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terça-feira, 27 de outubro de 2009

QUE SOCIEDADE ESTAMOS A CONSTRUIR!

Esta manhã produzi a seguinte intervenção na Assembleia Legislativa da Madeira, no âmbito da Declaração Política Semanal.
Senhor Presidente
Senhoras e Senhores Deputados,
Estamos no início da terceira sessão legislativa. Mais do que uma intervenção de carácter político-partidário, pretendo aqui propor aos senhores deputados um momento de reflexão. Porque esta Assembleia do Povo pode produzir leis, pode elevar a voz em altos decibéis, numa discussão técnica e política sobre as propostas apresentadas, mas há uma questão tão simples de verbalizar quanto complexa no seu conteúdo, que pode ser enquadrada na seguinte pergunta: que sociedade estamos a construir?
Trata-se, de facto, de uma questão política, mas é sobretudo uma questão de consciência individual que se repercute no plano das obrigações colectivas. Da discussão técnica e partidária que aqui acontece fica-nos muitas vezes a certeza que continua a existir uma dimensão que cada vez mais se distancia da realidade sociocultural.
Referimo-nos aos problemas que derivam da mentalidade pouca aberta ao mundo e aos direitos e obrigações individuais, aos problemas que derivam da ausência de princípios, de valores, de responsabilidade, de rigor, de disciplina e de cultura, que condicionam o desenvolvimento da sociedade. Por mais que se discutam aqui as leis que orientam a sociedade, a pergunta que subsiste, depois de trinta e três anos de Autonomia, se é esta a sociedade que o primeiro órgão de governo próprio deseja ajudar a construir e deixar aos vindouros.
Esta questão é central porque é esta Assembleia que deve marcar o rumo fiscalizando e corrigindo os actos do governo.
Todos conhecemos as razões que subjazem ao facto da Região ter crescido na obra física, por vezes monumental mas não ter, proporcionalmente, crescido na formação do Homem. As razões são múltiplas mas, em síntese, diríamos que foi substancialmente descurada a família e, por extensão, a sociedade. Deixaram correr o marfim, desde logo, por uma inabilidade e ausência de visão sobre o processo educativo. Escolarizaram mas não educaram para a responsabilidade e para a necessidade de uma aprendizagem permanente. Deixaram passar ao lado e permitiram o substancial agravamento de preocupantes bolsas de pobreza, elas próprias que enclausuram as pessoas que nelas caiem. Actuaram sob a forma de pensos rápidos, disfarçando as feridas sociais profundas, mas nunca numa atitude humanista e libertadora do Homem. Caíram nos excessos, eu diria, na cilada da obra pública, majestosa ou não, pelo que dir-se-á que foram essencialmente políticos porque pensaram na eleição seguinte, não foram estadistas porque não pensaram na geração seguinte.
E hoje somos confrontados Senhores Deputados com a necessidade de romper este círculo vicioso, para o qual há uma absoluta necessidade de coragem, determinação, vontade política, rompimento com este paradigma económico que escraviza, com esta organização social que flexibiliza sem qualquer pudor e desregula os direitos e os deveres do trabalho, o tempo de lazer e o tempo de repouso, numa avassaladora e trituradora onda que coloca o ter antes do ser, sem que o Povo perceba que está face a uma miragem.
Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados, para não irmos muito longe na análise, tenhamos presente a Escola que temos, porque é nela que criamos futuro. Esta Escola de muitas actividades, de muitas coisas, mas vazia de significado para a vida. A Escola onde o acessório tomou conta do essencial. A Escola não apelativa, livresca, de manual, repetitiva, sem alma e, por imposição, não distintiva. A Escola que se tornou remediadora social quando metade dos seus membros recebem, por via da Acção Social, as migalhas do orçamento. A Escola onde catorze estabelecimentos de ensino básico estão entre o nongentésimo lugar e o milésimo, ducentésimo, trigésimo sexto lugar entre 1292. Isto obriga-nos a uma reflexão profunda e sistémica, simplesmente porque estes resultados, constituem um indicador de insucesso, cuja factura será penosamente paga no futuro. A factura da dívida e a factura do conhecimento.
Senhores Deputados, isto tem muito de político mas sobretudo tem muito de consciência individual e colectiva sobre o que andamos aqui a fazer. A agulha do desenvolvimento tem de ser corrigida, em nome das gerações futuras, pois assiste-se a uma absoluta necessidade de um novo olhar sobre a palavra desenvolvimento jamais confundindo-a com a palavra crescimento. Há uma absoluta necessidade de um novo olhar sobre esta sociedade, hoje, genericamente despersonalizada, anestesiada, acomodada, infeliz, pobre e sem futuro. Há uma imperiosa necessidade de uma tomada de consciência que a melhor obra que os políticos poderão fazer é a da celebração do ser humano. Enquanto isso não acontecer, senhor presidente, senhoras e senhores deputados, esta Assembleia continuará a funcionar mas muito distante da eficiência, da eficácia e da responsabilidade política que nos incumbe enquanto eleitos pelo Povo. Muito obrigado.

4 comentários:

Vilhão Burro disse...

Senhor Professor
Há discursos,como o seu,que mais não são que "dar pérolas a porcos".
Para o gang, que nos desgoverna, "governando-se", há trinta e tal anos, o único valor, e regra, por que pauta a sua actuação, é a "lei da selva".
Gerações futuras?! O que é isso?!
Quem vier atrás... que feche a porta.
(Se ainda houver porta para fechar...).
Tenha um bom-dia.

André Escórcio disse...

Obrigado pelo seu comentário.
Tem razão. Ainda hoje, infelizmente, verifiquei isso através de um deputado que me questionou sobre a minha intervenção.

Anónimo disse...

esse deputado podia ser do ps...

André Escórcio disse...

Obrigado pelo seu comentário.
Não devemos fazer humor (se iso se trata) com coisas muito sérias. Eu não brinco com a EDUCAÇÃO. O sistema educativo é a base do nosso futuro colectivo.