A ronda começou pelo Porto Moniz, saltou para S. Vicente e vai andar por aí. O estilo é sempre o mesmo, tipo carro "Volta à Ilha", cheio de publicidade, altifalante e de pechisbeques no seu interior. Os menos jovens lembram-se, certamente, dessa venda ambulante, de luta pela vidinha. Da volta à ilha política, a forma e o conteúdo são semelhantes, com slogans previsíveis e repetitivos. Há muita banha da cobra espalhada e comunicada, em altos decibéis, a olear as hostes. Nas duas primeiras sessões de catarse não ouvi referidos e equacionados nem um problema político, social, económico e cultural daquelas bandas, muito menos da Madeira Nova. O disco, velho vinil, riscado, com alguns saltos pelo meio que até a agulha se arrepia, continua a ser o mesmo. Forte e feio no Sócrates, coitado, como se ele fosse o culpado pelos desmandos e pelas asfixiantes dívidas que por aí andam a somar há trinta anos, como se fosse culpado do Senhorio ser um inveterado jogador na bolsa dos contribuintes, de ter sido o culpado pela perda de 500 milhões nas transferências da União Europeia, pela ineficiência e ineficácia do sistema autonómico e pelo último lugar que a Madeira ocupa na estatística dos índices de conforto da população. É o robot no seu melhor, programado para excluir a palavra crise e todas as propostas para tempos difíceis, nos planos fiscal, empresarial, da educação e assuntos sociais. O robot só debita Sócrates, mais Sócrates e sovas eleitorais, sempre numa linguagem belicista e de cheiro a pólvora tão ao seu gosto. Pouco mais do que isso a maquineta consegue debitar trinta e três anos depois. Efeitos que a idade não perdoa.
Percebo o princípio norteador. As eleições estão ao virar da esquina e há que marcar o ritmo da campanha. E num povo com níveis culturais baixos e de alta iliteracia, o melhor é repetir a música até à exaustão e forçar o refrão: nós ou a desgraça. O que, por outro lado, dá a entender que o cançonetista está longe da aposentação. Mostra-se insaciável. O tempo de poder não lhe chega. Quer mais e mais. O palco inebria-o e a forma como nele desliza, com notas alucinantes, trazem-me à memória essa notável novela brasileira, onde Zeca Diabo, de longo e poluente charuto, de mão fechada e com um pulso cheio de ouro, chocalhava-o frente aos olhos dos demais, numa demonstração de poder absoluto, repetindo perante as adversidades: "tô certo ou tô errado?" Em aproximação, neste reality-show político da vida madeirense, os comensais, alguns com reticências, agitando a bandeira entre um copo de vinho e um naco de carne, gritam em coro: está certo, Coronel!
Há, nesta farsa, uma monumental fraude governativa. E muitos sabem que assim é. A ocultação da realidade económica, do desemprego, da pobreza, do extenso rol da dívida pública e social, os desmandos de senhores que põem e dispõem, bem ao jeito da nova vaga cacique, o silêncio à negação de uns míseros € 50,00 aos pensionistas, os problemas sociais e culturais, enfim, tudo é varrido para debaixo do tapete, através de uma matriz discursiva associada ao tipo e tom da comunicação que inculca medo nas pessoas.
Tudo isto conduz, inevitavelmente, ao reforço de uma sociedade de pensamento castrado, que abdica do direito à indignação, estupidificada e subjugada à normal anormalidade, que aceita a segregação social ao som e jeito do baile pesado, que sofre no plano empresarial mas que se resigna, que tolera a pobreza como fatalidade e tudo desculpa e permite, tal qual, em outros tempos, o colono ditava a regra. Receio pelos tempos vindouros. Isto acaba mal.
Nota:
Artigo de opinião, da minha autoria, publicado na edição de hoje do DN-Madeira.
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