Contra toda a corrente, contra o pensamento de tantos especialistas, a douta cabecinha do ministro Nuno Crato, matematicamente, estipulou os quatro anos de idade como a do início do pré-escolar. Com a particularidade do diploma prever que a "regulamentação possa estender a universalidade do ensino pré-escolar às crianças com três anos". Eu tenho muito respeito pelas pessoas enquanto seres humanos, mas, politicamente, esta decisão designo-a por ignorância altifalante. Ele não assume os dois anos de idade porque não lhe deu na veneta! A decisão surge na mesma semana que a Ordem dos Médicos propôs que as mães amamentem até aos três anos e que disponham de dispensa no horário laboral para que tal aconteça. Digo eu, que espantosa cabecinha a deste senhor ministro da Educação. Suponho que ele pretenda, no essencial, deixar uma marca em um mandato profundamente turbulento em vários domínios e de total desencanto dos professores, dos sindicatos e das escolas. Se o anterior primeiro-ministro, Engº José Sócrates, apostou nos doze anos de escolaridade obrigatória, este quer antecipar o pré-escolar para os quatro anos. Como se as duas situações fossem semelhantes ou comparáveis.
Crato pode ser um excelente professor de Matemática, mas de Educação e de Sistema Educativo já provou ser uma nódoa. Em uma aproximação a Eça só sai com benzina (1885)! Nem a Escola é um armazém de crianças, tampouco se pode escolarizar idades que devem ficar marcadas pelo jogo no sentido, entre outros autores bem mais recentes, de Jean Chateau (1961): "se o jogo desenvolve as funções latentes, compreende-se que o ser mais bem dotado é aquele que mais joga" (...) "para ela quase toda a atividade é jogo, e é pelo jogo que ela descobre e antecipa as condutas superiores". Para Claparède, in Psychologie de l'enfant e pédagogie expérimentale, "o jogo é o trabalho, o bem, o dever, o ideal de vida. É a única atmosfera em que o seu ser psicológico pode respirar e, consequentemente, pode agir" (...) Perguntar por que joga a criança, é perguntar por que é criança". Crato não leu isto e, por isso, ignora autores, conhecimento e baralha conceitos. Esta decisão Cratiana constitui mais um ataque aos direitos da criança. Bastaria que tentasse beber a síntese do Professor Rui Trindade, doutorado em Ciências de Educação e investigador: (...) A necessidade da escola se afirmar como um espaço mais inclusivo não obriga, necessariamente, a que haja mais escola, mas melhor escola". Ora, isto implica assumir, sublinha o investigador, que "as crianças têm de ter espaços e disponibilidade para explorar, brincar, descobrir, relacionar-se, produzir e apreciar" (...) o que conduz ao estabelecimento de um princípio: "as crianças não deverão ser adultas antes do tempo e que é um equívoco pensar que se educa hoje para agir amanhã". Bastaria que tentasse, ainda, compreender a síntese do Psicólogo Clínico Eduardo Sá: as crianças "(...) passam cada vez mais horas na escola, o que não é adequado. Aquilo que me preocupa é que mais escola, sobretudo como ela está a ser vivida, signifique menos infância e quanto menos infância, mais nos arriscamos a construir pessoas magoadas com a vida. Quanto mais longa e mais rica for a infância mais saudável será a adultez (...) neste momento a infância começa a ser perigosamente a escola e, de repente, há toda uma vertente tecnocrática como se o que estivesse em primeiro lugar fosse toda a formação e depois viver a vida. Isto é um absurdo".
Expliquem, então, ao ministro, se ele entender, que a escola não é a solução para a desestruturação social e que é essa situação que conduz a uma certa escravização do mundo da criança, levando-a passar horas a mais num mundo que não deve ser o seu. Expliquem, porque ele ainda não percebeu que "o jogo é a fonte comum de todas as actividades superiores". E, sendo assim, não pode escolarizar tudo e antes do tempo. Se ele não perceber, bom, há que aguardar mais uns meses para terminar o pesadelo. Outubro está aí ao virar da esquina e, espero eu, que alguém ponha um travão a toda esta loucura.
Ilustração: Google Imagens.
NOTA
Artigo de opinião, da minha autoria, publicado hoje no Funchal Notícias.
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