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sexta-feira, 6 de novembro de 2020

Uma comissão para a pobreza? Não brinquem com o tal "povo superior"!

 

Passaram-se 46 anos, 44 de governo autónomo. Incontáveis milhares e milhares de milhões andaram por aí, ao abrigo de um discurso político, entre outras fervorosas designações, baseado no "desenvolvimento", na "Madeira Nova" e no "povo superior". Quem tinha esperançosos vinte anos em 1974, das duas uma, ou já está aposentado ou em vias disso. Os anos correram de forma estonteante. Viram o prioritário e estrutural ser construído a par de muitas e muitas obras de natureza absolutamente secundária. E ficaram para trás. Tudo teve uma justificação: a oportunidade única dos fluxos financeiros europeus (!) e que o investimento público alavancava o sector privado gerador de emprego. 


A verdade é que esse delírio político, desequilibrado, prova-se, através de múltiplos indicadores, não gerou desenvolvimento (qualidade) mas, sobretudo, crescimento (quantidade). O tal "povo superior" (que mal isto me soa, porque a ele não pertenço), deixou-se enredar no labirinto da pobreza, na ilusão de uma felicidade cada vez mais distante e hoje, cerca de 80.000 madeirenses são pobres (cerca de 32%) dos quais, 30 a 40.000 vivem na designada pobreza persistente. Famílias que não vivem, subsistem, onde são evidentes as baixas qualificações profissionais, o insucesso escolar e o abandono do sistema educativo. 

Aliás, estes dois indicadores de 2019 parecem-me sintetizar o caminho da tragédia: "entre os 20 e os 24 anos, quase 30% dos jovens madeirenses não concluem o ensino secundário" (...) "cerca de 46% dos cidadãos sem emprego possuem habilitações inferiores ao 3.º ciclo do ensino básico".

Significa isto que confrontamo-nos com uma sociedade desigual, muito assimétrica, de ricos e muito ricos, uma zona média que vive na angústia de cada mês faltar mais mês e uma extensa "paisagem" de pobres que vivem, muitos envergonhadamente (não é para menos) de mão estendida às instituições de solidariedade. Tudo isto porque confundiram, intencionalmente, crescimento com desenvolvimento. Se tivessem atentado nos princípios pelos quais se rege o desenvolvimento, a situação teria sido naturalmente outra (princípios da responsabilidade do Estado e das Regiões, da prioridade estrutural, da auto-sustentação, da transformação graduada, da continuidade funcional, da interacção, da integração, da optimização dos meios, da teleologia funcional e o da participação). E se a estes princípios tivessem considerado que o desenvolvimento assenta em três dimensões inter-relacionadas: a económica (produção e distribuição de bens; a social (condições de vida e desigualdades); e a cultural (património individual), a situação de fragilidade tenderia a esbater-se.

Em desespero vem agora o governo ensaiar soluções com a criação de uma "comissão de coordenação, responsável pela preparação da proposta de estratégia regional de inclusão social e combate à pobreza (2021/2025)" - Resolução 813/2020. Um logro, porque é desonesto. O problema não se resolve com mais uma comissão. Bastaria assumirem uma decisão política coordenada em função dos factos e das experiências de quatro décadas. Bastaria, ainda, vasculhar o Diário das Sessões da Assembleia Legislativa e tomar consciência de tudo quanto já foi equacionado, inclusive a negação da existência de um Banco Alimentar,  e tomar consciência da profundidade das propostas apresentadas e, infelizmente, chumbadas. Ademais, sempre com o mesmo partido maioritário na governação, torna-se desesperante constatar que, nesta matéria tão sensível, a ideia que resta é a da ausência de ideias e, consequentemente, de respostas transversais para que a qualidade de vida não continue a ser uma miragem. 

Ilustração: Google Imagens.

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