Há gente muito boa. Gente que passa anónima, mas que realiza um trabalho de enorme solidariedade que comove. Deles se sabe, sumariamente, quando os meios de comunicação social lhes dedica um espaço. De resto, passam sem nome, as instituições e as pessoas que lhes dão vida. Gente boa!
É por isso que, revolta-me, quando assisto a gastos (não investimentos) públicos, absolutamente injustificáveis face ao quadro de miséria que, neste caso, atinge a Região. Genericamente, salvo excepções, assisto a muito mediatismo, muita acção para a fotografia e raras as vezes a definição de medidas que visem esbater os dramas de quem deseja o mínimo e não tem. A pobreza existe, os olhares sensíveis é que não; o dinheiro existe, a sua distribuição orçamental em função das prioridades é que, intencionalmente, é esquecida. Por um lado, prevalece, no plano político, algum sentido egoista, por outro, a secreta assunção que as atitudes de caridade resolverão o drama. Quando a caridade não resolve coisa alguma do foro estrutural, apenas eterniza os problemas. Por isso, a pobreza, sendo um problema de natureza política, exige que medidas políticas sejam assumidas, no confronto entre o prioritário e o não prioritário.
A Madeira é uma Região pobre, assimétrica e dependente. E no nosso corre corre diário, não damos conta disso. É preciso parar, olhar, ler os números que, aqui e ali, tomamos conhecimento, cruzar a informação com o discurso político, reflectir sobre as causas dos desequilíbrios, sobre o porquê dos múltiplos sofrimentos e as razões mais substantivas de uma pobreza que assenta em um complexo círculo vicioso. É preciso, não apenas nas campanhas eleitorais, percorrer as ruas, becos, travessas, impasses e olhar para o seu interior, para o que nos escapa na cidade visível ou na cidade postal.
Ah se não fossem as múltiplas solidariedades, isto é, a riqueza ética de muitas instituições que por aí esbatem a fome e as indignidades. Desde instituições religiosas até anónimos que se juntam para diminuir as asperezas da vida dos outros. Jamais esquecerei a luta que foi para implantar, na Madeira, uma delegação do Banco Alimentar. Relembro os persistentes chumbos às iniciativas parlamentares, porque a sua criação poderia, eventualmente, significar que, afinal, havia pobreza. Oh gente com tanta falta de amor pelos outros! Hoje, para a fotografia, correm para lá, quando aquela instituição, estatutariamente, é independente poderes políticos e religiosos.
Ora bem, há privações que só quem nelas cai tem a noção do real sofrimento. Por um lado, devido à fragilidade das suas formações académicas, o que prova, concomitantemente, a falência do sistema educativo que não prepara para as exigências deste novo mundo; por outro, o sofrimento daqueles que tendo formação superior e profissional, apesar de mal remunerados, acabaram sugados no redemoinho da crise económica.
Já tem algum tempo li um artigo do economista Ladislau Dowbor que, a páginas tantas, assume: "A grande riqueza e a grande pobreza são igualmente patológicas para a sociedade. A pobreza porque é eticamente e economicamente prejudicial para toda a sociedade. E a riqueza porque os muito ricos não sabem parar, transformam poder económico em poder político, corroem a democracia. Assegurar a renda mínima e taxar os excessos são duas facetas do equilíbrio necessário" (...) "Por isso os nossos problemas não resultam da falta de recursos, mas sim da sua má alocação". Mais adiante refere: "(...) o problema central da política é simples: os privilegiados adquirem progressivamente o poder de aumentar os seus privilégios. E o processo agrava-se até atingir pontos de ruptura, com violência e tensões generalizadas. A desigualdade económica e política – e a inoperância dos sistemas jurídicos – fazem parte de um mesmo processo de desequilíbrio social generalizado. O combate à desigualdade é uma necessidade ética. Não é concebível que no século XXI tenhamos manifestações trágicas de pobreza e miséria. O básico, numa sociedade civilizada, não pode faltar a ninguém, e muito menos às crianças que não têm nenhuma responsabilidade pelo caos em que são jogadas. Não é uma questão de esquerda e direita, e sim de elementar decência humana".
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