Recebi dois comentários a propósito do meu último texto sobre política educativa. Desde já, aos respectivos comentadores (Desmancha-Prazeres e Vico D´Aubignac) o meu mais vivo agradecimento pelas profundas análises feitas. É nestes momentos que sinto que vale a pena, apesar de todos os constrangimentos, debater os diversos quadros políticos, sociais e culturais. Porque não há verdades absolutas e porque, dissiminados pela vasta plateia de cidadãos, há tanta gente sectorialmente bem informada e capaz de trazer, neste caso, para o centro das preocupações educativas, outros pontos de vista que não são tão colaterais como à partida poderão parecer. Por isso, sinceramente, muito obrigado.
Não em jeito de resposta mas de continuidade ao que então escrevi, começo por referir que não sou um cego corporativista desatento à realidade prática. Em toda a minha vida de participação política apenas estive cinco anos e pouco fora da escola. Conheço a realidade, sustentada, também, nas leituras que, humildemente, vou fazendo e cruzando. Foi por isso que escrevi, neste processo que envolve professores vs políticos "(...) há necessidade de corrigir muitos processos e comportamentos ao nível da docência (...) há necessidade de corrigir actuações menos correctas e desprestigiantes no sentido de possibilitar rigor e qualidade no ensino-aprendizagem (...) e, por isso, no caso da avaliação, por exemplo, não aceite que toda a comunidade educativa não esteja sujeita a uma avaliação". E vou dar aqui dois exemplos:
1º Há dois anos dirigi-me à sala de Directores de Turma da minha escola para proceder a umas anotações individuais no dossiê dos meus alunos. Entrei, dei boa tarde a três jovens colegas que lá se encontravam. Ninguém me respondeu. Depois de realizado o trabalho, saí, voltei a dar boa tarde e ninguém respondeu. Continuavam a conversar. Cheguei a meio do corredor e voltei para trás. Irrompi na citada sala e, com voz mais grave e apontando para os ditos colegas disse-lhes: podem vir a ser professores toda a vida, mas educadores dificilmente serão. Como é que vão exigir aos vossos alunos comportamentos correctos se não os sabem aplicar na vossa vida de relação com os colegas da escola? Senti que ficaram embaraçados com a minha atitude, saí de imediato mas com uma sensação de alívio.
2ª Estava um dia de calor. Para uma melhor ventilação, uma série de portas de sala de aula estavam abertas. Ao passar no corredor olhei para dentro de uma delas e verifiquei que uma professora dava a sua aula, sentada em cima da secretária e com as pernas cruzadas. Fiquei arrepiado e mil e uma coisas passaram-me pela cabeça. Na primeira oportunidade e sem referir a colega envolvida, dei conta, no sítio certo, isto é, no conselho pedagógico, que estas situações não podem acontecer.
Ora bem, estas duas histórias (e podia contar tantas, desde o tempo em que desempenhei funções gestionárias) serve para ilustrar vários aspectos: que a formação inicial deve ser revista no sentido de preparar, de facto, para a função de educar que é muito mais do que transmitir conhecimentos técnico-científicos; que a cultura de escola e o seu projecto educativo necessitam de uma profunda reflexão a caminho de uma paradigma ajustado à missão de educar e à vocação do ser escola. É por estes dois aspectos, a partir dos quais se desenvolvem muitos outros, a autonomia dos estabelecimentos de educação e de ensino, a formação dos seus quadros gestores, o número de alunos por escola e por turma, os currículos e programas, a mentalidade que deve presidir à acção docente, a desburocratização do sistema, o trabalho ao nível da organização social (as políticas de família, a estabilidade no emprego e a justa remuneração), a co-responsabilização dos encarregados de educação, enfim, existe uma panóplia de aspectos que o sucesso do sistema educativo não pode secundarizar. Da mesma forma que não pode secundarizar a justa remuneração dos educadores e professores. Ao lado de critérios de rigor e exigência, face à importância da sua missão, não me parece aceitável que um docente, Licenciado, ao iniciar a sua carreira, aufira cerca de € 800,00 líquidos.
Penso ser esta a realidade. Por isso, entendo ser necessária a avaliação do desempenho mas uma avaliação que respeite os educadores e professores e que ajude a criar uma escola pública de sucesso, onde os menos favorecidos, os da zona social cinzenta, tenham tantas possibilidades de êxito quantas os que são oriundos de famílias económica e culturalmente favorecidas. Esse é um dos objectivos da escola pública onde há muito por fazer. Só que tem havido muita incompetência por parte de quem governa. Logo, o ataque a àrea de intervenção educativa mais vulnerável: os educadores e professores. Rejeito que seja o facto de se ter aberto a escola a todos a causa dos males que sofremos, mas a ausência de respostas organizacionais, globais, orçamentais e de visão que estão em causa.
Volto ao princípio para vos agradecer os comentários. Fizeram-me reflectir o que é muito bom quando, tantas vezes, cada um de nós, parece estar a falar para o vazio. Porque as minhas causas estão muito para além de mim próprio e porque sei que a sociedade em geral não domina as variáveis do sistema educativo. Obrigado.
2 comentários:
Senhor Professor
Também li os comentários ao seu post anterior.
Sou encarregado de educação e já fui aluno(estudante,da vida e em vida,pretendo continuar a ser).
Parece-me que,o Senhor Vico D`Aubignac,labora numa imprecisão que faz toda a diferença: os Professores não estão contra um processo de avaliação;estão, isso sim,contra uma metodologia,construída, e imaginada, por quem, da Escola,e do comum da Sociedade,indicia estar deveras distanciado(ou,se calhar,nem tanto,mas muito mais próximo das preocupações(instruções) governamentais, inerentes à manutenção do limite do deficit orçamental).
Esquecem-se que um Povo que descura a Educação dos seus membros,condena-se à subserviência ou à extinção.
Se,em ditadura,Aquela era um privilégio,em Democracia,é um imperativo.
Aqui recordo um meu,saudoso, Professor que,imediatamente após o 25 de Abril(quando alguns dos seus,também jovens colegas,insensata e libertinadamente, "autorizavam" os respectivos alunos a tuteá-los)nos alertava, e incentivava, para a responsabilidade acrescida que sobre nós próprios recaía, em matéria de auto-exigência, como preito à Liberdade emergente.
As atitudes erradas,conceda-se, mais não eram que a consequência,explosiva,da mediocridade institucionalizada.
E agora?!Em Democracia?!Como é?!
Como cidadão,e pai,desejaria que os Professores,ao invés de serem objecto da perseguição infame que lhes está a ser movida,antes fossem,empenhadamente, ajudados na sua formação de educadores, continuando,ou colmatando insuficiências,da educação familiar.
A excelência dos docentes,longe de ser um obstáculo e uma maquiavélica excepção,deveria ser o denominador comum de uma democrática, logo, verdadeira, Política Educacional.
Pergunto-me:
Em que logro anda envolvido este pobre Portugal?!
Senhor Professor
Um seu colega, seu amigo e que,também,faz o favor de me dedicar alguma paciência, chamou a minha atenção para um erro de palmatória(salvo seja)constante no meu escrito anterior.
Aqui vai a correcção(só é verdadeiramente burro,quem não quer aprender):
Onde escrevi"libertinadamente" deveria ter escrito "libertinamente".
Ao Senhor Professor, e aos seus leitores, peço muita desculpa.
Isto de um vilhão querer falar fino,dá nestas coisas...
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