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quinta-feira, 11 de março de 2021

Uma figura difícil de entender


Para muitos trata-se, certamente, de uma figura política que marcou Portugal pela positiva. Para outros, onde me incluo, de uma personagem que mais valia que tivesse ficado pela sua profissão. Não nutro por ele a mínima simpatia política. O mesmo acontece com alguns outros com um passado muito pouco claro. Pela contrária, outros, ainda, apesar de não corresponderem às minhas convicções, respeito e considero. Por exemplo, nunca votei no Professor Marcelo Rebelo de Sousa, mas respeito-o como o meu Presidente, porque, pelo menos até agora, tem desempenhado o cargo de mais alto Magistrado da Nação, com impressionante rigor e proximidade. Fez esquecer, completamente, o outro!



E o outro é o Professor Doutor Cavaco Silva, ex-presidente da República, enquanto político, sublinho, por quem não nutro qualquer consideração. Aliás, a partir do que li (e escrevi) ao longo dos anos, confirmado na sua prática política, sempre algo nebulosa, por vezes, até irritantemente, biliosa, ao jeito de "(...) não faças o que eu faço", fico perplexo e bastas vezes interrogo-me, de como foi possível manter-se trinta anos na política, sempre com o aval do povo. Nos sufrágios eleitorais, obviamente, o povo é soberano, porém, isso não significa que possua todos os dados sobre os políticos em que vota. Acho, por isso, piada no Carlão no seu "Assobia para o lado":
 
"(...) A maioria não está necessáriamente certa
Questiona o que te dizem, mantém-te alerta (...)"

Presumo que ele, Cavaco, se aguentou exactamente por isso. Porque, digo eu com algum grau de subjectividade, admito, poucos se questionaram sobre a figura que, afirmando-se "não político", por ela andou trinta e tal anos em cargos de poder. Como se fosse possível no exercício do poder figuras não políticas. O paradoxo chegou a esse ponto.

A 10 de Outubro de 2013 publiquei um texto na sequência de um notável trabalho do Jornalista Filipe Santos Costa, divulgado na revista do Expresso, de 18 de Maio de 2013, pág. 37/41, sob o título: Quando Paulo Portas escrevia que Cavaco "merecia um estalo". Guardei-o e ontem voltei a lê-lo. Deixo, com a devida vénia ao Expresso e ao jornalista, uma passagem que se refere a Cavaco Silva.

"Cavaco Silva. "Egocêntrico", "arrogante", "vaidoso", "teimoso", "ambicioso", mais dado a teimosias do que a convicções. Pensa que a direita tem de o venerar. Tem dias de imitação de ditador. É um homem ordinário".

É esta figura, que Portas descreveu, que um dia disse: "Eu nunca me engano e raramente tenho dúvidas". Paulo Portas, enquanto jornalista, é capaz de ter razão. Porque, ainda hoje, escrevo por esta razão, esquecendo-se que é Conselheiro de Estado, depois de ter sido Presidente da República, deselegantemente, não se apresentou para cumprimentar Marcelo Rebelo de Sousa após a cerimónia de tomada de posse. A sua ausência só pode ter sido intencional. Porque o ex-Presidente tem gabinete, tem assessores, tem carro e motorista e, portanto, tem quem lhe faça a agenda. E naquele dia, naquela manhã, naquela cerimónia, não apenas por uma questão protocolar, mas por dever e exemplo, Cavaco Silva não podia ausentar-se. 

Mas como escreveu Carlos Esperança, Cavaco "remói ódios e cogita vinganças" (...) O homem que foi catedrático por decreto, benevolência do Prof. Alfredo de Sousa, PM por intriga dentro do PSD, e PR por arranjo, na vivenda de Ricardo Salgado, esqueceu o passado obscuro para dizer que há “deterioração da qualidade da nossa democracia” (...) “A democracia em Portugal está amordaçada”, (...) aquele que um dia inventou escutas para combater o PM, que nunca lhe perdoou perder o vencimento de PR, quando o Governo decidiu a não acumulação de ordenados e pensões, e estas eram mais avultadas, tropeça na gramática, na ética e na cultura, mas não se esquece de bolçar o ódio à democracia. Para ele os adversários são inimigos. (...) Quem permutou a modesta vivenda Mariani por um terreno para construção, onde já se erigia a luxuosa vivenda Gaivota Azul, na praia da Coelha, recebeu mais valias de ações não cotadas da SLN/BPN, dava faltas injustificadas na universidade pública e aulas na privada, faltas que o ministro Deus Pinheiro relevou, esqueceu os negócios que fez, os meios de pagamento que usou e coisas essenciais que o deixaram sob suspeita de ser contemplado pela generosidade de Oliveira e Costa (...)".

Do Professor Cavaco Silva, fica-me, apenas, a sua declaração durante a visita aos Açores: "(...) "Ontem eu reparava no sorriso das vacas. Estavam satisfeitíssimas olhando para o pasto que começava a ficar verdejante." E uma outra: "Tudo somado, o que irei receber do Fundo de Pensões do Banco de Portugal e da Caixa Geral de Aposentações quase de certeza que não vai chegar para pagar as minhas despesas (...)".

Ora bem, deixo, finalmente, uma passagem de um texto de Miguel Sousa Tavares: "(...) Bem pode Cavaco Silva desfilar o rol de grandes do mundo que conheceu em vinte anos no topo da política portuguesa: nenhum desses grandes o recordará nem que seja num pé de página de memórias e a nossa história não guardará dele mais do que o registo de uma grandiloquente decepção".

Nota 1
Escrevi este texto com os sons, o poema e a voz de Mariza:

"Há gente que fica na história
Da história da gente
E outras de quem nem o nome
Lembramos ouvir" (...) -  "Chuva"

Nota 2
Vale a pena (re)ler a carta aberta do Professor Universitário Carlos Paz:
https://comqueentao.blogspot.com/2014/02/uma-carta-de-carlos-paz-ao-presidente.html

Ilustração: Google Imagens

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