Li o Despacho e, chegado ao final, exclamei: será que percebi bem? Voltei a lê-lo, com calma e sintetizei: perdoai-lhes Senhor! Este é um assunto para um longo debate e que não é pacífico, eu sei! Sobre ele já muitos escreveram e, no plano pessoal, até publiquei em livro o que fui aprendendo com vários Mestres do conhecimento e da História. Retomo, em síntese, a minha posição. A Escola visa a formação de "campeões" (entre aspas, porque é necessário contextualizar a palavra campeão), em tudo, desde as habilidades motoras a todos os outros domínios. A questão é a de saber onde começa e termina a função da escola (formativa) e, no caso do desporto, como se organiza e conjuga a interface com o movimento associativo (federado) que conduza aos resultados "de elevado mérito", expressão esta utilizada no referido Despacho. Há uma parte deste documento que é risível: "(...) Nas variadas vertentes da valorização das áreas curriculares, a articulação da política desportiva com a Escola e o reforço da educação física e da atividade desportiva, na compatibilização desta com o percurso escolar e académico, é essencial a valorização do apoio aos alunos e simultaneamente atletas de alto rendimento e/ou integrados em seleções nacionais. Por sua vez, o desporto de alto rendimento é hoje reconhecido como importante fator de desenvolvimento desportivo (...)". Sinceramente, para além de menos bem escrito, para os três Secretários de Estado que subscrevem o documento, não sei o que aquilo significa. Trata-se de uma baralhada de conceitos, em um jogo de palavras que ao tentarem dizer muito, acabam por não exprimir nada.
Mais uma bola na trave! |
Há dois caminhos que há muito se cruzam. Um que defende a manutenção da Educação Física curricular que submete os alunos a testes, níveis e notas de avaliação, como se aquela disciplina fosse comparável com as outras disciplinas curriculares. É meu entendimento que é diferente e que é na diferença que terá de buscar o seu caminho; outro, que assume uma ruptura com o passado no sentido da mudança da Educação Física para Educação Desportiva. Eu estou com a mudança. Para quem conhece a longa História das correntes filosóficas e a influência que tiveram no pensamento pedagógico, dominando, sobretudo, as razões mais substantivas desde os primórdios do Século XX até ao seu último quartel (evolução para sociedade da tecnologia e da informação), concluirá que a Educação Física deixou de fazer sentido há muitos anos! Hoje, confronta-se com uma "crise de identidade e de reconhecimento social" (relatório conduzido por K. Hardeman, da Universidade de Manchester, patrocinado pelo Conselho Internacional de Ciências do Desporto e Educação Física e suportado pelo Comité Internacional Olímpico, que teve por objectivo investigar a situação mundial da Educação Física. As respostas ao questionário, aplicado em 126 países, alertou para o facto da Educação Física se encontrar numa profunda crise de identidade e de credibilidade social). Há vários estudos sobre esta matéria. O Filósofo Manuel Sérgio disse-me um dia uma frase que, genericamente e qual metáfora, atinge o centro do alvo: "tirem a bola à Educação Física e digam-me lá o que resta". Em um artigo que publicou assumiu: “(...) nem científica nem pedagogicamente existe qualquer educação de físicos (...) que a expressão Educação Física se acha incrustada numa ambiência social onde o estudo desta matéria não é conhecido (...) e que a Educação Física deve morrer o mais rapidamente possível para surgir em seu lugar uma nova área científica que mereça dos homens de ciência credibilidade, respeito e admiração” - O DESPORTO Madeira, 27.06.03. Nem mais. Há treze anos! É, por isso, que um outro investigador e pensador e que muito tem escrito sobre este dilema, o Doutor Gustavo Pires, a 12.09.2008, em um artigo publicado também no "Desporto Madeira" salientou: "(...) Enquanto o governo, este ou outro qualquer, não tiver a coragem de desmantelar a super estrutura de concepção dos actuais programas de Educação Física do Ensino Básico e Secundário, nunca o País há-de ter um sistema desportivo minimamente aceitável e taxas de prática desportiva que não o envergonhem (...). Em um outro artigo: "(...) Defender a Educação Física é sermos capazes de encontrar soluções de acordo com as realidades do nosso tempo. Numa dinâmica de futuro. E o futuro é o ensino do desporto (...)". Em Maio de 2008 escrevi neste blogue: "(...) Trata-se, de facto, de uma luta contra um poderoso lóbi corporativista, obsoleto e medíocre, entrincheirado nas universidades e em posições estratégicas de decisão política, que não consegue entender que as respostas encontradas nos anos 30 e melhoradas a partir da década de 70 já não se adequam, por um lado, ao actual conhecimento científico, por outro, às expectativas que o desenvolvimento determinou. Daí que não me espante nem me cause qualquer embaraço que aqueles que consideram que a mudança de paradigma terá de ser operada, sejam muitas vezes visados com graves dislates os quais, penso eu, não são mais do que o estertor de quem perdeu todos os argumentos e, naturalmente, sente que os alunos, paulatinamente, os das universidades e outros de idades mais jovens, estão a lhes voltar as costas, por sentirem que há um mundo novo de possibilidades de prática que não se restringe ao espaço de uma Educação Física bafienta, repetitiva, desmotivadora e sem futuro (...)" Por tudo isto sou pela mudança de paradigma.
Ora, o problema reside exactamente aí: ou se assiste a uma mudança, ou este Despacho não passa de paleio que nada acrescentará. Se a Escola tiver por missão, entre outras, claro, a Educação Desportiva, podemos estar a falar, a prazo, de uma excelente interface com o sistema desportivo. Falar-se de "apoio ao alto rendimento na escola" sem que os pressupostos sejam alterados é como tentar resolver uma ferida grave com um penso rápido! O mister da escola, ao contrário do que é salientado no Despacho, não deve visar "o alto rendimento relacionado com um elevado cariz de seleção, rigor e exigência (...)", mas sim a EDUCAÇÃO para todos, através de uma prática que espolete, na generalidade, um compaginado interesse para a vida, de base cultural e, para alguns, a superação conducente às grandes performances. Começar a casa pelo telhado não me parece fazer sentido.
"PARTE C - EDUCAÇÃO
Gabinetes da Secretária de Estado Adjunta
e da Educação e dos Secretários de Estado
da Educação e da Juventude e do Desporto, Despacho n.º 9386-A/2016.
A implementação de um programa nacional para a inovação na aprendizagem,
adaptando o sistema educativo para padrões que melhor respondam
aos desafios da aprendizagem no século XXI, viabilizando iniciativas
mobilizadoras dos agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas é
um compromisso assumido no âmbito do programa do XXI Governo
Constitucional. Nas variadas vertentes da valorização das áreas curriculares,
a articulação da política desportiva com a Escola e o reforço
da educação física e da atividade desportiva, na compatibilização desta
com o percurso escolar e académico, é essencial a valorização do apoio
aos alunos e simultaneamente atletas de alto rendimento e/ou integrados
em seleções nacionais.
Por sua vez, o desporto de alto rendimento é hoje reconhecido como
importante fator de desenvolvimento desportivo. Para além de gozar de
um invulgar impacto no plano social, gera um interesse e entusiasmo
pelo desporto que acaba por contribuir para a generalização da prática
desportiva. O conceito de desporto de alto rendimento está relacionado
com um elevado cariz de seleção, rigor e exigência e por isso apenas
alguns dos melhores praticantes portugueses se encontram abrangidos
por este nível de prática desportiva. Efetivamente, a lei define alto
rendimento como “a prática desportiva em que os praticantes obtêm
classificações e resultados desportivos de elevado mérito, aferidos em
função dos padrões desportivos internacionais”.
O Decreto-Lei n.º 272/2009, de 1 de outubro, estabelece um conjunto
de medidas de apoio ao desenvolvimento do desporto de alto
rendimento/seleções nacionais. Neste diploma são definidas algumas
regras aplicáveis aos alunos em regime de alto rendimento/seleções
nacionais. Porém, pela experiência colhida ao longo dos anos, aquelas
medidas têm-se revelado insuficientes para colmatar todos os requisitos
necessários à prossecução dos objetivos daqueles alunos, havendo assim
necessidade de tomar outras medidas que visem melhorar e facilitar o
ambiente e percurso escolar dos mesmos.
Neste âmbito, importa relevar a experiência adquirida e o manifesto
sucesso conseguido pelo projeto pedagógico do agrupamento de escolas
de Montemor-o-Velho “Gabinete de Apoio ao Alto Rendimento”, que
constitui um exemplo que deve ser replicado noutras zonas do País,
passando a ser um projeto de âmbito e referência nacional.
Determina-se:
1 — É criado o projeto piloto denominado de “Apoio ao Alto Rendimento
na Escola”, coordenado pela Direção-Geral da Educação em
colaboração com o Instituto Português da Juventude e do Desporto,
Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares e com os agrupamentos
de escolas e escolas não agrupadas posteriormente convidados.
2 — O projeto é inserido no âmbito do desporto escolar, competindo
à Direção-Geral da Educação a coordenação, acompanhamento e a
respetiva orientação, em termos científico-pedagógicos e didáticos, nos
termos do artigo 2.º do Decreto -Lei n.º 14/2012, de 20 de janeiro.
3 — Compete à Direção -Geral dos Estabelecimentos Escolares assegurar
a implementação a nível regional do projeto, em conformidade com
a alínea e) do artigo 3.º da Portaria n.º 29/2013, de 29 de janeiro.
4 — Compete ao Instituto Português do Desporto e Juventude, I. P.,
prestar apoio técnico e financeiro ao projeto, nos termos da alínea a), do
n.º 3 do artigo 4.º e dos pontos n.º 1 e n.º 2 do artigo 20.º do Decreto -Lei
n.º 98/2011, de 21 de setembro, alterado pelo Decreto -Lei n.º 132/2014,
de 13 de setembro.
5 — Ao Grupo de Trabalho Desporto-Educação, já designado, cabe
acompanhar o projeto e apresentar as linhas orientadoras iniciais, bem
como a indicação dos agrupamentos de escolas envolvidos, meios de
avaliação do projeto, procedimentos a realizar e demais formalidades.
16 de julho de 2016. — A Secretária de Estado Adjunta e da Educação,
Alexandra Ludomila Ribeiro Fernandes Leitão. — 18 de julho
de 2016. — O Secretário de Estado da Educação, João Miguel Marques
da Costa. — 19 de julho de 2016. — O Secretário de Estado da Juventude
e do Desporto, João Paulo de Loureiro Rebelo."
Sem comentários:
Enviar um comentário