Ora, o que me parece estar em causa não é a importância do que foi escrito, mas a transmissão do pensamento quase piedoso, a influência das palavras no Povo mais humilde e a continuação da telenovela do homem apresentado como providencial.
A arte de, subtilmente, conduzir o pensamento político. Os gestores do media tornaram-se gestores das mentes! |
Já não bastam 15.000 exemplares distribuídos, diariamente e de "borla", que chegam a todos os cantos, com uma única perspectiva política da Madeira, ainda por cima, no serviço público de comunicação social, perdoem-me as palavras, temos de "gramar" com transcrições dos artigos de opinião do Senhor Presidente do Governo! Hoje, foi mais uma, na sequência de um problema de saúde, mas o processo repete-se, com alguma regularidade, sobre outros assuntos que nada adiantam.
O Presidente tem todo o direito de escrever o que quiser e entender, pode até pagar um anúncio de agradecimento público, em todos os jornais diários e não diários, pelos cuidados de saúde e atenções de que foi alvo. Tudo isso é legítimo. Relativamente ao "serviço público" e mesmo que não fosse, pergunto, onde está a notícia? Qual a relevância, neste caso, para a população da Madeira, de um artigo de agradecimento? E os outros artigos de análise, de crítica e de projecto feitos por tantos da nossa praça? Qual o critério, de equilíbrio, de razoabilidade e de importância que torne o texto primeiro em notícia de interesse público?
Ora, o que me parece estar em causa não é a importância do que foi escrito e salientado, mas a transmissão do pensamento quase piedoso, a influência das palavras no Povo mais humilde na continuação da telenovela do homem apresentado como providencial. E, depois, oiço alguns sublinharem que não existe alternativa, que oposição é assim e assado, quando, diariamente, permitam-me a expressão, os mesmos que assim procedem ajudam a fazer a caminha política ao "único importante"! Pergunto, como romper o círculo, face a esta infernal e meticulosa capturação da sociedade?
Convenhamos que não é fácil, quando a balança está intencionalmente desequilibrada. Não é que o "serviço público" tenha de se posicionar, isso não, mas tem o dever de ser isento, equilibrado e justo. Pelo que vejo e oiço, por múltiplas razões, o que emerge é o total controlo da situação. A rede está montada e os sinais são evidentes. Sinto que nunca houve tanto controlo sobre os jornalistas, tanta pressão e, ao mesmo tempo, tanta secundarização dos que não se vergam à estratégia do poder. Em contraponto, vejo crescer nos lugares os que criam as condições facilitadoras de manutenção do poder. Uma engrenagem perfeita!
Aprendi, com um ilustre Professor Catedrático e Reitor da Universidade Fernando Pessoa, no Porto, Doutor Salvato Trigo (que saudades tenho das suas aulas) que ao jornalista não se deve pedir a verdade, mas que seja honesto com a sua verdade. A verdade é múltipla. É isto, em última análise, que está em causa. No fundo, um apelo à consciência de um trabalho que deve ser pautado pelo rigor, independência e total transparência.
Ilustração: Google Imagens.
2 comentários:
Senhor Professor,
Em momento de uma tão grande dor colectiva como aquela que vem atingindo este povo insular - obedientemente e em silêncio! - as palavras de VExa e o seu discurso assertivo refluem nas consciências morais como um estímulo à resiliência.
Temo, porém, que à virtude enunciada se una uma eficácia estéril.
Com efeito, não podemos nunca esquecer o princípio básico que enforma a "democracia": (com grande infortúnio para nós) - uma cabeça um voto! Ora bem, sabemos que a maioria das cabeças votantes desta terra (ainda) vota de barrete de orelhas para proteger do frio; neste contexto, as vossas clarividentes opiniões - contra o regime que nos oprime - apenas acabam por caucionar o sombrio e amargo desalento que se infiltra nos espíritos superiores que consciencializam tal facto - nunca no povo vilhão e votante!
É esse o vosso grande handicap.
Porém, do meio deste deperecimento moral que nos vem abatendo, eis que surge um verdadeiro grupo de irredutíveis, sincronizado todavia com os desafios e exigências do seu tempo, conhecido pelo "Grupo do Garajau", que de forma muito pouco ortodoxa vem procurando destapar as orelhas a um ou a outro vilhão mais vivaço. E, creiam-me, a fórmula vem funcionando até nos corações mais abatidos ou nos espíritos mais descrentes.
Concedo porém a vossa imensa dificuldade em ir por esses caminhos - a vossa matriz de estar e de actuar é outra: é conservadora - "straight" como dizem os ingleses - e epistemológica; mas numa época tumultuosa como a nossa urge aferir se é mais importante manter a inflexível austeridade do carácter ou prosseguir com a generosidade das coisas úteis.
Um abraço para Si.
V.D´A.
Senhor Professor
Há Jornalistas e jornaleiros.
Os primeiros exercem a sua nobre actividade no pleno respeito pela norma Democrática;
Os segundos...especializam-se em fretes e em disparates.
(Veja-se o paroquial "Dossier de Imprensa", por exemplo.)
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