Passaram-se 46 anos, 44 de governo autónomo. Incontáveis milhares e milhares de milhões andaram por aí, ao abrigo de um discurso político, entre outras fervorosas designações, baseado no "desenvolvimento", na "Madeira Nova" e no "povo superior". Quem tinha esperançosos vinte anos em 1974, das duas uma, ou já está aposentado ou em vias disso. Os anos correram de forma estonteante. Viram o prioritário e estrutural ser construído a par de muitas e muitas obras de natureza absolutamente secundária. E ficaram para trás. Tudo teve uma justificação: a oportunidade única dos fluxos financeiros europeus (!) e que o investimento público alavancava o sector privado gerador de emprego.
Significa isto que confrontamo-nos com uma sociedade desigual, muito assimétrica, de ricos e muito ricos, uma zona média que vive na angústia de cada mês faltar mais mês e uma extensa "paisagem" de pobres que vivem, muitos envergonhadamente (não é para menos) de mão estendida às instituições de solidariedade. Tudo isto porque confundiram, intencionalmente, crescimento com desenvolvimento. Se tivessem atentado nos princípios pelos quais se rege o desenvolvimento, a situação teria sido naturalmente outra (princípios da responsabilidade do Estado e das Regiões, da prioridade estrutural, da auto-sustentação, da transformação graduada, da continuidade funcional, da interacção, da integração, da optimização dos meios, da teleologia funcional e o da participação). E se a estes princípios tivessem considerado que o desenvolvimento assenta em três dimensões inter-relacionadas: a económica (produção e distribuição de bens; a social (condições de vida e desigualdades); e a cultural (património individual), a situação de fragilidade tenderia a esbater-se.
Em desespero vem agora o governo ensaiar soluções com a criação de uma "comissão de coordenação, responsável pela preparação da proposta de estratégia regional de inclusão social e combate à pobreza (2021/2025)" - Resolução 813/2020. Um logro, porque é desonesto. O problema não se resolve com mais uma comissão. Bastaria assumirem uma decisão política coordenada em função dos factos e das experiências de quatro décadas. Bastaria, ainda, vasculhar o Diário das Sessões da Assembleia Legislativa e tomar consciência de tudo quanto já foi equacionado, inclusive a negação da existência de um Banco Alimentar, e tomar consciência da profundidade das propostas apresentadas e, infelizmente, chumbadas. Ademais, sempre com o mesmo partido maioritário na governação, torna-se desesperante constatar que, nesta matéria tão sensível, a ideia que resta é a da ausência de ideias e, consequentemente, de respostas transversais para que a qualidade de vida não continue a ser uma miragem.
Ilustração: Google Imagens.
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