Oiço, por aí, vozes que tentam transmitir a ideia que "com esta oposição o PSD eternizar-se-á no poder". Confesso que este tipo de leitura mexe comigo. Se as pessoas ligadas ao partido maioritário o digam, aceito, mas quando isto sai boca fora de outras que tiveram responsabilidades em partidos da oposição ou são analistas do processo, aí, sinceramente, apetece-me dizer bem alto um qualquer disparate. Porque é falso e porque este tipo de intervenção constitui o mais subtil favor à eternização de um poder que dizem contestar.
Dou comigo, muitas vezes, a pensar na memória de curta duração de algumas personalidades com quem me cruzo. Parece que fazem, diariamente, um "reset" na memória e com isso apagam centenas de propostas apresentadas, os projectos de decreto legislativo e projectos de resolução propostos, as intervenções políticas, enfim, tudo é apagado e, resultado disso, tudo acaba por circunscrever-se a essa peregrina ideia que o poder não tem oposição. Esquecem-se dos debates pedidos e não agendados na Assembleia Legislativa, da repetida falta de comparência do governo, certamente com receio de ser confrontado, dos argumentos da oposição aquando do debate dos assuntos da agenda parlamentar, esquecem-se que o Presidente do Governo não aceita confrontar os seus argumentos com os da oposição, enfim, repito, tudo é apagado para emergir a leitura simplista que a oposição é frágil e não tem qualidade. Esquecem-se que o poder secou tudo à sua volta, que conquistou, através da subsidiodependência, o associativismo desportivo e cultural, que estabeleceu incontornáveis pontes com alguns empresários, que, subtilmente, persegue as poucas instituições lideradas por pessoas com posicionamento político diferente da maioria, que bloqueou a criação de condições favoráveis ao cumprimento dos planos de obras das autarquias lideradas pela oposição, que tem um jornal pago pelos contribuintes, que tem contado com a Igreja, que estupidificou ao não libertar as pessoas através da Educação, que gerou um quadro de medo, enfim, tudo é apagado e, perante isto, dizem, ainda, que a oposição é fraca. Varrem tudo da memória permitindo que se multiplique, junto dos menos esclarecidos, a ideia que a oposição não tem projecto e não dispõe de pessoas capazes de liderarem qualquer governo autárquico ou regional.
Olham para a oposição e só descobrem pessoas desavindas mas, curiosamente, fecham os olhos e consideram normal a panela de pressão do partido maioritário. Mas os mesmos que assim se comportam também são os mesmos que se mostram indisponíveis para assumirem uma experiência no lado da oposição. De entrarem porta adentro de um qualquer partido e dizerem, estou aqui, quero participar, quero assumir que discordo. É cómodo ficar-se pela esplanada, pelo comentário, por um pé aqui e outro ali, tentar mostrar-se independente quando, lá no fundo, transportam um arsenal de complexa dependência.
Há dias, uma dessas personalidades dizia-me, com alguma comiseração, que o PS não dispunha, na Madeira, de uma equipa para formar governo. Puxei de um papel e pedi-lhe que cronometrasse o tempo que eu levaria para escrever os nomes do actual elenco governativo e os nomes de uma possível alternativa para as mesmas pastas. Em três minutos deixei-o a pensar. Leu e apenas me disse: "eles aceitam?". Guardou o papel não sei com que intenção.
Alternativa existe e com indiscutível qualidade. O problema é que se vive numa conjuntura terrível onde não existem folgas nos parafusos do sistema. Mas, por vezes, quebram-se pela acção do tempo.
Nota:
Artigo de opinião da minha autoria publicado hoje na edição do DN-Madeira.
3 comentários:
Caro Dr. Escórcio;
Concordo e subscrevo na íntegra a sua crónica no DN e no blog. Quando no meu post anterior referi as alternativas de qualidade na oposição, sei que elas existem, mas a imagem que passa para fora do hemicíclo regional, por vezes, destoam da realidade que se quer ver.
Concordo consigo quando diz que o trabalho é feito ou está sendo feito, e que o problema é estrutural, ou até mesmo de "mentalidade laranja" que erráticamente se apoderou da maioria de um eleitorado sencionalista e acomodado pela táctica da subsídiodependência, ou como diria J. Mourinho, pela "prostituição intelectual" de muitos.
Mas a meu ver a oposição tem de ser mais construtiva e basilarmente unida dentro de si, sendo uma "máquina" partidária bem oleada, que não deixe transparecer sinais de fraqueza ou por vezes de conformismo com a "democracia ditatorial" em que vivemos. Ou seja, não se pode jogar o que "eles" querem que seja jogado, porque entrar no jogo baixo "deles", é ser-se como ou pior que eles.
Admiro a sua forma de opor-se como a de outros membros, todavia acho que toda a oposição tem de ser mais unida e menos intermitente na forma de agir junto daqueles a quem de facto interessa intervir: O Povo!
O problema é que às pessoas não chega todo o trabalho que a oposição faz na assembleia,em virtude de esta estar subalternizada aos interesses do governo regional e aos mandos do seu chefe,AJJ.Há um ditado que diz"não podes com eles,junta-te a eles" e é por isso que continue na mesma de que,como o povo quer é festa ,porque não se lhe dá festa.HÁ TANTA BANDA DE MUSICA AÍ À RASCA PARA SOBREVIVER.Em vêz de se gastar dinheiro em papelada que ninguém lê ou poucos lêm,que se pegue nesse dinheiro,contrate-se bandas de música,compre-se uns bons quilos de carne,bolo do caco e faça-se uns arraialozitos para ver se o ZÉ POVINHO se vai fartando e aibra de uma vêz por todas os olhos e decida mudar este poder.Cumprimentos e bem haja.
A questão não é "esta oposição" mas os métodos. AJJ há muito que escreveu o enredo da vida política madeirense em cada eleitor e a oposição reage pavlovianamente obedecendo a esse enredo. Cada proposta, cada alternativa apresentada pela oposição é descrita e lida pelo eleitorado, devidamente orquestrado, como um ataque à madeira, como um desejo de poleiro! Perante este cenário só há uma alternativa, a oposição há muito que se devia ter negado a seguir esse enredo. Porque não uma associação de ocupação dos tempos livres para cimentar as relações entre os militantes e conquistar outros, porque não uma cooperativa de consumo, porque não um infantário privado, etc?! Sei que é fácil dize-lo mas difícil faze-lo no entanto é com projectos de longo prazo que se chega lá. Só os bêbados é que dizem nas vésperas de cada acto eleitoral: "É desta vez que se dá a volta a isto" E nem esses vão votar! Conquistemos a sociedade civil paulatinamente e aparecerão os resultados, resultados de longo prazo!
Tenho consciência que não é fácil e digo-o para que não pense que pretendo afirmar que fazia melhor! Como é evidente esta mudança de métodos não se compadece com guerras cívis em que tenhamos que estas constantemente preocupados com o que se passa nas nossas costas. Implica que a liderança tenha como critério de "promoção" política o trabalho de cada um e não outros calculismos! Isto talvez já sonhar demais!
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