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segunda-feira, 31 de julho de 2023

A propósito de dois comentários no facebook


Caríssimo Amigo Engº Arlindo Oliveira.
Relativamente ao meu último texto, aqui publicado, li e reli o comentário que muito agradeço. Discutir e debater são dois aspectos distintos. O meu Amigo não discute (isso enquadra-se nas ninharias de café); antes debate, o que implica âmbitos de opinião mais extensos e complexos.



É evidente que o nosso País enferma de um gravíssimo problema estrutural. Não tem existido, em quem governa, nem inteligência nem coragem para ser prospectivo. Trazer o futuro ao presente, desenhando-o e planeando-o, não tem constituído, como vulgarmente se diz, "a praia dos políticos portugueses". Vamos, cronicamente, adiando e adiando, metendo pelo meio discursos que só aparentemente são sensatos. Por isso, a sensação que resta é que, em quase tudo, gostamos mais das "águas mornas", dos interesses e privilégios do que romper com o passado que possibilite traçar um caminho de sucesso. E assim, muitas vezes, o povo, manipulado, até vota contra os seus interesses. E esse caminho, o do desenvolvimento, como sabemos, leva anos, muitos anos para desenhá-lo, elaborá-lo e construi-lo com a necessária solidez. Porém, ficamos com o sentimento que as gerações passam e as múltiplas dependências e atrasos persistem. É um triste facto (ia dizer fado!) que me leva a dizer que muitos dos problemas estruturais que hoje enfrentamos têm razões intencionalmente "escondidas" a montante. É a ordem estabelecida que prevalece. Tem interessado que assim seja. Genericamente, apreciamos e engolimos mais o mediático do que interessados estamos em montar as peças interdependentes do puzzle que vise uma sociedade globalmente decente e feliz.

No sector pelo qual tantas vezes escrevo e tenho opinião (Educação), atente-se, como mero exemplo, no quadro angustiante, conceptualmente paupérrimo em função do que deveria ser uma Educação portadora de futuro, a montante e a jusante do sistema. Não existe um pensamento estrutural sobre a(s) cultura(s) que torne a prazo esta sociedade menos dependente, mais rica e, logicamente, menos assimétrica. Uma coisa é ter o direito constitucional à escolaridade, outra é perceber o que lá se faz e para que aquilo serve na vida! É, assumo, doentia a mentalidade permanentemente indigente na qual vivemos.

Portanto, Amigo, que tudo isto tem uma natureza estrutural, eu sei. O que não posso é admitir, enquanto cidadão português e europeu, que a Banca nos explore até ao tutano. Com o nosso próprio dinheiro, sublinho. E que o BCE estabeleça normas, clara e doentiamente especulativas, como se a nossa economia fosse exactamente igual à dos outros.

Enfermamos de dois males (entre muitos outros, claro): por um lado, de um pensamento estrutural, que nos poderia levar a um patamar de riqueza; por outro, do capitalismo selvagem, de bocarra larga que, ao contrário de gerar desenvolvimento (sentido qualitativo), antes provoca o empobrecimento dos cidadãos.

Por isso, regresso aos milhões da Banca, enquanto uma das partes do processo. A sensação que transporto é que, antes, entrávamos numa instituição bancária para comprar dinheiro, com interesse e respeito bilateral na negociação; hoje, entramos já com os braços no ar porque somos, claramente, assaltados e sem meios de defesa. E nem precisam de cobrir o rosto. É às claras. Até para levantar uma certa quantia do seu dinheiro o depositante tem de pagar!

Depois, Caríssimo Amigo Arlindo, pergunto, tarde ou cedo, não querem que as pessoas se revoltem, seja com coletes amarelos ou de qualquer outra cor? Obviamente que têm de se revoltar. Isto acontecerá quando descobrirem a verdadeira letra da "canção do bandido".

O problema é que quem aufere 1 620,42 € de salário diário (CL) dificilmente tem espaço mental para pensar na vida dos outros, adoptando políticas equilibradas.

Um grande abraço.

Ilustração: Google Imagens.

sexta-feira, 28 de julho de 2023

CHRISTINE LAGARDE mata a esperança



Há dias terminei um texto com uma frase que escutei de um velho Amigo, o Franklim, que, infelizmente, já partiu: "Se o Al Capone regressasse certamente diria: como é possível fazer tanto sangue sem um único tiro".



Pois é, os tempos são outros e não são necessários os tiros e o gangsterismo de ontem. Christine Lagarde, líder do Banco Central Europeu, representante da direita política europeia, não dá um tiro que seja, mas mata a esperança e os direitos de tanta gente. Sobretudo o direito à habitação. Ela (e o seu grupo que não vou designá-lo de gang), voltou a subir taxas de juro em 0,25 pontos percentuais, espremendo cada vez mais a débil vida dos portugueses. Sobretudo a dos mais jovens.

E isto passa-se numa Europa que se afirma pela solidariedade. Nem a Europa nem o Estado Português põe na ordem os bancos que desenvolvem a sua actividade em Portugal, os quais, diariamente, lucram milhões com aquelas e outras patifarias, "(...) tiveram em 2022 o melhor resultado dos últimos 15 anos. Os lucros dos bancos em Portugal dispararam 50% no ano passado, para 2,97 mil milhões de euros. Foi o melhor resultado desde a crise financeira global de 2007, de acordo com os cálculos do Banco de Portugal".

Só o BCP, no primeiro semestre de 2023, aumentou os seus lucros em 580%.

Será que ninguém está a ver o filme? Ou é a lógica de um tal banqueiro que impera: "os portugueses aguentam, aguentam..."

Ilustração: Público

quarta-feira, 26 de julho de 2023

O Verão que vai redimensionar os BRICS


Por
João Abel de Freitas, 
Economista


O caminho parece ser um alargamento equilibrado que reforce qualitativamente o seu peso no Mundo, no sentido de construir a Nova Ordem Internacional que promova uma participação mais equitativa.



Os BRICS são um grupo de cinco grandes economias emergentes, Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Com uma história ainda curta, mas a crescer de importância no tabuleiro mundial (43% da população e 32% do PIB, em paridade de poder de compra), este grupo de países, pelo seu dinamismo, vai acabar por construir uma Nova Ordem Mundial.

As expectativas para a 15ª Cimeira dos BRICS, a realizar-se entre 22 e 24 de Agosto próximo, em Joanesburgo, sob a Presidência da África do Sul, apresentam-se bastante promissoras e, em simultâneo, com algumas incertezas, sobretudo, em termos de adesões e de eventual lançamento de uma futura moeda a criar.

A Cimeira tem por tema, BRICS e África: Parceria pelo Crescimento mutuamente Acelerado, Desenvolvimento Sustentável e Multilateralismo incluso.


Das informações disponíveis, esta Cimeira tem sido alvo de uma preparação cuidada, tendo inclusivamente havido uma reunião específica dos cinco ministros dos Negócios Estrangeiros, nos dias 1 e 2 de Junho de 2023, na cidade do Cabo, que produziu um extenso comunicado de 30 pontos, a Declaração Conjunta do Cabo da Boa Esperança – Ministros das Relações Exteriores e Relações Internacionais do BRICS – Cidade do Cabo, África do Sul, 1º de Junho de 2023 (acessível na internet com esta designação).

No segundo dia, participaram cerca de dezena e meia de países, “amigos dos BRICS”. Não há espaço para, aqui, transcrever a Declaração, na íntegra. No entanto, os três primeiros pontos merecem ser relevados (versão Brasil), porque enunciam princípios estruturantes dos BRICS.

“1. Os Ministros das Relações Exteriores e Relações Internacionais do BRICS se reuniram em 1º de junho de 2023 na Cidade do Cabo, África do Sul. Os Ministros trocaram impressões sobre as principais tendências e questões globais e regionais. Reafirmaram seu compromisso de fortalecer a estrutura de cooperação do BRICS sob os três pilares da cooperação política e de segurança, econômica e financeira, e cultural e interpessoal, defendendo o espírito do BRICS com respeito e compreensão mútuos, igualdade, solidariedade, abertura, inclusão e consenso.

2. Os Ministros reiteraram o compromisso de fortalecer o multilateralismo e defender o direito internacional, inclusive os propósitos e princípios consagrados na Carta das Nações Unidas (ONU), como sua pedra angular indispensável, e o papel central da ONU em um sistema internacional no qual Estados soberanos cooperam para manter a paz e a segurança, promover o desenvolvimento sustentável, garantir a promoção e a proteção da democracia, dos direitos humanos e das liberdades fundamentais para todos e promover a cooperação baseada no espírito de solidariedade, respeito mútuo, justiça e igualdade.

3. Os Ministros expressaram preocupação com o uso de medidas coercitivas unilaterais, que são incompatíveis com os princípios da Carta da ONU e produzem efeitos negativos, notadamente no mundo em desenvolvimento. Reiteraram seu compromisso de aprimorar e melhorar a governança global, promovendo um sistema internacional e multilateral mais ágil, eficaz, eficiente, representativo e responsável”.

Alguns temas tratados a merecer destaque


A falta de apoio financeiro do mundo rico às economias emergentes ou, como agora se usa mais, do Sul Global. Neste contexto, a MNE da África do Sul, Naledi Pandor, realçou na reunião que “os recursos dos nossos parceiros mais ricos foram desviados e as agendas das nossas organizações multilaterais já não respondem às necessidades e exigências do Sul Global” que, para estes países, é, com a máxima prioridade, a erradicação da pobreza global.

O tema da pobreza é levado à discussão em vários fora internacionais, pelos BRICS e outros países do Sul Global. Para os BRICS, a multipolaridade é também outro tema fundamental. A Chefe da Diplomacia da Índia insistiu para se “enviar uma forte mensagem de que o mundo é multipolar e está a reequilibrar-se”.

A África do Sul, na qualidade de Líder da Cimeira, informou os restantes que, pelo menos 19 países da Ásia, América Latina e Europa, enviaram por escrito pedidos de adesão, referenciando que a agenda de alargamento incorpora a ideia de criação de uma moeda conjunta, apoiada no ouro. Posteriormente houve mais manifestações nesse mesmo sentido.

Aliás, este tema da moeda conjunta tem vindo a ser abordado por vários dirigentes dos BRICS e até apoiado por países conhecidos como “amigos dos BRICS”.

A ideia fundamental da eventual criação a prazo de uma moeda é romper com a dependência do dólar americano, que muito complica e limita a vida económica dos países pobres em geral, agravada em circunstâncias de aplicação de sanções económicas a que os EUA se arrogam facilmente, abusando da sua supremacia mundial.

Algumas “pequenas” machadadas têm, no entanto, sido desferidas nas transacções comerciais entre países, sem intermediação do dólar, estreitando, por conseguinte, o seu mercado, situação incentivada pelos BRICS que tem vindo a alargar-se e a crescer.

A constituição do Banco dos BRICS, de que Dilma Rousseff é presidente, veio incrementar este processo, nomeadamente agora em que países terceiros como a Arábia Saudita, Egipto e Bangladesh decidiram participar no capital do Banco.

Mas o domínio do dólar continua impedindo outra qualquer moeda de participar, segundo o peso relativo nas transações reais (comerciais e financeiras). Do equilíbrio ideal estamos muito longe. A multipolaridade é também isso, aliás, o que o euro nunca conseguiu.

Criar uma moeda conjunta, mesmo com base no ouro, não é uma tarefa tão simples. As economias de adesão à moeda conjunta terão de reunir uma série de condições específicas e ganhar confiança nos mercados. Basta pensar-se no caso do euro para apreendermos as grandes dificuldades. E as economias do euro não estavam tão longínquas entre si como as dos BRICS.

Quanto ao alargamento, ou seja, os BRICS+, é uma questão também muito debatida entre os dirigentes, mas não se conhecem ainda os critérios. Um tema delicado, onde o bom senso tem de imperar, pois há a ideia de que nem tudo está alinhado.

Para além de critérios técnicos, há pontos sensíveis, como a espacialidade. Por exemplo, a Ásia tenderá a ter um peso esmagador de países, o que deverá ser doseado. Depois, há a equacionar a representatividade e o papel dos actuais membros na sua área de influência.

Sem dúvida, o caminho parece ser um alargamento equilibrado que reforce qualitativamente o seu peso no Mundo, no sentido de construir a Nova Ordem Internacional que promova uma participação mais equitativa, conducente a uma profunda readaptação das estruturas mundiais, de forma que o Ocidente, não perdendo a quota a que tem direito (actualmente sobrevalorizada), ceda e permita ao Sul Global ter poder, de forma a lutar pelos seus direitos.

A ONU e todas as Instituições que gravitam na sua orbita têm, necessariamente, de ceder poder para que os poderes mundiais se reequilibrem e os BRICS+ conquistem o espaço político a que têm direito e merecem. Uma Nova Ordem Mundial é requerida.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

domingo, 23 de julho de 2023

A teia

 

Interrogo-me: como é possível, quase 50 anos depois de Abril de 1974, na Região Autónoma da Madeira, não ter existido qualquer alternância política? Que é legítimo, eu sei. Mas que é estranho, também o é. E na sequência desta preocupação surge-me uma outra interrogação: será, apenas, por demérito da oposição política ou muito mais se esconde para além do que é observável?



Tenho presente o essencial do guião do filme destes 47 anos de vivência alegadamente democrática, os nomes de grandes figuras madeirenses oposicionistas, figuras socialmente credíveis, muitos eloquentes, a sensatez dos seus discursos qualquer que fosse o quadrante político, tenho bem presente, grosso modo, os projectos emblemáticos em todos os sectores e áreas que apresentaram e defenderam, porém, apesar de todo esse notável esforço político, constante no "Diário das Sessões da Assembleia Legislativa", os resultados jamais possibilitaram que a maioria do povo lhes concedesse, no mínimo, o benefício da dúvida. E assim se passaram 47 anos. Regresso à pergunta: porquê? Por demérito? Não estou disso convencido, embora tenha consciência que nem sempre a oposição, por esgotamento das pessoas ou por opções menos consistentes, tivesse merecido esse tal benefício da dúvida.

O problema, portanto, parece-me ser outro, por ter raízes históricas profundas, múltiplas e entrecruzadas de uma ponta à outra do arquipélago. Paulatinamente, assisti à construção de um edifício político, labiríntico, de complexas teias de interesses, de claros favorecimentos embora sempre negados, assisti à excessiva multiplicação de instituições dependentes e interdependentes dos apoios financeiros que obrigam a silêncios cúmplices, assisti à proliferação de serviços públicos, muitos desnecessários, mas que garantiram emprego, assisti às tais designadas "obras inventadas", alicerçadas em megalomanias desproporcionais ao espaço que habitamos, servindo interesses empresariais e sobretudo políticos, mas que não serviram os princípios pelos quais se regem os princípios desenvolvimento, assisti à declaração, nada inocente, junto dos jovens, preparando o futuro partidário, que "temos de ser uma máfia boazinha", assisti à sementeiras das festas com palcos de propaganda pagos pelos próprios que assistiam sem disso darem conta, assisti, durante anos, à cumplicidade de uma certa comunicação social até à situação de hoje, legítima mas preocupante, da compra dos principais órgãos de comunicação social, pelos beneficiários directos do sistema político, assisti à perseguição de pessoas que não se reviam no discurso da maioria, assisti ao estraçalhar do primeiro órgão de governo próprio, a Assembleia Legislativa, menorizando-a e catalogando-a de "bando de loucos", assisti aos inúmeros chumbos de propostas, mais tarde recuperadas e aprovadas com o selo da maioria, assisti a declarações do tipo "com dinheiro faço inaugurações e com inaugurações ganho eleições", assisti a deliberadas ofensas públicas e à subtil colocação na prateleira de todos quantos se manifestaram contra qualquer coisita, assisti à ausência de diálogo com a República, repetidamente, batendo na tecla que o que bom é feito a nós diz respeito e tudo resto fica a dever-se àqueles malandros da República (o tal contencioso das Autonomias), assisti ao maná atribuído às autarquias da mesma cor política e ao desprezo das outras, assisti ao vergar da população através do cabaz, do subsídio, do emprego, enfim, às migalhas do que vai caindo da nobre mesa, assisti ao esconder da dívida pública de 6.3 mil milhões até ser, factualmente, desmascarada por um ministro da mesma cor política, assisti aos pactos com a Igreja Católica que alinhou e nunca teve a coragem de contextualizar a Palavra em defesa do Povo de Deus, assisti ao planeamento no adro das igrejas prometendo e assim comprando consciências, assisti à subversão dos instrumentos de planeamento, assisti à luta pela sobrevivência de milhares atirados para as margens, assisti, embora com outras designações e justificações, ao domínio do mercado por alguns, desvirtuando a sã concorrência, assisti à "quase morte" e venda ideológica da Democracia-Cristã, depois de anos e anos a combater o adversário, assisti à ausência de investigação aos subterrâneos do exercício da política e de certas fortunas "mal explicadas" como me referiu um ilustre membro da maioria, assisti ao desmesurado aumento de camas num destino onde deveria prevalecer a qualidade, assisti a atentados contra o património e o ambiente, assisti, porque tudo o que está para trás assim exigia, a um sistema educativo muito mais próximo da Sociedade Industrial do que aberto ao mundo que está aí aos olhos de todos, assisti à emigração de milhares de jovens e adultos e ao desencanto de milhares que não estudam nem trabalham, assisti tantas vezes ao incessante vaivém de carrinhas entre as residências e as assembleias de voto, eu sei lá ao que eu assisti durante estes longos anos.


Tudo isto não foi "obra" do acaso, antes foi meticulosamente arquitectado. E hoje, o mesmo partido hegemónico, com uma bengalinha, é certo, com muitos a dizerem que "não havia necessidade", comentadores, cronistas e articulistas dão-se ao luxo de, a sessenta dias das eleições, assumirem que o que está em causa é determinar qual a percentagem da vitória absolutíssima. É surreal que tal se assuma e não sei se, no panorama europeu, existe algum caso semelhante. Natural seria que, no plano da democracia sentida e vivida, a disputa, no mínimo, ao final de 47 anos, fosse de dúvida quanto ao vencedor.

O que significa tudo isto é que a sociedade foi capturada e está globalmente cristalizada. Comodamente instalada, talvez porque transporta, também, o medo por défice de cidadania, portanto, num quadro destes, fácil é que assuma que não existe alternativa! Apenas por demérito da oposição (?), volto a questionar. Não. 

Hoje é mais difícil ser oposição que ontem e ontem os tempos vividos não foram fáceis. 

A captura foi conseguida através de um processo lento, meticuloso, ardiloso, astucioso, peça por peça, bloco a bloco, consolidando os pilares e reforçando as vigas, de tal forma que os que não querem habitar esta casa, ou desistem ou vão embora. Não me parece que exista demérito, antes uma arquitectura social desvirtuada onde só na aparência é livre e democrática.

Para que não subsistam dúvidas sobre a minha leitura de todo este processo, sublinho que não ignoro que há muita obra física feita e bem realizada. Se assim não tivesse acontecido, com os milhares de milhões que foram disponibilizados "não seria um caso de política mas de polícia". O que está em causa não é isso, mas sim o esmagamento da sociedade com todas as consequências que daí advêm e advirão. Está pois por realizar a grande "obra" de emancipação do ser humano.

Dizia-me, com humor, um velho amigo: "se o Al Capone regressasse, a primeira pergunta que faria seria esta: "como é possível fazer tanto sangue sem um único tiro?".

Ilustração: Google Imagens.

domingo, 16 de julho de 2023

Peçam desculpa ao Dr. Rui Rio

 

"Isto já não é um problema de justiça. É um problema da política de Justiça", sublinhou o Dr. Francisco Assis, presidente do Conselho Económico e Social.



O que se passou com o Dr. Rui Rio, que eu tenha memória, só tem algum paralelo (político) nos tempos da ditadura. Nesse tenebroso período do Estado Novo, à socapa, invadiam, prendiam, cassavam documentação e, depois, seguia-se, em muitos casos, o calvário da prisão, a tortura selvagem e a deportação. Hoje não é assim. O processo é mais refinado. Com um aparato que bastas vezes não faz sentido, elaboram mandatos de detenção, confiscam equipamentos e enjaulam as pessoas durante alguns dias e, por vezes meses, apenas para serem ouvidos ou investigados. 

Dir-me-ão que há casos e casos! Certamente que sim. Não foi, pelo que se sabe, o caso do "assalto" à residência do Dr. Rui Rio e à sede do PSD. Um aparato que mobilizou uma centena de agentes para o esclarecimento de uma matéria, onde ninguém roubou ou colocou em causa receitas do Estado. Em síntese, o que ali está em causa foi e é o esclarecimento da Lei. Que, de todo, não compete ao Ministério Público. O mesmo já se passou na Madeira na relação entre os grupos parlamentares e os respectivos partidos. Isso deu lugar a um longo processo através das dúvidas levantadas pelo Tribunal de Contas. Quando desempenhei as funções de líder do grupo parlamentar do PS, lembro-me de ter mandado encerrar as contas abertas no Montepio, porque entendia que as receitas pertenciam ao partido e porque a contabilidade regional integrava a contabilidade nacional do PS.

Ora bem, os grupos parlamentares pertencem aos partidos. No nosso regime, sem os partidos eles não existem. As verbas destinadas a um partido e ao seu grupo parlamentar devem ser vistas sempre no pressuposto da actividade política. Se se destinam a assessores ou ao funcionamento partidário, no essencial, ao Estado, apenas o deve preocupar como é que foram aplicadas. Os desvios, as dúvidas ou mesmo os roubos é que devem estar sob a alçada da Lei. Para mim não existem zonas cinzentas, como sublinhou o Senhor Presidente da República, até porque o número fiscal é o do partido. Os grupos parlamentares não possuem NIF. Sendo assim, quanto muito, reequacionem o valor a transferir para os partidos, que deve incluir o funcionamento parlamentar, e transfiram as verbas com total transparência. Acabem com esta treta de suspeições infundadas, que fazem mergulhar na lama pessoas impolutas. Até porque não aceito, enquanto cidadão, julgamentos na praça pública.

Portanto, o espectáculo mediático que se tornou normal, com a própria comunicação social a chegar primeiro que os inspectores a casa de alguém, tem, obviamente, uma intenção que está muito para além do trabalho de investigação e de esclarecimento. O que assisti no caso do Dr. Rui Rio foi uma vergonha. As próprias declarações da Senhora Procuradora Geral da República (existem ali laivos de abuso de poder) tiveram o condão de me deixarem pasmado. Como é possível que a 10ª figura protocolar do Estado fale e nada reste! 

Finalmente, uma coisa é a independência do poder judicial; outra, as situações que transmitem a ideia de ser um poder em roda livre, de livre-arbítrio, com um estatuto intocável onde existe receio de travar ímpetos de "super juízes" que se manifestam contra a própria vivência democrática. Por outro lado é uma treta essa história "de à política o que é da política e à Justiça o que é da Justiça". Estamos numa Democracia representativa, a Lei é para todos, mas quem a define são os representantes de todos os portugueses em sede de Assembleia da República. Detesto viver numa democracia onde sobressaiam os poderes absolutos. A independência do poder judicial faz-se de forma séria, profunda, isenta, distante, rápida, acessível, discreta, de olhos vendados e com uma balança. 

No caso do Dr. Rui Rio (entre outros casos) o mínimo que lhe podem fazer é pedir desculpa face àquele modo de actuação absolutamente desproporcional e sem sentido. E bem fez gozar o espectáculo à varanda do seu apartamento, guardando para uma entrevista toda a sua repulsa.

Ilustração: Google imagens.

sábado, 15 de julho de 2023

Praia Formosa e a necessidade de um referendo

 

Segundo a Comissão Nacional de Eleições: "O Referendo é um instrumento de democracia directa, pelo qual cidadãos eleitores são chamados a pronunciar-se, por sufrágio directo e secreto, sobre questões que órgãos do poder político pretendam resolver mediante acto normativo, sobre questões concretas da competência de órgãos das autarquias locais ou da competência das respectivas assembleias legislativas regionais ou do governo regional. A Constituição consagra três grandes tipos de referendo, o de âmbito nacional, de âmbito local e o de âmbito regional (...)".



O caso da Praia Formosa é dos tais que qualquer governo de boa-fé, regional ou autárquico, devia chamar os cidadãos a pronunciarem-se sobre aquele espaço que, há tantos anos, constitui motivo de controvérsia e de avanços e recuos sobre o que dele fazer. 

A história dos apetites é longa. Até certo ponto travados, fundamentalmente, porque aquele espaço de acesso ao mar constitui o único disponível para os funchalenses. Tudo o resto foi tomado pelos investimentos turísticos ou, então, é pago. 

Segui o "Exclusivo" da TVI. De forma fundamentada ficou ali escalpelizado o complexo problema que resulta do investimento que a "Ponta de Lança - Sociedade Imobiliária, SA pretende operacionalizar. E segui, também, uma entrevista ao Dr. Paulo Prada (Dnotícias, 29 de Junho, página 5) que mais clara não podia ser: 

"Não íamos comprar um prédio sem falar com a Câmara, sem perceber o que é que a Câmara tinha previsto" (...) "estamos a fazer contratos de compra e venda de bens futuros" (...) ninguém está à espera que um madeirense médio compre ali um apartamento"

Ora bem, o que daqui se deduz é que a Câmara já deu sinal verde ao investimento milionário, embora o projecto ainda não tivesse entrado na autarquia. 

Não vou tecer comentários, porque tudo isto me parece nebuloso. Tampouco me deixo ir pela dádiva dos promotores que dizem oferecer, em contrapartida, uns milhares de metros quadrados para usufruto da população. São tantos os exemplos de promessas que depois vieram a se verificar não serem como cantaram. Por isso e por todas as razões, julgo que se justifica um REFERENDO na cidade do Funchal, deixando assim à consideração dos funchalenses se desejam ou não aquela obra. 

Trata-se de um processo onde não podem existir zonas cinzentas ou mesmo muito escuras.  

Ilustração: Google Imagens

terça-feira, 11 de julho de 2023

Senhor Presidente da Câmara: as praias e as arribas são zonas non aedificandi!

 

Uma carta do leitor assinada por Pedro Trindade, publicada na edição de ontem do Dnotícias, sob o título "Já Foste (...) Toco!", dá conta de um Podcast do Jornal Económico, onde o Presidente da Câmara do Funchal desenterra um projecto apresentado, já tem uns anos, pelo actual presidente do governo regional, na altura presidente da autarquia, o qual visava uma "monumental" obra na ainda designada praia do Toco/Lazareto. Do texto publicado reproduzo: 


"(...) nós vamos ter que olhar para a cidade, sobretudo para a zona do Toco, e hoje existe a zona do Socorro, da zona velha da cidade, e quem vai a caminho do Garajau, nós temos que desenvolver essa cidade, voltar a por em cima da mesa um projecto que foi uma realidade há uns anos atrás, que era o projecto do Toco, e desenvolver ai se calhar uma nova centralidade! De Apartamentos, se calhar uma nova Marina, se calhar uma zona de investimento turístico acentuada (....) a cidade vai ter que crescer para Este!"

Lembro-me que esse projecto surgiu na sequência do "Funchal Centrum", hoje "La Vie", onde o Arquitecto espanhol Ricardo Bofill sugeriu a implantação de duas grandes torres, do meu ponto de vista, claramente desprocionadas em função da escala do anfiteatro do Funchal. Certo é que, nas  reuniões semanais, a então Vereadora Violante Saramago Matos opôs-se com toda a firmeza, com sabedoria e convicção, escudada em opiniões técnicas de várias áreas e, claro, mais cedo do que se pensava, as torres "caíram", o projecto foi reconvertido dando lugar àquilo que hoje se conhece.

Não vou divagar sobre este assunto. Escrevi na altura devida e, em 2008, voltei a deixar um texto nestas páginas. Regressei ao tema em 2017, portanto, para mim só me resta uma leitura: o Senhor Presidente da Câmara, antes de falar deve pedir que lhe coloquem em cima da mesa a história do processo. Por isso, aqui deixo um texto de Maio de 2017:





"A Secretaria Regional do Ambiente e Recursos Naturais, dando continuidade aos objectivos definidos na Estratégia Regional para a Conservação do Património Geológico, elegeu para Maio o Toco como o geossítio do mês. A arriba litoral do Toco expõe o melhor afloramento de depósitos hidrovulcânicos provenientes de erupções hidroplinianas, pertencentes à Formação do Funchal (Complexo Vulcânico Superior – CVS2 pih). Trata-se de uma sequência composta por níveis hidrovulcânicos distais e níveis de pedra-pomes traquítica com paleossolos intercalados. No topo desta sequência, aflora uma escoada subaérea de composição basáltica que apresenta disjunção prismática bem desenvolvida e inclina suavemente para o mar."

O curioso desta situação é o facto de, em 2003, sob a presidência do Dr. Miguel Albuquerque, a Câmara Municipal do Funchal, contrariando o PDM, elaborou e apresentou um concurso público internacional para "concepção, construção e exploração da marina da praia do Toco". Para habitação e escritórios foram destinados 41.620 m2; hotelaria, 36.000 m2; comércio 16.9280 m2; lazer 4.450 m2; marina para 412 lugares; estacionamentos para 2000 lugares. Área edificada acima do solo: 99.510 m2. Área edificada abaixo do solo: 70.000 m2. A previsão de custos da obra rondava os 390 milhões de euros.

Em 2008 a proposta da Câmara era mesmo para avançar já no ano seguinte. Lembro-me de pertencer à vereação que contestou esta megalomania. A principal figura foi a Drª Violante Saramago Matos. Em acta foi deixada uma extensa nota baseada nos seguintes artigos do PDM:

Artº 86º:

1. As praias são sistemas naturais costeiros, constituídas por formas de acumulação mais ou menos extensas de areias ou cascalhos, de fraco declive, limitadas inferiormente por linhas de baixa-mar (...) representando áreas de grande sensibilidade ecológica e paisagística.

2. As praias constituem zonas non aedificandi.

Artº 87:

1. As arribas são sistemas naturais costeiros, constituídas por formas particulares de vertente costeira abrupta ou com declive forte, em regra talhadas em rochas coerentes pela acção conjunta de agentes morfogenéticos marinhos, continentais e biológicos, representando áreas de grande sensibilidade ecológica e paisagística que necessitam de ser preservados, juntamente com as suas faixas de protecção adjacentes.

2. As arribas e faixas de protecção adjacentes constituem zonas non aedificandi.

Em função desta posição "caiu o Carmo e a Trindade". Tenho presente os comentários feitos pela maioria política, cujo presidente lidera hoje o governo regional. Pois bem, passados cerca de catorze anos, a obra ainda bem que não foi concretizada. Vem agora o governo, através da Secretaria Regional do Ambiente e Recursos Naturais, eleger para Maio, o Toco, como o geossítio do mês. Fica-me a pergunta: o que pensa o Presidente do Governo desta situação em função das suas posições aquando da sua presidência da Câmara?

Pessoalmente, ignorante na matéria, não tenho a menor dúvida que todo o funchalense, ou melhor, todo o madeirense reconhece que aquela zona que se estende até ao Garajau é de um recorte lindíssimo que a natureza brindou. Olhamos e gostamos até porque identifica a cidade a leste. Mas não basta isso. Foram os técnicos, os especialistas em várias áreas, que definiram o que consta nos Artigos 86º e 87º do PDM.

Ler, ainda:

A União Europeia a esvair-se lentamente


Por
João Abel de Freitas,
Economista

Não é com burocracia, desentendimentos, sobretudo subterrâneos, como na energia em que se reconhece a nuclear como limpa e depois se boicota a legislação, que a UE avança.



1. A Comissão Europeia publicou em 2018 um plano de acção estratégico para a indústria de baterias, com o desígnio de transformar a UE, nesta matéria, numa potência mundial de primeiro nível.

Nesse plano de acção, teoricamente bem elaborado, foram enumerados seis grandes objectivos:

  • garantir o acesso às matérias-primas.
  • apoiar o fabrico de células de bateria em escala na Europa.
  • apoiar a investigação e a inovação da UE no domínio das tecnologias avançadas e revolucionárias.
  • reforçar a mão de obra e as competências da UE.
  • apoiar a sustentabilidade da indústria europeia de fabrico de células de bateria.
  • garantir a coerência do quadro facilitador e regulamentar mais abrangente.

Sem dúvida, seis grandes objectivos com potencialidades de dinamizar a indústria automóvel da União Europeia, ajustada ao cumprimento da transição energética. Mas, um desafio se impunha, criar as condições de os levar à prática, em tempo devido.

Desde então, a União Europeia (UE) aplicou em subsídios, garantias de empréstimos e ajudas de Estado, cerca de oito mil milhões de euros no sector, concentrados em três países, Alemanha, França e Itália.

A falta de visão integrada e desentendimentos provocaram um atraso pronunciado da UE face aos concorrentes de topo. Assim, a China reúne, neste momento, 76% da capacidade da produção mundial de baterias.

Os EUA são uma realidade difícil de contornar, pois é uma economia com grupos como a Tesla, com tecnologia e design muito competitivos e de grande implantação, inclusive, na Europa.

Auditoria do Tribunal de Contas Europeu/TCE

2. Uma auditoria do Tribunal de Contas Europeu sobre a evolução desta indústria consta de relatório, publicado em 19 de Junho de 2023 (como se referiu no artigo anterior).

A auditoria referencia o plano de acção como algo de muito positivo. Mas identifica a ausência de quantificação e calendarização de medidas de concretização e, sobretudo, a descoordenação entre os países. Bem mais inquietante é o alerta para as tamanhas fragilidades organizativas do negócio que lançam sérias dúvidas sobre a consistência futura da produção competitiva das baterias, peça-chave da viatura eléctrica europeia.

Três constrangimentos – aponta o relatório – afectam a produção de baterias na Europa.

O primeiro e com maior destaque liga-se ao objectivo nº1 enunciado no Plano – a garantia do acesso às matérias-primas. Sem matéria-prima assegurada, de forma regular, não há fabrico consequente.

O auditor responsável do TCE pela elaboração do relatório diz expressamente: “A UE não deve ficar numa posição de dependência com as baterias, como fez com o gás natural, pois está em causa a sua soberania económica”.

Atentemos no real significado desta mensagem.

Os países da União Europeia quase não exploram matérias-primas, no seu território, para o fabrico de baterias, ou seja, são dependentes em elevado grau da importação de um reduzido número de países, onde a exploração está concentrada.

Por exemplo, da Austrália importam 87% do lítio; da África do Sul e Gabão 80% do manganês; da República Democrática do Congo 68% do cobalto…

A Europa dispõe de recursos minerais, recentemente identificados, mas não em exploração e, se decidir explorá-los, serão necessários quinze a vinte anos para os tornar comercializáveis. Não pode, assim, a União Europeia responder à necessidade premente da procura no presente.

Mas pior. A Europa não contratualizou, oportunamente, a importação de matérias-primas que assegure a produção de baterias e, neste momento, devido à elevada procura é bem mais difícil e, segundo a Agência Internacional de Energia, a procura vai multiplicar-se por seis vezes, até 2040.

Por outro lado, as relações económico-diplomáticas com alguns deles (a maioria, por alinhamentos económicos divergentes – BRICS e eventuais “novos” BRICS), a guerra da Ucrânia, o seguimento cego das posições hostis dos EUA sobretudo para com a China, o maior produtor do mundo de terras raras, tornam a negociação e assinatura de contratos estáveis e a longo prazo uma tarefa quase impossível para a União Europeia.

Muitos são os problemas a considerar e a corrigir para quem não agiu em tempo. E, assim, como alerta o relatório do TCE, a UE acumulou muitos anos de atraso em diferentes áreas do sector.

Uma segunda questão apontada no relatório é “o desvio” real de investidores do mercado europeu para os EUA que subsidiam a produção de minerais e baterias bem como a compra de automóveis desde que fabricados com componentes produzidas no país. Para a China o problema é diferente. É sobretudo o custo mais baixo das matérias-primas e das baterias que lhe dão grande competitividade no mercado e a posição primeira no mercado mundial. Esperemos que os EUA não interfiram no eventual investimento chinês de baterias, anunciado para Sines. Não seria a primeira vez.

Um terceiro constrangimento subsiste ainda: a grande volatilidade dos preços de energia, aliados à subida das matérias-primas, para quem não tem acordos de longo prazo.

O Futuro das baterias na União Europeia

3. Os auditores do TCE avançam dois cenários.

O mais natural é a Europa não cumprir até 2035 a neutralidade carbónica que tinha decidido, através da proibição da venda de viaturas novas com motores de combustão, por não conseguir capacidade de produção interna.

O segundo cenário é a União Europeia ficar dependente de baterias e automóveis de países terceiros – meras linhas de montagem sem valor acrescentado – prejudicando, de forma irreversível, a sua indústria automóvel que, no passado, desempenhou um papel relevante na sua economia.

Os auditores entendem que a União Europeia atravessa uma fase crítica de grandes incertezas na indústria de baterias, a merecer ponderação, estando em risco o futuro do automóvel europeu.

Recomendações dos auditores

4. A equipa de auditores apresenta 5 recomendações. Todas importantes, mas ligadas a condições do financiamento. Menos uma. A recomendação estruturante é a nº1, que cito: “Atualizar o plano de ação estratégico para as baterias, com especial destaque para a garantia do acesso às matérias-primas”, até finais de 2025.

“Após a adoção, pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho, da proposta de ato legislativo sobre uma indústria de impacto zero apresentada pela Comissão, esta deve atualizar a sua estratégia para uma cadeia de valor das baterias da UE que seja sustentável e competitiva”.

Uma estratégia renovada deve:

a) refletir a evolução mundial do setor das baterias desde 2018, bem como os seus atuais desafios estratégicos, em especial o acesso às matérias-primas;

b) incluir metas quantificadas e calendarizadas para o duplo objetivo de alcançar a neutralidade climática e um setor automóvel competitivo na UE. Em especial, as metas para a produção interna de baterias devem ser coerentes com a proibição de emissões dos automóveis de passageiros e veículos comerciais ligeiros em 2035 e com o aprovisionamento de matérias-primas e de materiais avançados”.

De nada serve produzir documentos teóricos de alto nível técnico, quando não se constroem as condições para os concretizar.

Não é com burocracia, desentendimentos, sobretudo subterrâneos, como na energia em que se reconhece a nuclear como limpa e depois se boicota a legislação, as condições de financiamento, que a UE avança.

Sem uma estratégia, qualificada, séria, autónoma de cooperação, interna e externa, a União Europeia caminha para uma potência de segundo nível mundial.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

sábado, 8 de julho de 2023

Um mundo em desagregação


Por
Miguel Sousa Tavares, 
in Expresso, 
07/07/2023

Nahel pagou com a pena de morte pequenos delitos e pequeno cadastro de juventude. Tinha 17 anos, era argelino em França e conduzia sem carta de condução. Parado pela polícia e ameaçado de morte, assustou-se, deixou o carro avançar sozinho e foi executado por alguém que alguns colegas polícias consideraram um “herói”. Se fosse branco, estaria provavelmente vivo, pelo que este foi um crime de ódio racista, cometido por quem tem o dever de manter a ordem e não de fomentar a desordem.



O racismo nas forças poli­ciais e a infiltração destas pela extrema-direita, dos Estados Unidos a Portugal, é um facto e um motivo de crescente alarme.

E o que se seguiu em França — quatro noites de vandalismo juvenil à solta, de assalto orquestrado nas redes sociais aos símbolos da República e do Estado de Direito, ao comércio e à propriedade privada — já se vai tornando recorrente naquele que é um dos países mais prósperos do mundo. Se não estão na rua a incendiar carros e a lançar cocktails molotov sobre a polícia para protestar porque lhes querem aumentar a idade da reforma (que é a mais baixa do mundo), ou retirar subsídios dos tempos de abundância, tais como o “subsídio do carvão”, dado aos maquinistas de comboio no século XIX e que ainda subsistia no tempo dos TGV, ou porque a política agrícola comum já não suporta a factura dos seus agricultores, os franceses estão nas ruas simplesmente porque estão zangados. Segundo uns, porque protestar e revoltar-se está-lhes na massa do sangue; segundo outros, porque são o país mais politizado do mundo. Ou talvez — atrevo-me a pensar — porque, partindo de um lugar de prosperidade e de conforto do Estado Social ímpar no mundo, a França é o primeiro país a perceber que esses tempos estão a ficar para trás de forma definitiva. Há 30 anos, lembro-me de ter lido no “Nouvel Observateur” uma reportagem sobre a geração francesa mais feliz de sempre: a dos reformados, que então tinham 60 ou menos anos. Hoje, estamos perante a primeira geração desde o pós-guerra que, apesar da baixa natalidade, vai transmitir aos seus filhos uma vida pior do que aquela que viveu. Começa pela França, mas outros se seguirão.

O que houve de novo nestes motins foi a aliança entre os jovens adolescentes brancos, os idiotas das redes sociais, e os jovens argelinos: uma alian­ça contranatura. As sociedades afluentes da Europa escolheram renunciar aos piores trabalhos e fazer filhos para melhor gozarem a vida. Foi uma escolha com consequên­cias, a principal das quais a imigração, que se tornou vital para assegurar os trabalhos que ninguém quer fazer e a própria sustentabilidade financeira da Segurança Social. Os alemães receberam turcos, os ingleses receberam indianos e paquistaneses (os outros querem-nos recambiar para o Ruanda), os italianos e os gregos receberam à força os náufragos do Mediterrâneo, vindos de África e do Médio Oriente, Portugal recebeu os africanos dos PALOP e agora a exótica imigração do Sudoeste Asiático. Mas os franceses receberam o pior: os argelinos, a que eles chamam depreciativamente les arabes. Os argelinos de França são um factor à parte na equação. Bem pode Macron acenar com novos bairros sociais e mais escolas ou projectos de integração — jamais um argelino de França chegará a primeiro-ministro, como indianos chegaram a primeiros-ministros na Inglaterra e na Escócia. Nem os franceses deixariam nem eles próprios querem. Eles não estão em França para se integrarem, mas para a minarem, para a destruírem por dentro, para se vingarem. E para entender isto, que é tão politicamente incorrecto de dizer, é preciso conhecer a História, conhecer a Argélia e conhecer os argelinos.

A Argélia estava logo ali em baixo, à distância de uma curta travessia do Mediterrâneo, tinha petróleo, mar e um imenso e misterioso deserto: era irresistível para um poder imperial como a França. Expulsa a administração otomana, a Argélia tornou-se um departamento francês em 1848 e começou o seu povoamento com os colonos vindos de França. É fácil imaginar o arbítrio que deve ter sido ser colonizado pelos pequeno-burgueses e deserdados de França, de repente feitos senhores coloniais sob a protecção do Exército, da lei e das autoridades administrativas. Camus deixou-nos uma pequena ideia sobre isso, como Duras deixou sobre a colonização francesa na Indochina. Ambos os sonhos coloniais acabaram em guerras de guerrilha prolongadas, em derrotas humilhantes e em debandadas. Por imposição de De Gaulle, a França e os pied-noirs retiraram definitivamente da Argélia em 1962, deixando para trás 500 mil mortos argelinos na guerra e um povo que transmitiu o ódio aos franceses, de geração em geração, até aos bidonvilles, para onde depois emigrariam em França. Mas isso foi há 60 anos: tempo suficiente para a Argélia ter feito alguma coisa com a sua independência, com as lições aprendidas, com o seu petróleo. Não fez nada. É um Estado policial — não apenas no topo mas ao nível da prepotência de cada autoridade — e um povo antipático, hostil e incivilizado por natureza. Como não têm turistas nem esperam ter, desprezam e maltratam os estrangeiros, e nenhum polícia perde uma oportunidade para mostrar como estamos à mercê do seu arbítrio. Se os polacos, por exemplo, são o povo mais intratável da Europa, os argelinos são-no do Magrebe. Emigrados para França, levam tudo isso com eles, mais um desejo secular de vingança. A França tem um problema muito sério.

2 Quem melhor do que Stoltenberg para suceder a Stoltenberg à frente da NATO? Se ele, como dizem, tem feito “um excelente trabalho” como instigador da guerra, para quê mudá-lo em plena guerra? Siga a guerra, siga Stoltenberg.

Entretanto, com a maior das banalidades e perante a apatia geral, Rússia e Ucrânia acusam-se mutuamente de quererem fazer explodir a central nuclear de Zaporíjia, a maior da Europa. Do lado ucraniano, há um ano que ouvimos relatos de ataques russos à central — todavia, é detida por eles e estão lá homens seus, o que torna a acusação difícil de acreditar. E agora dizem que os russos colocaram explosivos no telhado, o único local não inspeccionado pela Agência de Energia Atómica. Os russos, por seu lado, dizem que estará iminente um ataque da Ucrânia à central. E ninguém se mexe para se interpor entre ambos e evitar uma catástrofe inominável apenas para poder acusar o outro lado da sua responsabilidade?

Jamais um argelino de França chegará a primeiro-ministro, como indianos chegaram a primeiros-ministros na Inglaterra e na Escócia. Nem os franceses deixariam nem eles próprios querem

De facto, brincamos com o fogo, brincamos com a morte de inocentes, brincamos com a guerra. Churchill, com quem alguns ignorantes e oportunistas resolveram comparar Zelensky, estava várias vezes na frente de batalha, mas também estava junto dos civis depois dos bombardeamentos aéreos dos alemães. Vemos várias vezes Zelensky a condecorar tropas e a fazer discursos marciais, mas nunca o vimos na frente de batalha nem junto dos civis bombardeados. Será que tem medo que lhe peçam a paz e não a guerra?

Do lado de lá já sabemos que temos um louco sentado em cima de um arsenal nuclear, que nos dizem que pondera usar todos os dias. Nada que nos dissuada a provocar cada vez mais o louco. Timothy Garton Ash, um dos gurus dessa estratégia da vitória sobre a Rússia até ao último ucraniano vivo, esteve em Lisboa em pregação, fazendo-se entrevistar por dois acólitos. A Teresa de Sousa disse que “foi fantástico” ter acompanhado a marcha das tropas do insano Prigozhin em direcção a Moscovo — louco por louco, preferia este. A José Manuel Fernandes explicou que a guerra só podia terminar com a recuperação da Crimeia por parte da Ucrânia, não importando o estabelecido no Tratado de Minsk. Não por razões históricas, que ele, historiador, sabe que não cabem à Ucrânia, mas porque “a Crimeia é um porta-aviões terrestre que ameaça o flanco sul da Ucrânia”. Pois, e também ameaça o da Rússia, e por isso é que Potemkine a conquistou (aos tártaros e não aos ucranianos, que lá não exis­tiam) para Catarina a Grande, no século XVIII. Mas se esta teoria da ameaça do porta-aviões terrestre fizer caminho, basta procurar no mapa-múndi e não faltarão guerras justas para os novos cruzados do Ocidente.

E enquanto já se esfregam as mãos e se alinham os candidatos ao grande negócio da reconstrução da Ucrânia, prepara-se também a ida à Justiça dos responsáveis dos crimes de guerra do lado russo — e apenas deste, pois do lado ucraniano, não obstante as “calúnias” divulgadas pela ONU ou pela Amnistia Internacional, não há, como se sabe, crimes de guerra alguns. Perante a falta de alçada do TPI, decidiu-se criar um tribunal ad-hoc, sediado em Haia, com jurisdição própria e cujos jurados serão a União Europeia e os Estados Unidos — os fornecedores de armas à Ucrânia — e a própria Ucrânia, uma das partes beligerantes. Antecipam-se resultados mais rápidos do que os daquela comissão que há longos meses investiga em vão quem serão os responsáveis pela sabotagem dos Nordstream — um acto de terrorismo cometido contra estruturas civis, fora do teatro de guerra e em águas territoriais de um país da UE. Quando o direito à justiça, à informação e à verdade sobre todos os factos se submete preventivamente a um juízo sobre o que deve ser contado e feito, por melhores que sejam as razões invocadas, não há razão que se aguente.

Miguel Sousa Tavares escreve de acordo com a antiga ortografia

quarta-feira, 5 de julho de 2023

JMJ: Façamos Festa


Por 
Nicolas Fernandez
Jornalista.


A Catarina, numa mensagem, faz saber que não aguenta mais. Tem mestrado e fome. Fome! O senhorio deu-lhe dois meses para abandonar o pequeno apartamento onde vive. A ela e a todos os inquilinos do prédio.



A Cecília arrisca entregar ao banco o apartamento onde mora com o filho. A prestação come quase tudo do seu ordenado quase mínimo. Estas mulheres vivem na Madeira, a região com a taxa de risco de pobreza mais elevada do país, quase 26%. Poderíamos também falar das guerras, da problemática dos refugiados, dos migrantes, do clima, do aumento do custo de vida, da precariedade laboral, etc.

Perguntar-me-ão o que tem isto a ver com as JMJ (Jornada Mundial da Juventude)? Sendo a Jornada um momento de festa, de experiência de catolicidade, no sentido de abertura ao universal, sabendo igualmente que há um antes, um durante e um depois muito importantes, o problema coloca-se quando nem todos podem fazer festa. O Papa Francisco, através de gestos e da palavra, não se cansa de alertar.

Ainda recentemente com 200 artistas, na Capela Sistina, pediu para não se pôr um silenciador a quem vive na pobreza. Conforme diz “vivemos um momento histórico que não favorece a atenção aos mais pobres. O volume sonoro do apelo ao bem-estar é cada vez mais alto enquanto se põe o silenciador relativamente às vozes de quem vive na pobreza… A arte e a fé não podem deixar as coisas como estão”. Francisco tem pedido, especialmente aos jovens, um compromisso efetivo na transformação deste mundo desigual e ameaçado. E até sugere gestos como “antes das jornadas vão visitar os avós”.


Esta Jornada não se pode reduzir a um fogo-de-artifício bonito, mas inconsequente, a um momento festivo onde, no alto da montanha do encontro, apetece montar as tendas e ficar. Ninguém descura a importância dessa vivência e dos preparativos igualmente cheios de advento que as precederam. Mas tem de haver uma sequência ou consequências. Caso contrário correria o risco de ser apenas mais uma missa, especial é certo, porque partilhada por muitos milhares de jovens oriundos de várias latitudes, mas mais uma. É o próprio Papa que lembra que “a Eucaristia impele-nos a um amor fortemente comprometido com o próximo, porque não podemos realmente entender e viver o seu significado se mantivermos os nossos corações fechados para os nossos irmãos e irmãs, especialmente por aqueles que são pobres, sofredores, exaustos ou perdidos na vida”.

Esta Jornada Mundial da Juventude exige, por isso, um compromisso, uma atenção redobrada a esse mesmo mundo, um novo olhar portador de esperança, um apelo à transformação. Já no século passado o teólogo Ives Congar alertava: a uma religião sem mundo, segue-se um mundo sem religião. A este espírito transformador não basta amadorismos ou boas intenções. A complexidade e diversidade das matérias, da vida e da história exigem estudo, partilha e dedicação. Diria que passa até por um compromisso político, que não se esgota, mas também pode ser partidário. Para que a festa seja possível.

terça-feira, 4 de julho de 2023

A insensibilidade de Christine Lagarde


Não gosto de olhar para a folha de salários dos outros. Mas, quando alguns desses outros criam situações que colocam em causa a vida de todos os outros, aí, forçosamente, espreito a insensibilidade, pública e notória, entre aquilo que impõem, gerador de pobreza, e o seu próprio bem-estar. Todas as mais altas funções de responsabilidade devem ser pagas de forma condizente. Não ponho em causa esse aspecto. O que ofende é a exigência de baixos salários, a negação de subsídios que atenuem as dificuldades dos portugueses e os astronómicos lucros da banca alimentados pelos depositantes, esquecendo-se da sua própria folha salarial (2023):



Presidente - the European Central Bank
Data de nascimento: 1956 França
Anual: 421 308,00 €
Mensal: 35 109,00 €
Semanal: 8 102,08 €
Diariamente: 1 620,42 €
Fonte: Wikipedia.

A advogada Christine Lagarde ganha em um só ano o equivalente a 40 anos de trabalho de um trabalhador que aufira € 760,00 por mês. No mínimo chamo a isto INSENSIBILIDADE e falta de respeito pelos outros. "É a vida", diz Lagarde.

"Só em 2022, o BCE desembolsou um total de 3,241 milhões de euros em salários de executivos. Desses, 427 mil euros seguiram para Christine Lagarde, um valor superior ao de 2021 (421 mil euros) e ao de 2020 (416 mil euros), primeiro ano completo de liderança". Fonte: Poligrafosapo.
Por mim ganhe o que quiser, mas não ofenda os portugueses.

Ilustração: Google Imagens