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domingo, 29 de novembro de 2020

Autonomia em perigo

 

A Autonomia Político-Administrativa, porque é um processo em constante elaboração, por isso mesmo, construído peça a peça, que exige transparência, frontalidade e confiança de ambos os lados, há muitos anos que vem seguindo um caminho que corre sérios riscos. O maior dos quais o do bloqueio e até retrocesso, inclusive, em termos constitucionais. Bastará que na República, uns, assanhados, de consciência menos tolerante ou que não saibam separar os interesses do povo dos interesses partidários, resolvam travar aquilo que, por cá, parece ser um dado adquirido. Há quem tenha consciência disso, porém, o pé continua sempre no acelerador da reivindicação, da crítica mordaz, da malidicência, da ofensa e do aviltamento de personalidades. Até com os próprios do partido as coisas não são serenas. Tenha-se em consideração o que se passou, no parlamento nacional, no último debate do Orçamento do Estado. São marcas que vão sendo deixadas. O somatório poderá ser catastrófico.



Aliás, é uma falácia essa história do "contencioso das autonomias". Olhe-se para os indicadores do crescimento e para algum desenvolvimento e interroguem-se se tudo foi feito sem a República e a União Europeia? É claro que a ideia do "contencioso" vendeu, e muito boa gente continua, ainda, a acreditar que de um lado estão os bons e do outro os patifes. Todavia, hoje, tal produto, fruto da imaginação reivindicativa para esconder muitas outras fragilidades, tem poucos compradores. Porém, os vendedores não tomam consciência que esse  foi um tempo e que, hoje, não é um caminho gerador de confiança e de consecução de uma autonomia de poder mais consistente e de responsabilidades alargadas. Esta permanente prática política, obviamente, só distancia e remete os dignitários políticos para um plano secundário no espaço da negociação. 

Não é com o "chapéu na mão" e de cabeça curvada que devem agir, mas com qualidade, responsabilidade, bom senso e respeitabilidade. A via é essa, a da adultez política, ainda por cima quando a Região é pobre, assimétrica, muito dependente e com gravíssimos erros de percurso que conduziram a uma dívida, parte dela escondida, superior a seis mil milhões de euros. Ao contrário de verem em alguns representantes da Madeira músicos de uma só partitura, cansativa aos seus ouvidos, melhor seria que os representantes regionais, através da idoneidade pessoal e discursiva, os conquistassem pela simpatia e pelo mérito e sensatez das reivindicações. 

Pela via que escolheram e que teimosamente trilham, a próxima revisão constitucional (sabe-se lá quando!) pouco ou nada adiantará relativamente aos povos insulanos. Na República estão todos de pé atrás. E há tanto a debater em sede de revisão constitucional, desde logo em algumas matérias de "Reserva Absoluta de Competência Legislativa - Artigo 164º" e de "Reserva Relativa de Competância Legislativa - Artigo 165º". Em abstracto, é-me difícil aceitar o espartilho constitucional relativamente a várias matérias que deveriam se enquadrar no quadro autonómico. Entendo que, sob a bandeira portuguesa, a Nação, com os seus valores culturais comuns, pode e deve construir-se em sistemas diferenciados e articulados. E neste sentido, um país com três sistemas em quase todos os sectores é possível e desejável desde que a Pátria seja uma referência maior. Portanto, não é com tolas teimosias, azedume, ódio e bombardeamentos discursivos sem sentido que lá se chega. No caso da Madeira, o descrédito a que chegou a Assembleia Legislativa é paradigmático. Por isso, um outro caminho é desejável embora não seja fácil.

O problema é que existe uma história político-partidária que está a impedir essa possibilidade de uma alargada autonomia, uma história que aumenta o fosso por clara ausência de confiança e porque essa história está manchada por um diálogo politicamente perverso no plano externo e centrado na eleiçoeira política interna. Levará muitos anos a desconstruir a imagem criada. Só com sabedoria, idoneidade, inteligência política, respeitabilidade e profunda alteração na estrutura institucional da região, os madeirenses poderão almejar um grau de autonomia político-administrativa que garanta serem donos do seu destino enquanto povo insulano.

Ilustração: Google Imagens.

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