A notícia só peca por atraso. Há muito que se sabe que as pessoas, aflitas com as crescentes dificuldades da vida, discretamente, andam a vender os objectos de valor, muitos com incalculável valor afectivo. A situação agravou-se em relação ao ano passado.
Li que, junto das lojas de penhores "trazem de tudo. Ouro, prata, peças grandes e pequenas, chegam mesmo a trazer linhos e às vezes a própria roupa que trazem no corpo querem vender. É uma situação mesmo muito aflitiva". Um pouco por todo o lado é isto que está a acontecer, consequência da progressiva degradação do poder de compra, do desemprego e das responsabilidades assumidas. Aliás, dados vindos a público dão conta que a economia regional perdeu 14,8 milhões em 5 meses de pagamentos automáticos, o que significa, obviamente, uma clara acentuação das dificuldades.
Constrange-me esta situação. E constrange-me quando se sabe que as pessoas que sentem esta necessidade de se despojarem dos valores afectivos têm mais de 50 anos, são do sexo feminino e reconhecem que a venda se destina a pagar encargos, inclusive, os medicamentos que necessitam.
E perante isto diz o "inteligente" que se vive com normalidade, que as pessoas não querem é trabalhar e que os números do desemprego estão inflaccionados. Dói ouvir declarações políticas deste jaez que, no mínimo, roçam a insensibilidade social e uma claríssima ausência de conhecimento da realidade.
Li, em tempos um texto de Hélio Bacha que sublinhava que "(...) a normalidade institucional política convive hoje com as desigualdades económicas e sociais de uma maneira que muitos de nós não poderíamos prever como viável, quando lutávamos pela democratização". E é verdade. Ao ciclo da pobreza (a todos os níveis) que perdurou durante 48 anos do Estado Novo, passados 35 anos de democracia, entrámos num novo ciclo de acentuadas e preocupantes desigualdades. E isto só fica a dever-se à pobre acção dos políticos com responsabilidades governativas. Entre nós, nesta terra de espaço geográfico limitado e dependente, é curioso verficar-se que nestes 35 anos pressupostamente "democráticos", não despontou um ESTADISTA, alguém que pensasse na geração seguinte e não na eleição seguinte. Foram todos políticos, numa lógica de sobrevivência pessoal e dos amigos em redor, o que implicou sempre vencer os actos eleitorais. Pelo contrário, repensar o modelo económico, criar barreiras contra o desemprego, desenvolver o sentido de responsabilidade, apostar no rigor e na inovação, criar um sistema educativo portador de futuro, desenvolver o nível cultural das pessoas, gerar condições empresariais equilibradas em defesa do comércio tradicional enquanto principal gerador de emprego estável, enfim, essa panóplia de tarefas, entre milhares que competem à governação, não constituiu tarefa prioritária para o "inteligente".
Eu bem gostaria de saber e dominar a origem das "barras de ouro" (não as da foto!), isto é, como é que foi adquirida a riqueza acumulada de muitos da nossa praça! Terá sido à custa do suor do rosto, do trabalho, da criatividade, da inovação e do risco ou existirá muito pó que abafa as situações deixando-as translúcidas? Enquanto isto acontece, a verdade é que uns depositam na Suíça e outros contam os cêntimos. Isto revolta-me porque entendo que a VIDA, melhor, a dignidade humana deveria impor aos governos a seriedade e a honestidade que cada vez mais anda ausente.
Oxalá a pobreza não se transforme em paisagem!
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