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segunda-feira, 22 de março de 2021

Complexo de inferioridade


Será? Não sei. Mas há qualquer coisa que, há muito, não faz sentido. Nós somos como somos, insulanos, com uma história de centenas de anos, duros por múltiplos factores, é verdade, mas isso não obriga que hoje, alguns, sobretudo políticos, sintam a necessidade de colocar-se em bicos de pés para que sejamos notados no contexto do país. Primeiro, foi aquela treta do "povo superior" com um estendal de interpretações possíveis e, volta-e-meia, é que a Madeira foi "pioneira" nisto ou naquilo. Agora na "causa animal" e até com o raio da vacina da AstraZeneca li que os madeirenses foram "pioneiros" a de novo inocular com a marca do laboratório de Oxford. Curiosamente, o governo dos Açores também enaltece que a sua Região foi a primeira! Em qualquer dos casos deve ter sido pela diferença horária! Só pode.



Não fazem sentido preocupações desta natureza. Percebo a intenção política, mas é desastroso, quando, por ninharias saltam para cima de um estrado, de dedo no ar, para gritar ao pequeno mundo que nós somos um porta-estandarte de qualquer coisa!

Outrossim, enquanto Região Autónoma, ficaria satisfeito se batêssemos, pela positiva, os arrepiantes números  da pobreza, batêssemos pela positiva as preocupantes taxas de abandono e de insucesso escolar, o sistema de saúde não tivesse mácula, fosse de excelência a resposta na capacidade profissional na generalidade dos sectores de actividade, todo o desempenho económico fosse caso de estudo, os níveis de remuneração fossem melhores, os níveis de empregabilidade (em situação não pandémica) causassem espanto, as contas públicas estivessem equilibradas e não em permanente derrapagem, os níveis culturais, onde se inclui a prática física, fossem distintivos, a aposta singular na ciência e nas artes fosse surpreendente, enfim, se, relativamente aos outros, batêssemos, mesmo por pouco, os índices de bem-estar e o "índice de felicidade", embora subjectivo, porque é multidimensional, de qualquer forma fossem melhores que o restante país, aí, sim, ficaria feliz. Por ninharias, não.

Ora, grosso modo, estamos longe de demonstrar qualquer superioridade. Infelizmente, somos, em análise genérica, pobres, assimétricos e muito dependentes. Ademais, tal como, ainda hoje, o secretário de Estado da Saúde enalteceu: "isto não é (não pode ser) um ranking de regiões, nem uma disputa, é uma luta da humanidade". Falava da pandemia, é certo, mas esta frase, digo eu, pelo menos em parte, pode aplicar-se a tudo o resto. E se assim me situo é porque, até no plano individual, julgo que é mais sério, sensato e humilde que os outros, as instituições, olhem e assumam, livremente, a qualidade do trabalho realizado. Subir para cima da carroça e pregar parece-me imodesto pela presunção que transporta. Já bastam as campanhas eleitorais. Li, algures, que "todo o acto de superioridade revela a inferioridade de quem o pratica". Concordo.

Ilustração: Google Imagens.

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