Tolerância zero significa que antes a tolerância era ilimitada. E o que mais me choca é que se assiste a esta impunidade, como se se pudesse, politicamente, brincar ao faz-de-conta, ao jeito de, agora é a sério, vamos lá fazer um apagão na irresponsabilidade e começar de novo!
O Vice-Presidente do Governo, a propósito de um Estudo de Avaliação do Risco de Aluviões na Ilha da Madeira, desenvolvido por especialistas do Instituto Superior Técnico (IST), da Universidade da Madeira (UMa) e do Laboratório Regional de Engenharia Civil, garantiu que, a partir de agora haverá "tolerância zero" para construções em zonas de risco. Sublinhou o governante: "(...) Sabemos que é simpático um casal com poucas possibilidades que vê a filha casar e quer acrescentar um quarto que cresce para dentro de uma ribeira, mas, nesse caso, estamos a ser simpáticos para com essa família e muito antipáticos para com todas as outras pessoas que vivem a jusante". Da mesma forma, leio no DN, que o governante sublinha, "não ser aceitável que se permita, no futuro, qualquer autorização para uma empresa ou fábrica se posicionar em zona de risco, na medida em que existem apoios para a deslocalização de empresas para parques empresariais que existem em toda a ilha".
Estas declarações, compaginadas com outras do Secretário Regional do Equipamento Social, a propósito de toda a zona do "Dolce Vita" e do aterro junto ao mar, compaginadas com as recentes posições do Presidente da Câmara do Funchal e, ainda, com as do Presidente do Governo Regional da Madeira - lembro-me de ter referido que nós temos de conviver com o risco, o que significa uma total ausência de uma cultura de segurança - aquelas declarações, dizia, parecem destinadas a um povo de ignorantes e de imbecis, de pessoas sem memória, como se elas próprias não estejam carregadas de uma enorme irresponsabilidade política relativamente aos actos de governação.
Pergunto, só agora haverá "tolerância zero"? Mas há quantos anos, tantos e tantos especialistas vêm falando do essencial das conclusões que essa douta equipa agora publicou? E o que aconteceu a essa gente que teve a coragem de dizer "alto e parem o baile" porque vamos pagar cara a ignorância e incompetência? Foram enxovalhados publicamente (e continuam), ostracizados e ofendidos até na sua honra.
Tolerância zero significa que antes a tolerância era ilimitada. E o que mais me choca é que se assiste a esta impunidade, como se se pudesse, politicamente, brincar ao faz-de-conta, ao jeito de, agora é a sério, vamos lá fazer um apagão na irresponsabilidade e começar de novo! É isto que me choca, ver uma população tão anestesiada que se torna incapaz de reagir, de assumir, oh meu amigo você canta bem mas não me adormece! Choca-me ver anos a fio a assobiar para o lado, a condescender, a tolerar e até a incentivar e, agora, quando a desgraça se abate, aqui d'el rei que temos de fazer qualquer coisa. Choca-me pelo desplante político e choca-me que nem depois de tantas mortes e de tanto prejuízo de bens e de imagem, seja possível uma série de declarações cuja ideia que fica é que se quer passar entre a chuva sem se molhar.
Equaciono este problema do ponto de vista político, no pleno respeito pelas pessoas enquanto tal. Politicamente, não aceito, até porque passei pela condicção de Vereador da Câmara do Funchal, durante doze anos e lembro-me de tudo quanto equacionei, lembro-me das declarção feitas pela Drª Violante saramago Matos, lembro-me do ficou em acta pelo Dr. Gualberto Soares ou, então, lá mais para trás, pelo Engº Arlindo Oliveira. Tenho isso presente, desde a catástrofe de 1993, e agora confronto-me com uma espécie de "perdoa-me", como se me estivessem a dizer: agora, parou, agora, a tolerância chegou ao fim. Apetece-me suspirar para não dizer uma palavra menos agradável.
Ilustração: Google Imagens.
Sem comentários:
Enviar um comentário