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domingo, 6 de março de 2016

"CONTEMPLAÇÃO, O TEMPO DO NADA"


Um excelente artigo da Drª Manuela Parente, que, desde logo, coloca em causa todo o sistema educativo e que chama à atenção para governantes, pais e encarregados de educação. Eu, assino por baixo.

"Vivemos numa sociedade híper estimulada que exige constantemente adaptações constantes e capacidade de reatualizar informação e alterar esquemas de análise e de pensamento. O que hoje parecia ser amanhã já se alterou. Para além disso, a necessidade de responder a todos os estímulos e exigências do quotidiano exige uma gestão de tarefas, onde as 24 horas são muitas vezes insuficientes para respeitar as necessidades de reposição de energia, fundamentais ao equilíbrio biopsicoemocional, proveniente dos momentos de descanso, quer em vigília quer no tempo de sono. Assim sendo, é cada vez mais frequente a necessidade dos adultos praticarem atividades de relaxamento como forma de se ausentarem da hiperestimulação externa descansando o corpo e a mente. Outros procuram em diversas atividades de lazer, a mesma abstração tentando corrigir o stress acumulado ao longo do tempo.


As crianças e os jovens resultam do mesmo sistema e começam desde bem cedo a ter que se adaptar aos mais variados estímulos, quer por necessidade das famílias quer por imposição da sociedade de consumo, onde pertencem. Passam muito pouco tempo em casa, em ambiente familiar, e quando enfim a ela chegam, continuam a ser estimulados por hábitos de abstração que, se facilitam a dinâmica das tarefas caseiras, não facilitam a sua necessidade de descanso. Entenda-se como descanso o tempo dedicado a não fazer nada, ter simplesmente a oportunidade de estar em contacto consigo com as suas sensações e emoções. Ver televisão, jogar videojogos, frequentar redes sociais, não são momentos de descanso são respostas a mais estímulos que apesar de desenvolverem competências especificas não permitem a expressão individual da capacidade de criar e refletir no abstrato. É um facto que existem atividades organizadas que ajudam e facilitam este processo mas não deixam de ser mais uma atividade somada a tantas outras que, apesar dos benefícios, continuam a roubar tempo ao tão precioso momento do nada.
Sinto o dever, pela minha profissão, no confronto com tantas crianças e jovens em sofrimento psíquico, resultante de stresses constantes, em chamar à atenção para a facilidade com que os adultos exigem dos mais novos competências que eles próprios, na sua maioria, não apresentam.
A maioria das crianças que nos chegam, cada vez com mais frequência, com rótulo de hiperativos, ou com deficit de atenção, não correspondem aos parâmetros que os colocaria no diagnóstico e que exige intervenção médica e psicológicas específicas. Estas crianças e jovens são apenas o resultado dos contextos em que se encontram usando-os algumas vezes a seu desfavor como forma de se abstraírem e descansarem no nada, digamos que são momentos de contemplação/ação fundamentais ao seu equilíbrio.
As 24 horas são igualmente curtas para as crianças e jovens que obrigados a permanecer horas em espaços fechados ou semifechados, obedecendo a regras e atividades pré-definidas, tendo em vista quase sempre uma qualquer avaliação, ficam cansados, fartos e desmotivados. Como resultado distraem-se, ou na abstração (muitas vezes confundido com deficit de atenção) ou na continuidade de uma ação permanente (muitas vezes confundido com hiperatividade).
É preciso ter muito cuidado com os diagnósticos caseiros ou elaborados em contextos educacionais próprios sem uma avaliação cuidada e precisa. Ninguém gosta de rótulos porque de facto não acrescentam nada, e não esqueçam que as crianças são muito sensíveis às características que lhes atribuem e facilmente assumem a forma como os adultos as definem.
Educar é também respeitar a personalidade de cada um e só é possível conhecer se houver espaço para observar, no tal tempo de abstração. Quando as crianças são respeitadas nas suas características particulares aprendem rapidamente a tirar partido delas usando-as a seu favor. O benefício é sistémico e o crescimento muito mais saudável. Educar também é deixar contemplar".
Ilustração: Google Imagens.
Nota: 
Artigo de Opinião,  publicado na edição de  ontem do DN Madeira.

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