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terça-feira, 9 de março de 2021

Formação de treinadores

 

Tenho a clara sensação que me estou a meter em um terreno muito pantanoso. O futebol mexe com muitos interesses de milhares de milhões, muitas e exacerbadas paixões, horas intermináveis de "debates" muitas vezes redondos, estéreis e de puro ardor clubístico, enfim, há muito que o futebol se tornou naquilo que Eduardo Galeano (1940/2015), em artigo no Le Monde Diplomatique, titulou de "Football, une industrie cannibale". Esta caracterização é, talvez, a que melhor configura o mundo do futebol. Mas não é sobre os meandros da indústria que escrevo. Apenas quero deixar uma nota a propósito da recente polémica sobre a formação do treinador do Sporting Clube de Portugal de nome Rúben Amorim.



Não sei qual a formação académica de base do treinador em causa. Nem me interessa. Sei, apenas, que foi um jogador de qualidade acima da média e com um interessante percurso profissional. Portanto, quem me ler, espero que considere estas linhas em abstracto, isto é, não enquadradas na situação do treinador em causa e de outros, mas apenas no quadro de uma convicção que alimento desde sempre. Eu diria melhor: um princípio que entendo como basilar. 

Ora, a formação de um treinador, por fazer exigência a um alargado conhecimento técnico e científico, é óbvio que exige uma formação básica consistente. E essa reclama, em um primeiro momento, um título académico de licenciado por uma faculdade onde as ciências do desporto constituam, entre outras, a sua vocação e missão. Só depois devem ser encarados, como especialização ou formação permanente, os cursos de nível I, II, III e UEFA PRO da responsabilidade de uma qualquer federação, independentemente do número de horas e de estágio em cada nível. A prática do desporto federado, desde o nível básico até ao alto rendimento, sobretudo no alto rendimento, faz exigência de conhecimentos que estão muito para além de um dado sujeito ter sido praticante de qualidade e de ter, ao longo dos anos, experimentado e até assimilado situações múltiplas em função do que escutou de outros treinadores de quem foi discípulo.

Dir-me-ão que há treinadores de sucesso que não são licenciados em coisa alguma; que existem treinadores licenciados e com especialidade que não passam da mediania; e que existem autodidactas com resultados. Pois, tudo isso é verdade, depende de muitos factores, mas não se sobrepõe a um princípio que é o do conhecimento sustentado no plano de um estudo superior. Dir-me-ão, ainda, que, hoje, e bem, as equipas técnicas são constituídas por vários especialistas. Eu diria que esbate o problema, mas não me parece que constitua o caminho adequado, porque todos, repito, todos, devem ter a formação apropriada.

Aliás, é assim no quadro da nossa vida. Os médicos não são "curandeiros"; os enfermeiros não são "benzedeiros"; os advogados não são arguentes de café; os professores não são discentes; o maestro não é um DJ; os engenheiros não são pedreiros, por aí fora, quando em causa está o conhecimento.

Há muito que não oiço esta expressão: "mas ele domina o 'cheiro' do balneário". Ora, a ciência não se compadece de cheiros, mas de estudo, sendo certo que os mais talentosos acabam por singrar e outros é absolutamente natural que não escapem à mediania. Olhe-se, por exemplo, para o José Mourinho entre tantos outros, cuja formação foi determinante para o êxito!

De resto, julgo que foi Mário Wilson (Geólogo) que, do alto da sua humildade, disse: "quem treina o Benfica arrisca-se a ser campeão". Nesta frase se não está tudo, ela acaba por transmitir que o poder financeiro é capaz de suprir as insuficiências de conhecimento. Só que eu não vou por aí nem contribuo para esse terreno, repito, pantanoso!

Ilustração: Google Imagens.

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