Uma das tarefas políticas que reputo da maior importância é a da revolução das mentalidades. Sem isso nada feito. Penso que a indiferença pela cultura é um dos primeiros problemas a resolver se não quisermos hipotecar o futuro. Recupero, por isso e a propósito, um texto que publiquei em 2006, no qual destaquei uma passagem de um artigo de opinião publicado no Expresso, imaginem, treze anos antes: "(...) o nosso espírito, o nosso moral, incultivado, está ao nível da comidinha, da roupinha mais os copos. A sociedade não se alterou em substância nos últimos dez anos. Nem nos últimos vinte. Os valores da sociedade actual são em tudo idênticos aos do marcelismo (...) há um enorme desenvolvimento do mercado mas um acentuado empobrecimento cultural. E isto não é o preço do desenvolvimento, é sim um desenvolvimento desequilibrado (...)" - José Cunha. Perigoso e rasca, digo eu. Qualquer pessoa minimamente atenta percebe a existência de uma mentalidade submissa, de crenças, de tendência para o isolamento, de desconhecimento e de arrepiante indiferença perante o que o rodeia. Jardim "dixit" e ponto final. Compaginado com o braço amigo da Igreja, que manda, com resignação, carregar a cruz, compaginado, ainda, com uma Escola fechada sobre si própria e amedrontada, que não semeia os verdadeiros conceitos de democracia, liberdade e de cidadania, uma Escola tendencialmente livresca e de manual que ensina o conhecimento para debitar num teste e logo esquercer, mas não desenvolve os princípios e os valores da condição humana, não explica o significado da expressão "ser humano", não explica a ética e a moral, as regras de conduta social, a civilidade, o sentido de responsabilidade, a pontualidade, o trabalho, o esforço, a ambição com auto-controlo, o sentido da autonomia e do inconformismo, a própria auto-estima, ora, quando a Escola e muitas e muitas famílias não educam neste sentido, no sentido das competências, da valorização e da cultura geral, obviamente que só nos podemos confrontar com uma população, no sentido político, abúlica e despersonalizada, e, no sentido social, plena de carências e frágil. É por isso que o Professor José Cunha, autor daquele excerto, sublinha que o essencial se mantém. Mudámos o aspecto exterior, cruzamo-nos com pessoas bem vestidas e calçadas, mas a mentalidade parou, sobretudo no que aos grandes valores diz respeito. O fundador do conselho ético World Future Council, Jakob von Uexküll, referiu há algum tempo: "não podemos continuar a viver como se não houvesse amanhã. Sem uma mudança de perspectiva, não poderão se alimentar as gerações futuras. Devemos assumir essa responsabilidade”. Obviamente que sim. O problema é político, é de governação e está identificado desde 1536 (Francesco Guicciardini, estadista italiano): "Sabei que quem governa ao acaso acabará por se encontrar nas mãos do acaso”. É o que está a acontecer. Por isso, sairá caro a todos nós e aos vindouros!
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