Quem, mas quem andará pela Secretaria Regional da Educação a fabricar documentos destes sem um mínimo de respeito pelas direcções e pelos ambientes de natureza privada? Andam a brincar à legislação? Terão um mínimo de consciência do que andam a fazer? E o Senhor Secretário, subscreve um documento desta natureza ou assinou sem ler? Afinal, o que pretendem com isto?
Esta manhã discutiu-se, no Parlamento, um projecto de Decreto Legislativo Regional que "Aprovou o Estatuto de Educação e Ensino Privado na Região Autónoma da Madeira. O PSD-M requereu o "processo de urgência", pelo que os tempos destinados ao debate foram, regimentalmente, reduzidos, para além de que todos os pareceres das várias instituições foram deitados ao "lixo". Nem uma proposta ou reflexão foi aproveitada. Pergunto, então, para que serviram os pareceres? E que falta de respeito pelas instituições (tempo e trabalho perdido) quando nem lidos foram? Na oportunidade produzi duas declarações. A primeira sobre o pedido de urgência, a segunda sobre o diploma apresentado. Aqui ficam os dois textos.
Um projecto elaborado em cima do joelho, ou talvez não!
Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados,
Começamos por sublinhar que este projecto não é urgente. Não é que aqui estejamos a negar a sua importância. Não é isso que está em causa. O que está em causa é a sua complexidade e os pareceres que nos chegaram, cheios de referências que denunciam, claramente, que este é um projecto feito em cima do joelho.
Desde grosseiros erros por inadequação de conceitos até à abusiva intromissão num sector que é privado e que tem regras próprias, este projecto tem um pouco de tudo.
As escolas, os seus legítimos representantes e parceiros sociais colocam neste documento reticências que nunca as registámos em outros pareceres. Há frases arrasadoras que chegam ao ponto de considerar uma falta de respeito do governo pela orgânica e organização interna dos estabelecimentos de ensino. Não é desta forma que se defende o ensino privado.
Este projecto constitui um ataque ao ensino privado ou, melhor dizendo, um assalto do poder político e público ao ensino privado.
Está lançada mais uma confusão, agora no ensino privado. O melhor que V. Exas. poderiam e deveriam fazer era retirar este documento para uma melhor reflexão, em função dos pareceres que chegaram à Comissão.
E neste contexto, perguntamos… e as posições dos professores que trabalham nesses estabelecimentos de educação e ensino? As posições dos empresários que lideram essas instituições? Não só aquelas que responderam, mas todas as outras? Então tudo isto pode ser realizado nas suas costas, sem a sua opinião, sem serem ouvidos? O que é que o governo pretende com isto? Controlar as instituições, controlar as suas direcções, controlar os professores que lá trabalham?
Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados,
O governo teve quatro anos para elaborar este projecto, mas entregou-o na Assembleia nos últimos dias de funcionamento do plenário. Estranho, não é, senhor presidente. É lógica em que se funda este governo e esta maioria. A lógica do quero, posso e mando, o que conduz a que o governo faça desta Assembleia o que quer e entende.
Um diploma desta natureza, despachado para os grupos parlamentares no dia 28 de Junho, que contou com poucos dias para uma cuidada apreciação dos parceiros sociais, que regressou à comissão apenas para dizer que “se encontra em condições de subir a plenário”, um diploma desta natureza, com este enquadramento à velocidade da luz, todos perceberão que trás consigo qualquer coisa ou muita coisa menos clara. Não apenas leviandade. É por isso que não o vamos discutir, porque não estão reunidas as condições mínimas para um debate sério.
Senhoras e Senhores dDeputados, chegaram-nos às mãos, num primeiro momento, dois lacónicos pareceres. Anteontem, ao fim da tarde, alguns outros. Esta manhã mais um. Todos, no entanto, exceptuando o Sindicato Democrático de Professores, lamentam o tempo exíguo para formular uma fundamentada opinião. E neste contexto, perguntamos, e as posições dos professores que trabalham nesses estabelecimentos de educação e ensino? As posições dos empresários que lideram essas instituições? Não só aquelas que responderam, mas todas as outras? Então tudo isto pode ser realizado nas suas costas, sem a sua opinião, sem serem ouvidos? O que é que o governo pretende com isto? Controlar as instituições, controlar as suas direcções, controlar os professores que lá trabalham?
Há um texto, Senhoras e Senhores Deputados, subscrito por cinco escolas que diz o seguinte: “(…) é com alguma perplexidade e até mesmo tristeza que verificamos que as escolas particulares e cooperativas, não foram tidas nem achadas nem foram auscultadas para a elaboração do estatuto em questão”.
Pergunta-se: para quê esta pressa, quando na gaveta estão outros diplomas muito mais importantes do que este? Concretamente, o Estatuto da Carreira Docente, adiado para Setembro, que contempla a avaliação de desempenho dos educadores e professores? O que é que se esconde por detrás disto? O que move o governo e esta maioria em deixar para trás diplomas importantes, quando tem aqui, na agenda, uma proposta do PS sobre o Estatuto da Carreira Docente, entregue nesta Assembleia há quatro meses e que pelo andar da carruagem vai cair com o fim da legislatura?
Então não seria do mais elementar bom senso, a Comissão reunir os pareceres, abrir o debate convidando para sucessivas audições vários directores dos estabelecimentos de ensino particular, ouvir e registar em relatórios circunstanciados, para então, depois, formular um debate fundamentado? Para quê esta urgência?
Na vossa bancada têm, neste momento, a Senhora Deputada Vânia de Jesus, recentemente regressada da Assembleia da República. Perguntem-lhe como é que isto acontece por aquelas bandas. Perguntem-lhe se isto seria possível na Assembleia da República? Se seria possível um debate sem relatório?
Nós não embarcamos nesta tramóia. O ensino particular é demasiado importante, enquanto oferta privada, para estar sujeito a uma brincadeira destas. É que, senhor presidente, o que aqui se está a passar é uma brincadeira, de mau gosto para o sistema educativo. O melhor que a maioria poderia fazer era suspender este debate e retirar o diploma.
Nós dissemos que não iríamos comentar o diploma na generalidade do seu articulado. E não vamos fazê-lo. Mas há aqui uma situação que não queremos deixar passar, simplesmente porque ilustra bem a concepção estrutural deste diploma. Aliás, os vários pareceres, em múltiplos aspectos, condenam as opções tomadas e interrogam-se sobre a legitimidade do poder político em interferir na esfera do privado. E têm total razão.
O ensino particular tem raiz privada. Deve responder a um princípio que é o do paralelismo pedagógico, se assim o entenderem, para que desta feita possam certificar as habilitações. Já não faz qualquer sentido, porque é privado, um diploma do governo intrometer-se nos órgãos consultivos, no conselho pedagógico, nas competências do conselho pedagógico, nas reuniões do conselho pedagógico, no controlo da assiduidade, no processo de avaliação e na avaliação de desempenho dos docentes.
Isto significa o público a meter o pé e a mão num sector que é privado. Talvez, mal comparadamente, Senhoras e Senhores Deputados, é o mesmo que o governo dizer às padarias da Região como é que se devem organizar para fabricar pão e, já agora, os tipos de pão a partir dos tipos de farinha que lá chegam. Isto não faz sentido. É meter-se num ambiente em que se deixará de perceber onde termina o público e começa o privado, ou vice-versa. É assim que defendem a oferta privada?
E questionamos: quem, mas quem andará pela Secretaria Regional da Educação a "fabricar" documentos destes sem um mínimo de respeito pelas direcções e pelos ambientes de natureza privada? Andam a brincar à legislação? Terão um mínimo de consciência do que andam a fazer? E o Senhor Secretário, subscreve um documento desta natureza ou assinou sem ler? Afinal, o que pretendem com isto?
Sabemos, então não sabemos, que quem paga manda. Sabemos que são muitos milhões anuais atribuídos ao sector privado para despesas de funcionamento. Sabemos que isso gera contrapartidas, até o espartilho na contratualização do corpo docente. E sabemos que o governo gosta de estar lá e de controlar as instituições. Não é essa, porém, a concepção que temos da sociedade, muito menos do funcionamento dos estabelecimentos de educação e ensino privados.
Evidentemente que há necessidade de estabelecer regras e que têm de existir, sobretudo, o acto inspectivo. É óbvio. Mas, não é isso que sobressai deste projecto. Por isso, votaremos contra.
Ilustração: Google Imagens.