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quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

POLÍTICA EDUCATIVA - MAIS UM ANO PERDIDO!

Opinião, da minha autoria, publicada na última edição de 2008, no semanário Tribuna da Madeira.
Quando se chega ao final de mais um ano e não se consegue trazer em memória uma iniciativa estrutural do governo no sentido da melhoria do sistema educativo, significa isto ser caso para grande preocupação. É convicção minha que, há muito, a rotina tomou conta da Secretaria da Educação. O que restou deste ano foi um Estatuto da Carreira Docente manco e cheio de incoerências, condenado pelos parceiros sociais, uma avaliação de desempenho que se arrasta, uma Portaria de Acção Social Educativa que se manifesta de forma indecorosa relativamente às necessidades das famílias, um desporto escolar completamente secundarizado consequência de uma Portaria sem sentido e um Congresso denominado “A Educação Hoje”, organizado por uma entidade estranha à Região, esquecendo-se a Direcção Regional de Educação que a Madeira, por um lado, tem a sua Universidade e dentro dela um Departamento de Ciências de Educação com múltiplos trabalhos de investigação no âmbito de Mestrados e Doutoramentos que sobre eles urge reflectir.
O sistema dispensa teorias vãs, paleio e, sobretudo, de estranhos à Região para dizer o que aqui tem de ser feito, eu diria mais, dispensa papel com letras, mas não dispensa uma análise criteriosa e séria que responda a três perguntas muito simples mas muito profundas: onde estamos, onde queremos chegar e que passos temos de dar para lá chegar? O sistema precisa, prioritariamente, que se rompa com as rotinas, precisa de inteligência, necessita de humildade governativa, precisa de coragem para implodir os pilares da velha escola, construindo novos alicerces que sustentem uma educação para o futuro. E foi um pouco de tudo isto que não aconteceu ao longo do último ano.
Não basta edificar novos estabelecimentos de ensino, tampouco multiplicar as salas de informática ou substituir o quadro preto e o giz por quadros interactivos e multicolores. Tony Bates é claro sobre esta matéria: “O bom ensino supera uma escolha tecnológica pobre, mas a tecnologia nunca salvará o mau ensino”. Por outras palavras, defende que o problema da Educação não é tecnológico. Há uma base que terá de ser construída e essa tem a sua génese no domínio organizacional, na reflexão e nas conquistas ao nível do desenho curricular e programático, trilogia à qual se junta, de forma indispensável e inquestionável as políticas de família no quadro das políticas sociais. O sucesso, ou melhor, o futuro da escola depende do rigor desse empenhamento, do trabalho que integre todas estas variáveis. O governo não entende isto e, pior, continua a manifestar uma crónica ausência de coragem para intervir na profundidade do sistema e não nas margens.
O silêncio do governo, esta tentativa de passar entre a chuva sem se molhar, só conduz ao fracasso do sistema. E isto não significa que nos estabelecimentos de ensino não tenha havido esforço, trabalho, dedicação e iniciativas louváveis. Eu sei o que, com muito entusiasmo, se faz. Mas também sei, pela prática, que os resultados não são proporcionais ao esforço realizado. E se não são deveria o governo encontrar justificações e adequadas respostas. Dizem, refugiando-se, que o problema é Constitucional. Decididamente, não é. O Estatuto Político-Administrativo que há muito deveria ter sido revisto e actualizado, na sequência da revisão constitucional de 2004, permite ir muito mais longe em matéria de política educativa ao invés do governo permanecer reactivo e agarrado às saias da Ministra da Educação. Hoje, sabe-se que pouco importa a premissa constitucional que sublinha que as bases do sistema educativo são reserva da República. Hoje, prova-se que é possível contornar essa premissa e gerar um sistema de respostas regionais que, inclusive, a prazo, deixe de fazer sentido tal premissa constitucional.
É preciso que tenhamos presente que o sistema educativo é socialmente produzido e, portanto é socialmente transformável. Os caminhos que há muito estão a ser seguidos não têm produzido resultados. Tome-se em consideração, por exemplo, apenas como indicador pois existem muitos outros, os resultados do último “ranking” nacional de escolas. No ensino básico, estruturante de todo o sistema, dos 30 estabelecimentos de ensino referenciados a Região apresentou cinco escolas nos primeiros 430 lugares; entre os lugares 430 e 860, nove e, entre os lugares 861 e 1292, dezasseis escolas, com a agravante de, nestas 16 escolas, doze estarem acima do milionésimo lugar. E se formos a analisar o ensino secundário o drama é idêntico. Portanto, não vale a pena, perante este indicador, arranjar desculpas. O sistema educativo está gravemente doente e, por isso mesmo, não consegue descolar para patamares de sucesso. As razões são múltiplas: têm a ver com a concepção arquitectónica do parque infra-estrutural, com o número de alunos por escola e por turma, com o rácio professor/aluno e com a organização do sistema que ao invés de possibilitar a autonomia às escolas, ao invés de criar um sistema descentralizado e de respeito pela diferenciação, ao invés de gerar a interacção com os restantes sistemas sociais, paradoxalmente, apresenta-se hierarquizado, padronizado, fechado e gerador de entropia. É por isso que ele está em permanente desgaste e já não consegue responder às necessidades de um novo conceito de escola.
Romper com esta deriva implica abertura, que a Educação não seja uma coutada de alguns, implica olhar para trás reflectir e interrogar-se sobre o percurso feito, disponibilidade para ouvir e negociar ao contrário de fechar-se numa torre de marfim, implica que a rotina de anos dê lugar à inovação, implica ambição e capacidade para pôr em causa caminhos, ter mais incertezas do que certezas, implica responsabilidade colectiva, portanto, não apenas de uma Secretaria que tutela a Educação mas de todo o governo para intervir a montante do sistema.
O ano de 2009 está aí. Espero que o governo entenda que o sistema educativo não se esgota na construção de novos edifícios, mas sobretudo no interesse futuro de tudo quanto se faz dentro dos espaços escolares. E neste aspecto não tenho qualquer dúvida que há um conjunto de palavras-chave determinantes na construção do futuro desejável e que têm sido ignoradas: rotura, mudança, competência, previsão, estratégia, gestão, reengenharia, excelência, qualidade, criatividade, inovação, sinergia, liderança, comunicação, enfim, cada uma destas palavras com o seu peso e significado no contexto da Educação, constitui a base dos processos de mudança num sistema portador de futuro.
Se o governo assim entender, naturalmente, que se assistirá à revisão global e prioritária do Estatuto da Carreira Docente, o qual, obviamente, não se esgota no processo de avaliação de desempenho, à revisão do diploma sobre a Autonomia, Gestão e Administração dos Estabelecimentos de ensino, à desburocratização do sistema, à negociação com os parceiros sociais que não fique pelas habituais encenações, às dotações orçamentais de acordo com a importância do sector educativo, à procura de respostas no sentido de um sistema autónomo visando uma futura revisão curricular e até programática. E por aqui fico relativamente a 2009 porque considero que, no actual contexto, não há capacidade política para mais.

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