Jerónimo de Sousa (PCP) tem toda a razão: o governo da República, ao longo de quatro anos, roubou um porco e propõe-se, em 2016, devolver um chouriço. Uma síntese que encaixa bem na propaganda em curso. João Galamba (PS) designou por "vigarice a alegada devolução da sobretaxa de IRS". Mas o povo, ontem, depois das intervenções na herdade, aos milhares, aplaudiu satisfeito. Meteram-lhe a mão na carteira, exploraram-no até ao tutano, puseram-no a pagar impostos absolutamente desproporcionais aos rendimentos, retiram-lhe direitos sociais, mas o povo continuou a aplaudir, como quem pede, batam-me mais que eu gosto! Há qualquer coisa de inexplicável que não consigo definir, assunto para sociólogos, mas que se situa, julgo eu, entre a ignorância política e uma ancestral cultura de submissão ao senhorio. Passos Coelho, ainda ontem disse que "(...) os portugueses não comem auto-estradas, nem dívidas" (...) que "hoje ganhámos direito a um futuro melhor" e que "(...) está na altura de nas próximas eleições dizer à oposição que ela é precisa mas não para governar" (...) porque "precisamos de consolidar um bom governo". E o povo, em uníssono, aplaudiu e aplaudiu. Esqueceu o corte nos salários, o drama do desemprego, a precariedade, os recibos-verdes, os pagamentos por conta, a pobreza, a falência fraudulenta de bancos, o aumento exponencial da dívida pública, a emigração, o corte na investigação científica, eu sei lá o que fizeram, mas o povo, em uníssono, incluindo milhares de jovens, muitos com futuro condicionado, aplaude e aplaude, euforicamente. Como se tivessem culpa.
Que não venha pior, dizem, certamente, alguns, habituados ao peso da cruz, esquecendo-se que ao lado dos deveres existem direitos que não podem ser subtraídos. Direitos essenciais do ser humano que levaram dezenas de anos para serem conquistados. Mas aplaudem como se tivessem sido os culpados pela crise internacional. Aplaudem o falso salvador da pátria, ignorando que ele é, apenas, uma peça da roda dentada que a todos esmaga. Mas ele fala de "uma nova alma para Portugal". Mas qual, quando nem possibilidades temos de pagar a dívida criada, a não ser que uma parte seja "perdoada" e outra reestruturada. Estará o povo ao corrente do que se passa? Julgo que não. Para tomar um copo, divertir-se qb, tornar um Domingo agradável, ninguém precisa de sair de casa para aplaudir quem o chicoteia nos momentos decisivos e, logo depois, apresenta-se com todas as palavras mansas e ilusoriamente amigas. Mas o povo aos magotes lá vai, porque não é só a espetadinha, o vinho, a ponchinha, o croquete de bacalhau, o rissol, a animação no palco e autocarro com a habitual "a maré está cheia..." que motivam. Se fosse só isso! É mais do que isso, com o devido respeito pelos meus conterrâneos que muito estimo, a sua presença é, maioritariamente, um sim a uma política de cujos contornos não se dão conta. São engolidos pela propaganda e porque estão envolvidos numa mentalidade que ser de um partido é exactamente igual a ter a preferência pelo clube a, b ou c. A fidelização é quase absoluta. Veremos, em Outubro, se o povo tem a percepção exacta das maldades que lhe fizeram ao longo de quatro anos. Se assim acontecer, penitenciar-me-ei do que agora escrevo.
Ilustração: Google Imagens.
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