão.

Os muitos estudos sobre este tema – e refiro um bastante pioneiro de 1991, “Pacifique: Le Recentrage Asiatique”, do CEPII – Centre d’Etudes Prospectives et d’Informations Internationales, em que participou o investigador português Joaquim Oliveira Martins – apontavam vários vectores. Neste, os seus autores focavam os quatro “E”. Em francês, Education, Epargne, Entreprise, Etat, com o Japão, então, como país motor, pois se encontrava ainda em pleno período de ascensão.

Hoje, há vectores a acrescentar, embora a educação continue uma grande alavanca e a Ásia capitaliza, a nível mundial, a geração Millennial, melhor preparada. Basta recordar que muitos quadros jovens e alguns CEO de grandes empresas americanas são de origem asiática.

A Revolução Digital de que vamos falar é um vector crucial e também na ordem do dia em Portugal e União Europeia, assumida, formalmente, nos Planos de Recuperação e Resiliência (PRR).

2. A Revolução Digital é um dos marcos que separa a Ásia do Ocidente.

Na Ásia não estiveram à espera de uma pandemia para avançar na Revolução Digital. Na União Europeia, sem pandemia, nem a Revolução Digital, como ideia de força, se manifestaria. Que nem assim se chama, mas Transição Digital!

Apesar de anunciada há cerca de um ano, talvez para o Verão comece a haver dinheiro. E lá para finais de 2021, senão mais tarde, começarão a aparecer projectos e, certamente, algo desgarrados, pois sem estratégia e metas/objectivos definidos. O PRR, apesar de alguma lógica na elaboração, não avança com uma estrutura de projectos onde se traduza o que é a digitalização na saúde, no ensino, etc. e até onde queremos chegar e menos ainda, a não ser de forma vaga, se caracteriza a qualificação das pessoas.

Difícil implementar projectos sem gente habilitada e sem metas.

Estas as grandes diferenças Ocidente/Ásia: planeamento, qualificação, velocidade, ritmo e objectivos/metas.

A Revolução Digital na Ásia já hoje se traduz com grande impacto na criação de riqueza e, em alguns países, de forma muito consistente. Independentemente de países como a Índia, Japão, Indonésia, Coreia do Sul, com elevado potencial de transformação inovadora e de empresas com grande operacionalidade nesta área, a China lidera a Revolução Digital no continente asiático.

Assim, os gigantes dos motores de busca como as chinesas Baidu e Alibaba, ou a japonesa Rakuten, os players de serviços para a Internet como a Tencent, as startups de pagamentos digitais como a indonésia Go-Jet e a indiana Paytm, o uso generalizado de robots industriais e de serviços e os investimentos em Inteligência Artificial (IA), tudo conflui para revolucionar as empresas da e na região e na sua inter-relação com o mundo.

Um estudo da MacKenzie revela que o número de utilizadores de internet é muito superior ao de qualquer outra parte do mundo, bem como a dinâmica do e-commerce. A reforçar esta ideia de forte avanço da Ásia na digitalização, as compras através de dispositivos móveis são a prova evidente:

Ásia 74%
Europa 37%
EUA + Canadá (América do Norte) 31%

No pós-Covid, refere este mesmo estudo que os atributos vitais para o sucesso de qualquer país na Revolução Digital serão: velocidade, cooperação e resiliência. A Ásia encontra-se numa posição cimeira em todos eles.

3. Com esta ideia de melhor entrosamento digitalização/empresas pretende-se dizer que nas economias asiáticas tudo corre bem?

Não, certamente. Não nos podemos esquecer das muitas razões históricas de conflitualidade e de desconfiança entre países que estão, apesar de tudo, numa visão pragmática a cooperar entre si, estando em jogo países com regimes políticos diferentes e um nacionalismo muito arreigado em alguns deles. Tal como também não nos podemos esquecer da disputa China/EUA pelo lugar cimeiro no mundo e de quanto isto acarreta no acicatar de conflitos entre países.

A nível interno, alguns países – e evidencio a China como país motor – encontram-se em fase de mudança acelerada na especialização económica, onde começam a aparecer com peso relevante investimentos improdutivos e a sua necessidade de apostar no exterior através, por exemplo, de “novas rotas da seda” que estão a traduzir-se em parcerias com vários países, neste momento, em situação complexa devido à pandemia.

Finalmente, na óptica de disputa mundial, se revisitarmos a história predominam, as teses e a realidade de que poucas têm sido as vezes em que a perda de hegemonia mundial sucede de forma pacífica.

Falar deste tema levaria “a ficar” muito tempo pela Ásia. O que vamos sinalizar então aqui?

4. Uma nota de esperança. Existe um vasto consenso entre analistas de que a situação hoje é diferente. A China não parece ter intenção de substituir os EUA no domínio militar e no campo financeiro é difícil destronar o dólar no curto prazo.

Parece, assim, baixa a probabilidade da China enveredar pelo caminho do hard power, quer por tradição e cultura, quer pelo exemplo da ex-URSS (investimentos excessivos em termos militares). A disputa vai continuar na base da tecnologia, onde a Ásia já é forte e a China relevante, e no sonho de um “novo modelo” de trocas mundiais assente num sistema de parcerias com objectivos bem negociados.

Apesar de a China ser já o número um mundial em termos de PIB em paridade de poder de compra, terá de o multiplicar no mínimo por quatro, para se aproximar do PIB médio por habitante dos EUA. A disputa EUA/China vai pois alongar-se no tempo, com a balança a inclinar-se paulatinamente para o lado chinês, muito apoiado, no entanto, no ambiente asiático.

Há um grande consenso dos analistas de que o futuro irá rodar em torno de parcerias de novo tipo, beneficiadoras de todos os lados.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.


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