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quarta-feira, 17 de junho de 2009

OBSERVATÓRIO DA VIOLÊNCIA ESCOLAR

O CDS/PP apresentou, esta manhã, um projecto que visava a criação de "Um observatório da violência escolar". Na circunstância produzi a seguinte intervenção:
Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,
Este não é assunto novo. Por proposta do CDS/PP este tema já aqui foi motivo de debate perante uma clara indiferença da maioria parlamentar. Mas vale a pena regressar a este assunto. E vale a pena por dois motivos: desde logo porque ele compagina-se com a proposta aqui apresentada sobre o Estatuto do Aluno e que não teve a concordância do CDS/PP; por outro, porque, permita-me Senhor Deputado e Amigo José Manuel Rodrigues que, humildemente, esclareça melhor a sua bancada se, porventura, a minha intervenção sobre o Estatuto do Aluno não foi suficientemente clara.
Senhores Deputados, o ambiente social da escola, antes considerado como espaço se socialização, espaço protegido, privilegiado e seguro, deixou de ter essa característica um pouco por todo o lado. Mas também parece-me normal que pela ausência de pro-actividade relativamente aos fenómenos, a indisciplina e a violência tivessem chegado à Escola. Foi uma questão de tempo. De resto, a violência sempre existiu. Surpreendente e preocupante é o facto de, nos últimos tempos, ela ter passado a se manifestar nos estabelecimentos de ensino.
De uma forma crescente e embora com particularidades próprias, aquilo que é sensível mostra que, na Madeira, já há muito sofrimento nas vítimas consequência das atitudes a que são submetidas. Por isso mesmo, coloca-se a urgência de se abrir uma nova frente de trabalho, dizem vários investigadores, para melhor estudar os factos, não com punhos de renda, mas através de uma actuação que assegure um bem inestimável à paz e ao desenvolvimento: a escolaridade e a educação sem sobressaltos.
Senhores Deputados, relembro aqui uma passagem de uma minha intervenção quando este projecto esteve aqui em debate:
“Há que diferenciar dois conceitos: indisciplina é uma coisa; violência é outra. Os actos de indisciplina estão ligados à infracção de regras que a escola estabelece bem como os conflitos entre alunos, auxiliares de acção educativa e até as atitudes de obstrução ao trabalho dos professores; já a violência tem outros contornos, tem a ver com agressões, roubos, opressão sobre o outro, humilhação e até destruição dos espaços e equipamentos.
A violência é muito preocupante; a indisciplina tem outra configuração pois até pode enquadrar-se no âmbito da irreverência própria da idade.
É necessário separar estes conceitos para que saibamos do que estamos a falar. E neste aspecto da indisciplina e da violência, a Madeira não está imune. Pelo contrário. Os casos não se resumem a dois, conforme, infelizmente, sublinhou, em tempos, o Senhor Secretário Regional da Educação. Trata-se de uma falsa estatística do governo ou então, tal como aconteceu com a toxicodependência, nos anos 90, o discurso político, primeiro negou, para depois deitar as mãos à cabeça e com soluções tardias e inconsequentes. Basta conhecer as escolas e ser docente para verificar que todos os dias os conselhos executivos, para além do trabalho normal de gestão e administração, têm de atender a casos de indisciplina e de violência.
Este é, portanto, um tema que deveria ser assumido com uma grande preocupação por parte do governo. E não foi e não está a ser acompanhado com a devida responsabilidade.
Quando, Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados, insisto, dispomos de uma rede escolar com estabelecimentos de ensino maximizados, com 1000, 1500 e mais de 2000 alunos, mais de 7.200 professores por aí distribuídos, administrativos e auxiliares de educação, quando as escolas se tornaram, pela ausência de um verdadeiro e actual conceito de Escola, espaços impessoais e sem alma, quando a sociedade está profundamente doente e fragilizada a Escola não poderá estar melhor.
A Escola é hoje a consequência dos erros estratégicos da política social e de educação, mormente ao nível da tipologia dos edifícios, do número de alunos por cada estabelecimento e do número de alunos por turma, é a consequência da sua própria organização interna, da infernal burocracia e, sobretudo de uma sociedade desequilibrada, marcada pela pobreza e onde faltam verdadeiras e consequentes políticas de família.
Quando isto acontece, dizem os relatórios da UNESCO não há espaço nem tempo para pensar como “lidar e evitar os comportamentos anti-sociais dos alunos” e como “promover comportamentos pró-sociais entre os alunos”. É a montante que temos de actuar.
Mas atenção: não se trata de gerar uma espécie de “totalitarismo brando”, que não abre espaço para as diferenças, para a liberdade por imposição de um modelo único de comportamentos aceitáveis. Não é isso que está em causa. Mas está em causa a promoção das “boas práticas”, a assunção de responsabilidades e de novas mentalidades compaginadas com novos paradigmas de inovação pedagógica que responda aos desafios da nova sociedade.
É por isso, Senhores Deputados, que a Escola é hoje consequência também de uma formação inicial de docentes que terá de ser revista, porque os professores deverão possuir formação, e não têm, para actuar em ambientes que não são apenas de transmissão de conhecimentos. Eles são formados para a normalidade e não para aquilo que a Escola realmente é.
A Escola é hoje, também, consequência de atirarem para a sua responsabilidade missões e tarefas que não lhe competem, é a consequência de planos curriculares e programáticos desajustados da realidade, é a consequência de, ao querer responder a todas as solicitações externas à sua vocação e missão, acaba por não responder eficazmente a nada. A escola é hoje a consequência de políticas que a tornaram remediadora social, é a consequência, finalmente, de não haver uma ideia central e integrada que consubstancie o caminho de sucesso pelo qual nos devemos guiar.
Edgar Morin esteve em Portugal. Ele defendeu uma mudança radical do ensino. É ele que questiona e lamenta, a par de muitos outros livres-pensadores, que a "condição humana esteja totalmente ausente do ensino” e, neste pressuposto perguntou: “o que significa ser humano?”. As crianças não estão a ser ensinadas", disse Edgar Morin.
Neste pressuposto, e olhando para a política regional, o diálogo entre o gato e a Alice no País das Maravilhas ou na Região das Maravilhas, julgo poder ser trazido à colação: para quem não sabe para onde vai qualquer caminho serve. É isto que está a acontecer. Há um desnorte na política educativa, pelo que o acumular de erros ao longo dos anos está a gerar uma situação em que o governo denuncia não saber qual o melhor caminho para solucionar os problemas.
E como não consegue descortinar o caminho, pois bem, segue a solução mais fácil para a indisciplina e para a violência: contratualiza empresas privadas de segurança, coloca equipamentos de videovigilância, cria o cartão electrónico e, sabe-se lá, mais tarde, perante a gravidade dos problemas, senão colocará nas escolas um qualquer equipamento de detecção de metais. É o que está em curso, Senhores Deputados.
Tudo porque não há coragem de ir ao fundo das questões. Só que essas opções não atenuarão o problema, e na sequência do que aqui foi dito aquando do debate sobre o Estatuto do Aluno, Senhor Deputado e Amigo José Manuel Rodrigues, a punição pela punição, a expulsão pela expulsão apenas aliviará o pau nas costas do Secretário.
O problema de fundo permanecerá, enquanto não decidirmos sobre uma actuação na génese dos problemas, tendencialmente, a Região confrontar-se-á, por um lado, com a indisciplina, com essa incivilidade, isto é, com os relacionamentos ofensivos, com as linguagens agressivas, a atmosfera hostil e a humilhação, por outro, com a violência cujos sinais estão aí de forma crescente e preocupante.
Senhores Deputados não sou portador de uma visão inflacionista da violência mas há na Madeira, inegavelmente, aquilo que posso designar por uma micro-violência em aceleração constante. A solução destes problemas encontra-se no combate na génese dos mesmos, está no que dissemos, repito, na organização escolar, no número de alunos por cada estabelecimento de ensino, tornando mais fácil o controlo, está no apelativo conforto das escolas, na aceitação das regras de conduta e na co-responsabilização e, em alguns casos, na criminalização dos pais e encarregados de educação quando esse for o caso.
Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,
Nunca me ouviram falar de facilitismo. Falo de rigor, de disciplina, de qualidade e de excelência do sistema educativo. O que procuro é demonstrar que o sistema não se resolve com pensos rápidos porque a inflamação é profunda e necessita de outro tipo de cuidados.
Volto aqui a sublinhar o que disse o Professor Lemos Damião: “(…) Urge aprendermos com o que se ensaiou na Europa e nos Estados Unidos e concluirmos que o problema não é de conjuntura mas de fundo. Afigura-se-nos indispensável a criação de um observatório especializado que forneça informação tratada aos decisores” – concluiu o Professor.
Só através do estudo, da monitorização dos factos, da existência de um banco de dados, com muita formação e com políticas integradas poderemos isolar o que é relevante e entendível como elementos causadores de perturbação.
Não aceitar esta indicação de quem estudou estes problemas, não querer aceitar que o problema da indisciplina e da violência está em crescendo, que se trata de uma situação que está a gerar graves incómodos na gestão do espaço da sala de aula, que há professores agastados e que sofrem com as atitudes de muitos alunos, continuar a pensar, romanticamente, que a escola funciona porque há edifícios, alunos, professores e outros funcionários, desresponsabilizando-se pelo que lá acontece, se há sucesso ou não, se há projecto educativo ou não, se se educa ou não, tudo isto corresponde a uma política que não tem em devida conta as múltiplas variáveis da Escola e do sistema educativo.
Senhor Presidente, eu sei, minimamente, do que vos falo. Tenho a vivência da escola, das reuniões de conselho pedagógico, das reuniões de grupo, das reuniões de conselho de turma por motivos disciplinares, dos projectos em que me envolvi. Não estou a falar de cor, falo com o conhecimento da realidade.
Mas há mais. Era bom que todos tivéssemos consciência que a sociedade que se teima em construir é uma sociedade violenta em todos os aspectos. É a sociedade do ter antes do ser, é a sociedade da competição feroz, é a sociedade que não valoriza o saber, o papel da escola e dos professores, é a sociedade que se aproveita da Escola para festas e rituais de propaganda que pouco têm a ver com a Educação, é a sociedade de muitas famílias atoladas na miséria, nas dependências e nos ambientes de maus tratos. Uma parcela da sociedade obviamente que escapa, mas muitos são empurrados para os comportamentos inapropriados.
Daí que se possa dizer que a indisciplina e a violência na escola são uma emanação da sociedade.
A Escola não constitui uma ilha na sociedade. Portanto, a indisciplina e a micro violência, têm implicações profundas e essas residem nos princípios e valores da organização social e nas políticas globais e sectoriais promovidas pelo governo.
As iniciativas do governo e da escola nesta matéria têm sido incipientes pois não têm ajudado os jovens a “terem consciência das suas sensações, sentimentos e necessidades; não têm desenvolvido a consciência dos seus talentos e a confiança na capacidade de usá-los; não têm incentivado o respeito próprio e o respeito pelos demais; a escola não tem ensinado a tolerância, a capacidade de comunicação e as maneiras de lidar com conflitos”. Isto mesmo salienta recentes estudos da UNESCO.
Por tudo isto, porque entendemos que alguma coisa terá de ser feita, apoiamos sem reservas esta iniciativa do CDS/PP na convicção que este é um passo importantíssimo para compreendermos as causas, a dimensão do problema e as possíveis soluções. Esperamos que todas as bancadas se unam, finalmente, às finalidades que este projecto do CDS/PP contempla, pois ele traz no seu âmago o essencial para que, Senhor Deputado e Amigo José Manuel Rodrigues, não tenham de continuar a expulsar alunos engrossando a fila dos condenados desta sociedade.

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