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terça-feira, 7 de dezembro de 2010

O MEU CONTRIBUTO PARA O DEBATE



O Povo começa a perceber as palavras de Chico Buarque: "Aqui na terra tão jogando futebol; Tem muito samba, muito choro e rock'n'rool; Uns dias chove, noutros dias bate sol; Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta (...)"


Fui convidado pelo Jornalista Ricardo Soares, do Tribuna da Madeira, a pronunciar-me sobre diversos aspectos, fundamentalmente, ligados ao desporto e à Educação. Aqui fica o registo.

Era de alguma forma espectável que as considerações do PS-M em relação aos apoios concedidos ao futebol profissional acabassem por causar tanta polémica?
Há sempre polémica quando se tenta alterar o paradigma seja de que sector for. As rotinas, os maus hábitos, a ausência de pensamento estratégico, os interesses político-partidários quando são beliscados, a incultura, a falta de bom senso, o desrespeito pelos princípios do desenvolvimento, tudo isto é motivo de conflito. Só que eu acredito na teoria do conflito e da reprodução. O conflito funcional, dentro de regras civilizadas, é importante, pois através dele podemos produzir novos quadros conceptuais. Mal comparadamente tenha em atenção a retirada do gado das serras da Madeira! Houve conflito, mas tudo, tendencialmente, serenou e produziu um novo quadro. O problema é quando existe uma histórica cultura de subserviência e de dependência, uma cultura de pequenos poderes, uma cultura assente em cordões umbilicais com o poder, difíceis de cortar. Porque o futebol é ele próprio e muito mais. Aliás, é sempre difícil romper com um vício e este vem desde 1980, tem trinta anos de compromissos. Neste pressuposto, não é de estranhar que um clube tome partido quanto às eleições regionais. É o corolário dessa dependência que empurra para a necessidade de retribuir em propaganda política os milhões que recebe do erário público. Qualquer empresa ou pessoa que recebesse, de mão beijada, mais de dois milhões de euros por ano, obviamente, que não iria morder a mão de quem os proporcionou. Outra coisa para além do conflito é a ofensa, a baixeza, a ignomínia, mas isso apenas caracteriza quem assim se comporta.
Ora, o problema não está nesta ou naquela figura que defende uma orientação política, mas no governo regional cuja estratégia assenta no aproveitamento do desporto não como um meio no quadro do desenvolvimento, mas como arma política. Não condeno, por isso, os serventuários, mas quem os criou, colocando-os ao seu serviço. Não passam de extensões do próprio poder. O drama desta situação é ainda outro: é que, embora sentindo e não apadrinhando, a massa crítica existente, encolhe-se e esconde-se, fala para o lado e em voz muito baixinha e, portanto, essa ausência de consciência cívica e de assunção do pensamento livre, faz com que a voz de uns poucos se torne audível. Se outra fosse a liberdade, se não vivêssemos um regime de medo que torna as pessoas acomodadas, obviamente, que outra seria a postura de certos senhores.
Ficou surpreendido pelos ataques que lhe foram feitos por Rui Alves?
Não. Os princípios e os valores políticos, económicos, sociais e culturais são diferentes. Cada um reage em função daquilo que conceptualizou através do que leu ou do que não leu, ou, em abstracto, da sua própria leitura do Mundo. Sou avesso ao egoísmo e a jogos de falsa notoriedade. Eu defendo uma sociedade onde não haja mais direitos do que justiça social. Eu antes de pensar na bola onde damos pontapés, penso numa outra bola, na cabeça. Porque é aí que se joga o nosso futuro.
A pobreza, por exemplo, não é uma fatalidade, mas há quem assim considere e encolha os ombros. Esbatê-la ou dominá-la a caminho do bem-estar, constitui um longo processo, só possível através de um sistema educativo que vise a excelência que autonomiza as pessoas. Para isso necessário se torna investir. Portanto, a questão torna-se para mim simples: ou cem milhões para estádios ou mais e melhor sistema educativo; mais um campo de golfe ou menos pobreza; menos uma marina e mais um hospital. E por aí fora. São princípios e valores que o governo não assume, pelo que deixa a porta escancarada aos disparates cultivados na ignorância altifalante, que acaba por lhe interessar. Nessa guerra não entro.
Parece-me óbvio que um dia esta mentalidade ruirá por falta de sustentabilidade, porque somos uma Região historicamente assimétrica, com 30% de pobres, com desemprego crescente, com um tecido empresarial frágil e, neste quadro, não podemos ser nem aspirar a uma Catalunha rica. Há razões que justificam a existência do Barcelona. Nós, pelo contrário, temos fragilidades estruturais para combater e vencer e sendo o recurso financeiro sempre escasso, as opções políticas devem ser repensadas e, naturalmente, outro deve ser o caminho.
E o que fazer com o futebol profissional?
Sabe, quando ouço que os clubes dão mais ao Estado, em impostos, do que recebem, constitui uma mistificação. Que a Região vai receber o dobro relativamente ao investimento é outra mistificação. Se é assim, deixem de receber e, por isso, deixarão de pagar impostos. São frases soltas, descontextualizadas de outras variáveis que devem ser tidas em conta. São frases assassinas que se destinam a vender uma imagem. Apenas isso. É fumo. A verdade é que estão todos falidos, mesmo com substanciais apoios.
O que nós defendemos é que “os clubes desportivos participantes em competições desportivas de natureza profissional ou com praticantes que exerçam a actividade desportiva como profissão exclusiva ou principal, sujeitas ao regime jurídico contratual, não devem beneficiar, nesse âmbito, de apoios ou comparticipações financeiras por parte da Administração Regional Autónoma e das autarquias locais”. Têm de funcionar como empresas assumindo todos os riscos do mercado. É, por isso, que defendemos que a Região deve alienar as participações sociais que detém nas sociedades anónimas desportivas. A vocação e missão de um governo, já que falamos de desporto, não é a de apoiar sociedades falidas, mas a de investir, neste caso, na escola, na quantidade e na qualidade do desporto educativo escolar. Na qualidade dos nossos praticantes visando uma consequente representação externa. Faz parte da nossa auto-estima enquanto povo sermos representados ao mais alto nível. Não assim, com duzentos e tal continentais e estrangeiros a nos representarem.
Uma outra mistificação é que o futebol profissional e outras modalidades profissionalizadas constituem veículo promocional da Região. Nada de mais errado. Esta mesma ideia proliferou, recordo, aquando dos “Jogos sem Fronteiras”. Há estudos, concretamente, monografias de Licenciatura e dissertações de Mestrado, da Universidade da Madeira, que provam, em altíssima percentagem, que quem nos visita procura a tranquilidade do destino, os passeios a pé, as levadas e o ambiente social. Quando questionados, apurou-se ser insignificante os turistas que conheciam uma só equipa da Madeira. Conheciam os clubes de golfe. São estudos publicados e, portanto, basta consultá-los. Poderão alguns dizer que o futebol contribui para o pacote da imagem da Madeira no exterior. Considero que há outras formas promocionais que não passam por este canal e de resultados mais consistentes.
Portanto, o futebol profissional tem de encontrar unhas para tocar a sua guitarra. O apoio ao desporto, enquanto bem cultural, não deve esgotar-se no domínio profissional. A separação de águas é necessária até porque não há dinheiro público nem empresas capazes de o suportarem. 
Acha que o "clima" gerado por esta polémica pode ser um sintoma das dificuldades económico-financeiras pelas quais passa a sociedade madeirense?
As propostas do PS-Madeira não são de agora. Têm muitos anos. Em 2007 apresentámos um projecto de Decreto Legislativo Regional que estabelecia “O Regime da Actividade Física, do Desporto Educativo Escolar, do Desporto Federado e aprovava o Regime Jurídico de atribuição de comparticipações financeiras ao associativismo desportivo na Região Autónoma da Madeira”. Foi chumbado pelo PSD. Está, novamente, em debate, para mais um chumbo. Preocupa-me, isso sim, esta cegueira. Não porque aquele extenso documento seja uma bíblia, mas porque não se discute o paradigma. Todos sabemos que se trata de uma questão de tempo e o colapso acontecerá. Os apelos do movimento associativo, as reuniões no sentido de apelar ao pagamento dos encargos assumidos e não pagos, já com alguns anos de atraso, denunciam que este ciclo está por um fio. Repare, o sistema, por si só, não é sustentável, mas agora acrescem os gravosos sinais da crise. E chegados aqui coloca-se uma questão central: ou mudam de paradigma ou acrescentarão dívida à dívida. A saída é muito estreita pois estão em causa pessoas que estão a passar mal, empresas com sérias dificuldades, muito desemprego e, portanto, das duas, uma: ou há capacidade para estabilizar as consequências das medidas de austeridade, ou teremos conflito social mais cedo do que tarde. Porque a fome existe e não pode esperar, a caridade tem limites e porque os seis mil milhões de dívida da Região terão de ser pagos. Não há volta a dar a este processo.
Na sua opinião, os madeirenses compreendem que o Governo Regional continue a dar apoios ao futebol profissional?
Sabe, eu penso que este seria um óptimo momento para travar, ou melhor, para corrigir a agulha desta desnorteada bússola governativa. Um momento para o poder dizer: nós já fizemos a nossa parte (infra-estruturas), agora façam o favor de fazer a sua. O problema não se resolve retirando um, dois ou três milhões do Orçamento ou, então, dizendo que os apoios têm vindo, anualmente, a diminuir. Essa é areia para os olhos. O problema é de pensamento estratégico. Cortam nas margens para que tudo continue na mesma. A linha de pensamento é a mesma. A questão é, portanto, mais profunda, é de definição de objectivos, de clarificação dos âmbitos de actuação, de ter capacidade para assumir que esta Região é pobre e dependente e que o dinheiro dos impostos deve ser aplicado de forma racional e no pleno respeito pelas prioridades sociais. Um governo eleito, mesmo com maioria absoluta, não pode, à sombra de uma vitória nas urnas, assumir posições que se mostrem contrárias aos interesses do Povo. E as prioridades que estão à frente dos nossos olhos são as do emprego, as da educação e as da saúde.
Mas, atenção, não é só o futebol profissional que está errado. O esbanjamento assume foros de escândalo. Olhe para as Sociedades de Desenvolvimento e para as Empresas Públicas, todas falidas, mas com apoios anuais verdadeiramente obscenos. Repare em algumas concessões que obtêm lucros igualmente obscenos à custa do financiamento público. Olhe para uma grande parte das infra-estruturas construídas sem retorno económico-social. Olhe para uma Assembleia que não produz e leva 15 milhões. Olhe para o facto de não quererem alterar o Estatuto Político-Administrativo para que prevaleçam privilégios. E enquanto isto acontece o turismo morre, as empresas entram em falência, o desemprego e a pobreza crescem. Mas alguém, mesmo os que vivem o futebol profissional no seu dia-a-dia, defenderá que por seis a oito mil espectadores que habitualmente passam pelos estádios, se gaste milhões que tanta falta fazem a 250 mil pessoas? O Povo começa a perceber as palavras de Chico Buarque: “Aqui na terra tão jogando futebol; Tem muito samba, muito choro e rock'n'roll; Uns dias chove, noutros dias bate sol; Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta (…)”
Quais deveriam ser as reais prioridades da governação?
Diz o meu Amigo Dr. Carlos Pereira que este Orçamento regional para 2011 “é palha para engordar os propósitos eleitorais do PSD. Não resolve problemas e agrava-os ainda mais, em virtude dos avultados meios financeiros disponíveis para serem desviados para o regabofe que conhecemos”. Esta é uma síntese feliz que consubstancia o actual momento. Mas essa pergunta dá para construir um programa de governo. O que lhe posso dizer é que, desde logo, o quadro económico-financeiro e social da Região exige, por um lado, um novo paradigma económico, o emagrecimento da despesa corrente, a revisão da oportunidade de todos os projectos onde se incluem as Sociedades de Desenvolvimento, a devolução da competitividade às empresas e a diversificação da economia, a revisão de todas as concessões, desde logo a dos portos, fazer baixar as taxas aeroportuárias, a promoção do destino Madeira, um novo e profundo olhar para as questões sociais. Estas são prioridades imediatas, mas outras compaginam-se com estas.  
A Educação e a Saúde…
Indiscutivelmente. A Educação constitui um pilar fundamental. A Madeira não suporta mais esta leviandade no processo educativo. Estamos a “educar” para ontem e não para amanhã. Nós temos hoje uma educação domesticada, que não liberta, condicionadora, porque é evidente a miopia governativa. Basta olhar para os resultados e para a insatisfação dos professores e dos alunos. Há um preocupante silêncio nos professores e uma explosão nos alunos cuja escola não os consegue compreender. Há um evidente desencontro onde emerge a palavra indisciplina, mas, pergunto, alguém já se questionou sobre os seus porquês? E são muitos.
Questiona-me sobre a política de Saúde, pois, só há uma diferença com o sistema educativo. É que, na Saúde, os seus profissionais já chegaram ao grito da libertação, enquanto, na Educação, o processo ainda não atingiu esse patamar. Mas para lá caminha. Estamos numa fase, eu diria, pré-vulcânica, de contágio, de desconfortos e até de tomada de consciência. Chegará o momento da ruptura, quando as pessoas perceberem que as enganaram na educação e que lhes estão a cercear o direito à saúde. Quando as pessoas perceberem que a grande obra não foi a do ser humano, mas a outra, a do cimento, apenas com fins de perpetuação no poder, aí o julgamento político será, implacavelmente, feito. 
Quais são as suas expectativas em relação ao próximo ano?
Um ano difícil, mas pior será 2012, quando a Madeira começar a pagar as dívidas. No Orçamento para 2012 é que os madeirenses e Porto-santenses verão o sarilho no qual fomos todos envolvidos.
Ilustração: Google Imagens.

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