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quinta-feira, 12 de novembro de 2020

Biden versus Trump – a força dos votos pode não chegar


Soixante-Huitard, 
12/11/2020

Para a maioria dos leitores Joe Biden será, após tomar posse em 20 de Janeiro, o 46º Presidente dos Estados Unidos. Mas acreditar absolutamente que isso virá a acontecer, que no final a Lei prevalecerá, nem que seja necessário usar a força para expulsar Donald Trump da Casa Branca, não é prudente uma vez que opinião contrária têm os maiores peritos na Lei Eleitoral e na Constituição, estando todos de acordo que as ameaças à Democracia que Trump representa não têm precedente, e que a crise Constitucional que se aproxima será de tal gravidade que a Nação, acabado o ciclo eleitoral, poderá não ter um Presidente eleito segundo a vontade popular expressa nas urnas.



Estará Trump a puxar da pistola?

Mas Trump avisou repetidamente que jamais reconheceria qualquer resultado eleitoral que lhe fosse adverso: Já nas eleições de 2016, em que derrotou Clinton, e recentemente em Julho ao ser perguntado se respeitaria o resultado recusou-se a responder. Esta questão não é meramente hipotética: Já foi respondida em 2016 quando Trump, ao perder o voto popular para Hillary Clinton, (por uma diferença de mais de 2.900.000 votos ), alegou serem todos esses votos de imigrantes ilegais, logo todos fraudulentos. Num comício no Ohio proclamou: “Senhoras e Senhores: vou fazer uma declaração importante: Prometo solenemente a todos os meus eleitores e apoiantes, bem como ao povo Americano, que aceitarei sem reservas o resultado desta eleição Presidencial…se….eu ganhar !”

Desde 2016 se conhecia que os votos pelo correio favoreciam em grande percentagem os candidatos do Partido Democrata. Sabia-se também que a votação não presencial aumentaria muito devido à pandemia, como veio a verificar-se. Cedo Trump, e o Partido Republicano, lançaram uma campanha minuciosamente preparada para deslegitimar esses votos, ao mesmo tempo que os seus apoiantes eram instados a votar presencialmente. Foi criada assim uma maneira fácil de distinguir entre votos potencialmente favoráveis e os que não eram. Durante o passado Verão Trump produziu uma barragem de ataques diários contra o voto postal, ao mesmo tempo que prosseguia, por vários métodos e em várias frentes, a supressão do direito ao voto das minorias étnicas.

O que se assiste agora é a primeira fase desse plano destinado a impedir a tomada de posse de Joe Biden, com os Republicanos a contestarem os resultados eleitorais em todos os Estados ganhos pelos Democratas por escassa maioria.

Esta acusação de fraude em larga escala é totalmente fictícia, e os pretextos usados pelos Republicanos para anular votos validamente expressos não têm qualquer mérito legal como se comprova num relatório do Brennan Center for Justice, uma organização não partidária, que estima que os votos fraudulentos nas eleições realizadas nos últimos anos não representam mais do que 0.0025% do total. Um outra investigação, feita pela Loyola Law School, encontrou apenas 31 casos de votos com fundamento para serem anulados, entre todos os registados nas eleições efectuadas nos Estados Unidos entre 2000 e 2014.

O que se pretende é prolongar por todos os meios a contestação dos resultados até ao meio-dia de 20 de Janeiro, o que é possível devido a ambiguidades na Constituição, mas cuja 20ª Emenda é clara ao prescrever que o mandato do Presidente em exercício terminará impreterívelmente naquela data e aquela hora. Mas, chegado esse momento, se os preceitos Constitucionais não tenham sido cumpridos, Biden não poderá tomar posse e Trump continuará Presidente, com todas as vantagens, poderes e prerrogativas do cargo.


O interregno que decorre entre a eleição e a tomada de posse tem por Lei a duração de 79 dias. Nessa Lei está estipulado que na primeira Segunda-Feira, depois da segunda Quarta-Feira de Dezembro, ou seja, este ano a 14 de Dezembro, todos os 538 membros do Colégio Eleitoral, já anteriormente nomeados, reunirão nos respectivos Estados para votar no candidato que tiver reunido a maioria dos votos nesse mesmo Estado. A 3 de Dezembro, o novo Congresso saído das eleições reunirá pela primeira vez, (Senado e Câmara dos Representantes), para a 6 de Janeiro, em nova reunião plenária, nomear formalmente o candidato que, tendo conseguido o número mínimo de 270 do Colégio Eleitoral, será o novo Presidente dos Estados Unidos, e cuja tomada de posse deverá ocorrer, como se disse, a 20 de Janeiro do mesmo mês.

Mas, se estes procedimentos têm sido respeitados desde o Séc. XIX, nomeadamente que os membros do colégio eleitoral devem ser nomeados em cada Estado segundo o resultado das eleições realizadas nesse mesmo Estado, a Constituição, no seu Artº II, estipula porém que essa nomeação “possa ser feita da maneira que a Legislatura, (Estadual), entender”. Este poder, que o Estado pode “reapropriar-se do poder de nomear ele próprio os membros do seu Colégio Eleitoral”, foi recentemente reafirmada num acordão do Supremo no caso Bush v. Gore.

Tomemos o exemplo do Arizona, Estado onde Governador, Governo e Assembleia Legislativa são do Partido Republicano. Nada impede portanto que os membros do Colégio Eleitoral nomeados sejam Republicanos, que votarão em Trump, embora a eleição no Estado tenha sido ganha por Joe Biden.


Se multiplicarmos o exemplo do Arizona em todos os Estados que o Partido Republicano controla, e onde a margem da vitória dos Democratas seja mais estreita, quanto mais tempo Trump prolongar a contestação dos resultados eleitorais maiores serão as hipóteses de ver os Democratas do Colégio Eleitoral serem substituídos por Republicanos.

À medida que o dia 20 de Janeiro se aproxima a luta, por enquanto politica, torna-se mais dura e o seu palco muda-se para o Senado e para a Câmara dos Representantes. Se, como tudo indica, os Republicanos mantiverem o controlo do Senado, e os Democratas o da Câmara dos Representantes, os cenários possíveis são todos dantescos, com golpes e contra-golpes mas sempre com o mesmo desfecho: No dia 20 de Janeiro não haverá consenso sobre quem será Presidente, logo não haverá tomada de posse.

Nas ruas reinará o caos e a violência semeada pelas muitas milícias armadas de extrema-direita. Trump, que continua com os seus poderes intactos, declara a Lei Marcial , anula as eleições e a América não será mais uma Democracia.

Se o leitor achar este final demasiado terrível para ser credível, eu espero que tenha razão. Afinal os Estados Unidos não são a Rússia de Putin, o Brasil de Bolsonaro ou a Turquia de Erdogan, e um regime ditatorial seria “Bad for Business”. E alguns ténues sinais vão nesse sentido: A FoxNews e o Wall Street Journal já vão criticando Trump, sinal que Rupert Murdoch, esse magnata dos media, já vai fazendo contas à vida. Não seria uma bela Ironia se a Democracia acabasse por ser salva pelo grande capital?

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