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domingo, 16 de janeiro de 2011

O GRITO DE REVOLTA DE UNS E DE OUTROS


Do cruzamento de ideias, díspares nas convicções, fica-me o sentimento genérico de uma sociedade madeirense em convulsão silenciosa. Disse-lhe: é com homens como o senhor que juntos acabaremos com isto. Respondeu-me: mas quando?


Nos últimos dois dias cruzei-me com algumas pessoas com quem pude tomar o pulso à situação política. Vale o que vale esta síntese de meia-dúzia de pessoas, eu sei. Mas, no cruzamento da informação geral e do ambiente que está criado, acaba por ter, pelo menos para mim, algum significado. Pessoas com grande notoriedade social até, como esta manhã aconteceu, algumas daquilo que se configurou chamar de pessoas da Madeira profunda, talvez, melhor dizendo, da Madeira real. Deste cruzamento de ideias, díspares nas convicções, ficou-me o sentimento genérico de uma sociedade madeirense em convulsão silenciosa. Os mais bem formados, atenção, refiro-me apenas à formação académica, dizem-me que existe um Coelho na cartola que merece a sua simpatia; os outros, apresentam um discurso de esgotamento pela vida que levam, nessa sistemática luta de remar contra a maré imposta por outros. Estes, pelas palavras ditas, pouco sabem sobre as eleições presidenciais, antes atacam quem, na Região, não resolve os seus problemas. Esta manhã, por exemplo, ali frente ao Colégio, um pedinte, eterno viajante diário pela cidade, disse-me mais ou menos isto: não tenho trabalho, estou velho e só posso pedir. O dinheiro é para a minha barriga. Quando é que isto muda, senhor? Nestes momentos fico sem palavras, porque a minha cabeça é, instantaneamente, atravessada por sentimentos de solidariedade sustentados no princípio que, se sou feliz, que razões levam a que outros não se encontrem no patamar da felicidade? É complicado. Disse-lhe: é com homens como o senhor que juntos acabaremos com isto. Respondeu-me: mas quando?
Bom, cada pergunta, tão simples, mas com tanta complexidade para encontrar uma resposta distante de uma atitude meramente demagógica e eleiçoeira. Certamente, porque não acreditaria, despedi-me, sem lhe dar um desdobrável do candidato Manuel Alegre. Mas, fiquei a pensar, nas atitudes de uns e nas de outros. A pensar, desde logo, no grito de revolta de uns e de outros. O grito de uns que falam da cartola e no coelho, penso eu, enquadrada e apostada na destruição do mito regional que governa a região; no grito de outros desesperados, mas, provavelmente, sem conhecerem as alternativas que se colocam.
Ora, tudo isto parece-me perigoso e reflecte duas entre mais deduções que podemos fazer: por um lado, o silêncio provocado pelo medo que conduz a uma reacção de avacalhamento da vida política. Não é o projecto alternativo que está em causa e as pessoas que podem dar rosto a essa transformação, mas o de descer, intencionalmente, ao grau zero, para daí fazer renascer a esperança. Por outro, temos os que não têm voz, os descamisados, que apenas olham em seu redor porque não foram educados para verem para além do horizonte visual, e que, por isso, conjugam a análise sumária da sua própria vivência verbalizando o desconforto da pobreza, todavia, sem armas (para além do voto) para operacionalizarem a mudança. 
Tenho vindo a seguir as notícias da Tunísia. Infelizmente, tarde ou cedo, é o que nos espera. Um Amigo de longa data diz-me com frequência: "não sei quando, mas que isto vai dar tragédia, não tenho dúvidas". Este mundo de enganos, esta política feita se interesses, estas assimetrias sociais absolutamente condenáveis, as palavras ditas sem sentido, ao jeito de "com a verdade me enganas".
A propósito, li no blogue "Retórica": A manipulação pela palavra, assente em ardilosas técnicas de enganar o próximo, dificilmente sobreviveria através dos tempos, como tem sobrevivido, se se valesse apenas de falsidades. Porque falsidades há que, de tão óbvias, nunca escapariam à atenção da mais desprevenida vítima. Daí que, não poucas vezes, o manipulador recorra às chamadas meias-verdades. Reduz assim o risco de ser desmascarado e, mesmo no caso de vir a ser descoberto, fica sempre com maior margem para engendrar uma qualquer escapatória. Basta-lhe, por exemplo, embrulhar a real intenção dolosa em mero acidente de discurso: distracção, confusão interpretativa ou até mesmo o desculpável erro. Mas, as meias-verdades deixam, ainda, metade da manipulação à mostra. O ideal será, por isso, manipular com a própria verdade, à custa da credulidade natural das potenciais vítimas".
Estamos a assistir a uma situação que exige uma correcta leitura que não seja de enganas. Para a Presidência da República há opções que, com todo o respeito pelas várias candidaturas em presença, não concorrem para o rápido retorno da credibilidade política; para o futuro da Região, os madeirenses e porto-santenses, cultos e menos cultos, formados pelas universidades ou pela vida que levam, devem olhar para a extrema necessidade de conjugar esforços no sentido de resolver uma situação de 36 anos, penosa e complexa, mas face à qual existe uma saída possível e credível. Descer ao grau zero não tem a minha simpatia, pois gostaria de ver o futuro distante de convulsões sociais.
Fico a pensar nisto e convido os visitantes a falarem das preocupações que os invadem. De forma séria e profunda, porque este é um problema de todos nós.
Ilustração: Google Imagens. 

5 comentários:

André Escórcio disse...

Recebi um comentário de um visitante deste espaço que assina "Zino". A situação a que se refere, desculpar-me-á, não a publico. Trata-se de um assunto já aqui equacionado, sobre o qual pronunciei-me, inclusive, no próprio DN através de uma carta do leitor.
Publicar o seu comentário significaria ter de ser desagradável e isso eu não faço a nenhum dos meus leitores. Aliás, abri o debate em torno daquilo que classifiquei de "grito de revolta ..." e não sobre particularidades que não me competem resolver. E como compreenderá, não divulgo a minha vida a ninguém, até porque poderia correr o risco de me dizerem que estou a colocar-me, politicamente, em bicos de pés. Nunca o fiz e jamais farei. As opções a mim e a minha família dizem respeito. Da mesma forma que respeito as opções dos outros. Mas tenho opções, fique sabendo.
Finalmente, posso-lhe assegurar, que em mais de dois anos de textos neste blogue, julgo que esta a terceira vez que limito um comentário. Isso significa a minha abertura e que para mim, desde que exista elegância, não existem assuntos tabu.
Obrigado e sempre a considerá-lo, embora não o conheça, ou, se conheço, pelo nome não não chego lá. Mas isso não é importante.

Anónimo disse...

Um desabafo grande que toca em varios pontos importantes, que ora conforta ora deprime. Acho que e' esse o sentimento do madeirense, sente-se agrilhoado por um regime que alimentou pulgas que agora estao obesas, e que nao tem criatividade para ir alem do betao... Mas acho que os madeirenses tambem tem o que merecem (desculpe a falta de acentos), porque continuam com medo e a eleger os mesmos. Era importante que houvesse mais debate, mais tomadas de posicao, uma democracia plena, uma discussao saudavel e aberta sobre o que esta' errado e quais as solucoes para os desempregados, para o turismo, para criar emprego etc etc. Por muito que lhe possa custar, um candidato como o senhor Coelho so' pode ser visto com admiracao, porque tendo em conta as suas origens (politicas e pessoais) e' uma pessoa corajosa e criativa. Das conversas que tenho com pessoas da minha geracao concluo que pensam o mesmo, admiram a coragem folclorica do senhor Coelho e apoiam a candidatura apartidaria de Fernando Nobre. O que sinto e' que ou estamos do lado do poder ou do 'seu lado' ou entregues 'a nossa sorte, coragem e capacidade de dar a volta por cima. O facto e' que o senhor Andre Escorcio tambem conseguiu (e com merito) criar espaco para poder discutir, incentivar o debate e reflexao e nao tera' que descer ao tal grau zero, e volto a referir com todo o merito.
'A minha geracao - a tal de rasca - nao sobrou muitas opcoes - para alem das corrosivas ou da associacao ao regime. No meu caso, fiz-me 'a vida,(com uma licenciatura e um mestrado) emigrei e estou muito melhor a todos os niveis. Deixa-se agrilhoar quem quer, nao ha' espaco para os talentosos que nao se associam a qualquer partido na sociedade madeirense!

CM

André Escórcio disse...

Muito obrigado pelo seu comentário.
Trata-se de um excelente contributo para a reflexão que se impõe. É óbvio que sou partidário, mas antes disso sou cidadão. O partido torna-se, assim, para mim, um instrumento ao serviço de uma mudança, de acordo com as minhas convicções.

Fernando Vouga disse...

«[...] um regime que alimentou pulgas que agora estao obesas, e que nao tem criatividade para ir alem do betao... »

Caro Dr. André Escorcio

Permita-me apenas uma pequena observação sobre a nota introdutória escrita pelo comentador CM.
O problema do betão não é por falta de criatividade. Deve-se exclusivamente à obediência a quem sustenta a máquina partidária.

Um abraço

André Escórcio disse...

Obrigado pelo seu comentário. Também penso que sim.