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terça-feira, 26 de julho de 2016

"APOIO AO ALTO RENDIMENTO NA ESCOLA"... SERÁ QUE PERCEBI BEM OU TRATA-SE DE MAIS UMA BOLA À TRAVE?


Li o Despacho e, chegado ao final, exclamei: será que percebi bem? Voltei a lê-lo, com calma e sintetizei: perdoai-lhes Senhor! Este é um assunto para um longo debate e que não é pacífico, eu sei! Sobre ele já muitos escreveram e, no plano pessoal, até publiquei em livro o que fui aprendendo com vários Mestres do conhecimento e da História. Retomo, em síntese, a minha posição. A Escola visa a formação de "campeões" (entre aspas, porque é necessário contextualizar a palavra campeão), em tudo, desde as habilidades motoras a todos os outros domínios. A questão é a de saber onde começa e termina a função da escola (formativa) e, no caso do desporto, como se organiza e conjuga a interface com o movimento associativo (federado) que conduza aos resultados "de elevado mérito", expressão esta utilizada no referido Despacho. Há uma parte deste documento que é risível: "(...) Nas variadas vertentes da valorização das áreas curriculares, a articulação da política desportiva com a Escola e o reforço da educação física e da atividade desportiva, na compatibilização desta com o percurso escolar e académico, é essencial a valorização do apoio aos alunos e simultaneamente atletas de alto rendimento e/ou integrados em seleções nacionais. Por sua vez, o desporto de alto rendimento é hoje reconhecido como importante fator de desenvolvimento desportivo (...)". Sinceramente, para além de menos bem escrito, para os três Secretários de Estado que subscrevem o documento, não sei o que aquilo significa. Trata-se de uma baralhada de conceitos, em um jogo de palavras que ao tentarem dizer muito, acabam por não exprimir nada.

Mais uma bola na trave!

Há dois caminhos que há muito se cruzam. Um que defende a manutenção da Educação Física curricular que submete os alunos a testes, níveis e notas de avaliação, como se aquela disciplina fosse comparável com as outras disciplinas curriculares. É meu entendimento que é diferente e que é na diferença que terá de buscar o seu caminho; outro, que assume uma ruptura com o passado no sentido da mudança da Educação Física para Educação Desportiva. Eu estou com a mudança. Para quem conhece a longa História das correntes filosóficas e a influência que tiveram no pensamento pedagógico, dominando, sobretudo, as razões mais substantivas desde os primórdios do Século XX até ao seu último quartel (evolução para sociedade da tecnologia e da informação), concluirá que a Educação Física deixou de fazer sentido há muitos anos! Hoje, confronta-se com uma "crise de identidade e de reconhecimento social" (relatório conduzido por K. Hardeman, da Universidade de Manchester, patrocinado pelo Conselho Internacional de Ciências do Desporto e Educação Física e suportado pelo Comité Internacional Olímpico, que teve por objectivo investigar a situação mundial da Educação Física. As respostas ao questionário, aplicado em 126 países, alertou para o facto da Educação Física se encontrar numa profunda crise de identidade e de credibilidade social). Há vários estudos sobre esta matéria. O Filósofo Manuel Sérgio disse-me um dia uma frase que, genericamente e qual metáfora, atinge o centro do alvo: "tirem a bola à Educação Física e digam-me lá o que resta". Em um artigo que publicou assumiu: “(...) nem científica nem pedagogicamente existe qualquer educação de físicos (...) que a expressão Educação Física se acha incrustada numa ambiência social onde o estudo desta matéria não é conhecido (...) e que a Educação Física deve morrer o mais rapidamente possível para surgir em seu lugar uma nova área científica que mereça dos homens de ciência credibilidade, respeito e admiração” - O DESPORTO Madeira, 27.06.03. Nem mais. Há treze anos! É, por isso, que um outro investigador e pensador e que muito tem escrito sobre este dilema, o Doutor Gustavo Pires, a 12.09.2008, em um artigo publicado também no "Desporto Madeira" salientou: "(...) Enquanto o governo, este ou outro qualquer, não tiver a coragem de desmantelar a super estrutura de concepção dos actuais programas de Educação Física do Ensino Básico e Secundário, nunca o País há-de ter um sistema desportivo minimamente aceitável e taxas de prática desportiva que não o envergonhem (...). Em um outro artigo: "(...) Defender a Educação Física é sermos capazes de encontrar soluções de acordo com as realidades do nosso tempo. Numa dinâmica de futuro. E o futuro é o ensino do desporto (...)". Em Maio de 2008 escrevi neste blogue: "(...) Trata-se, de facto, de uma luta contra um poderoso lóbi corporativista, obsoleto e medíocre, entrincheirado nas universidades e em posições estratégicas de decisão política, que não consegue entender que as respostas encontradas nos anos 30 e melhoradas a partir da década de 70 já não se adequam, por um lado, ao actual conhecimento científico, por outro, às expectativas que o desenvolvimento determinou. Daí que não me espante nem me cause qualquer embaraço que aqueles que consideram que a mudança de paradigma terá de ser operada, sejam muitas vezes visados com graves dislates os quais, penso eu, não são mais do que o estertor de quem perdeu todos os argumentos e, naturalmente, sente que os alunos, paulatinamente, os das universidades e outros de idades mais jovens, estão a lhes voltar as costas, por sentirem que há um mundo novo de possibilidades de prática que não se restringe ao espaço de uma Educação Física bafienta, repetitiva, desmotivadora e sem futuro (...)" Por tudo isto sou pela mudança de paradigma.
Ora, o problema reside exactamente aí: ou se assiste a uma mudança, ou este Despacho não passa de paleio que nada acrescentará. Se a Escola tiver por missão, entre outras, claro, a Educação Desportiva, podemos estar a falar, a prazo, de uma excelente interface com o sistema desportivo. Falar-se de "apoio ao alto rendimento na escola" sem que os pressupostos sejam alterados é como tentar resolver uma ferida grave com um penso rápido! O mister da escola, ao contrário do que é salientado no Despacho, não deve visar "o alto rendimento relacionado com um elevado cariz de seleção, rigor e exigência (...)", mas sim a EDUCAÇÃO para todos, através de uma prática que espolete, na generalidade, um compaginado interesse para a vida, de base cultural e, para alguns, a superação conducente às grandes performances. Começar a casa pelo telhado não me parece fazer sentido.

"PARTE C - EDUCAÇÃO 
Gabinetes da Secretária de Estado Adjunta e da Educação e dos Secretários de Estado da Educação e da Juventude e do Desporto, Despacho n.º 9386-A/2016. 
A implementação de um programa nacional para a inovação na aprendizagem, adaptando o sistema educativo para padrões que melhor respondam aos desafios da aprendizagem no século XXI, viabilizando iniciativas mobilizadoras dos agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas é um compromisso assumido no âmbito do programa do XXI Governo Constitucional. Nas variadas vertentes da valorização das áreas curriculares, a articulação da política desportiva com a Escola e o reforço da educação física e da atividade desportiva, na compatibilização desta com o percurso escolar e académico, é essencial a valorização do apoio aos alunos e simultaneamente atletas de alto rendimento e/ou integrados em seleções nacionais. Por sua vez, o desporto de alto rendimento é hoje reconhecido como importante fator de desenvolvimento desportivo. Para além de gozar de um invulgar impacto no plano social, gera um interesse e entusiasmo pelo desporto que acaba por contribuir para a generalização da prática desportiva. O conceito de desporto de alto rendimento está relacionado com um elevado cariz de seleção, rigor e exigência e por isso apenas alguns dos melhores praticantes portugueses se encontram abrangidos por este nível de prática desportiva. Efetivamente, a lei define alto rendimento como “a prática desportiva em que os praticantes obtêm classificações e resultados desportivos de elevado mérito, aferidos em função dos padrões desportivos internacionais”. 
O Decreto-Lei n.º 272/2009, de 1 de outubro, estabelece um conjunto de medidas de apoio ao desenvolvimento do desporto de alto rendimento/seleções nacionais. Neste diploma são definidas algumas regras aplicáveis aos alunos em regime de alto rendimento/seleções nacionais. Porém, pela experiência colhida ao longo dos anos, aquelas medidas têm-se revelado insuficientes para colmatar todos os requisitos necessários à prossecução dos objetivos daqueles alunos, havendo assim necessidade de tomar outras medidas que visem melhorar e facilitar o ambiente e percurso escolar dos mesmos. Neste âmbito, importa relevar a experiência adquirida e o manifesto sucesso conseguido pelo projeto pedagógico do agrupamento de escolas de Montemor-o-Velho “Gabinete de Apoio ao Alto Rendimento”, que constitui um exemplo que deve ser replicado noutras zonas do País, passando a ser um projeto de âmbito e referência nacional. Determina-se: 
1 — É criado o projeto piloto denominado de “Apoio ao Alto Rendimento na Escola”, coordenado pela Direção-Geral da Educação em colaboração com o Instituto Português da Juventude e do Desporto, Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares e com os agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas posteriormente convidados. 
2 — O projeto é inserido no âmbito do desporto escolar, competindo à Direção-Geral da Educação a coordenação, acompanhamento e a respetiva orientação, em termos científico-pedagógicos e didáticos, nos termos do artigo 2.º do Decreto -Lei n.º 14/2012, de 20 de janeiro. 
3 — Compete à Direção -Geral dos Estabelecimentos Escolares assegurar a implementação a nível regional do projeto, em conformidade com a alínea e) do artigo 3.º da Portaria n.º 29/2013, de 29 de janeiro. 
4 — Compete ao Instituto Português do Desporto e Juventude, I. P., prestar apoio técnico e financeiro ao projeto, nos termos da alínea a), do n.º 3 do artigo 4.º e dos pontos n.º 1 e n.º 2 do artigo 20.º do Decreto -Lei n.º 98/2011, de 21 de setembro, alterado pelo Decreto -Lei n.º 132/2014, de 13 de setembro. 
5 — Ao Grupo de Trabalho Desporto-Educação, já designado, cabe acompanhar o projeto e apresentar as linhas orientadoras iniciais, bem como a indicação dos agrupamentos de escolas envolvidos, meios de avaliação do projeto, procedimentos a realizar e demais formalidades. 16 de julho de 2016. — A Secretária de Estado Adjunta e da Educação, Alexandra Ludomila Ribeiro Fernandes Leitão. — 18 de julho de 2016. — O Secretário de Estado da Educação, João Miguel Marques da Costa. — 19 de julho de 2016. — O Secretário de Estado da Juventude e do Desporto, João Paulo de Loureiro Rebelo."

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