O Secretário Regional da Educação evidenciou, ontem, em audição parlamentar que não sabe bem o que são turmas de elite. Ou melhor, sabe, não lhe interessa é, politicamente, equacionar a situação numa perspectiva mais abrangente. Mas se não aceita a designação de turmas de elite, então, deve aceitar, no mínimo, a designação de "turmas seleccionadas". É mais soft. É disso que estamos a falar. Basta, por exemplo, verificar, em muitos estabelecimentos de ensino:
- Uma diferença, substancial, entre turmas da manhã e as da tarde.
- De manhã, as primeiras turmas de cada ano serem as de melhor aproveitamento.
- Que há uma tendência para aí destinar os professores mais experientes.
- Que consultando, on-line, as pautas dos resultados finais de período, se verifica que as primeiras turmas, em média, apresentam melhores resultados que as restantes.
É evidente que na Região não se verifica uma situação extrema que conduza a que os maus alunos e menos desejados nas escolas sejam encaminhados para outras, forçando uma certa guetização. Mas não se pode ignorar que há escolas que têm uma política onde emergem, voluntariamente, alguns mecanismos de pendor selectivo. Eu entendo esse procedimento num quadro de alguma pressão dos pais que desejam os seus filhos bem enquadrados, entendo essa preocupação no quadro de uma sociedade muita assimétrica como é a madeirense e entendo o desejo dos pais no sentido de manterem o "grupo de amigos" que vêm, muitas vezes, desde o pré-escolar. Compreendo todas essas preocupações. Aliás, há estudos sobre esta matéria. Ainda recentemente, na comissão parlamentar de educação da Assembleia da República, o sociólogo João Sebastião (31.01.09) apresentou um estudo caracterizador da situação. Mas vamos por partes.
A lei prevê que a constituição das turmas seja feita por critérios exclusivamente pedagógicos, o que dá azo à discriminação e que se reforcem as desigualdades sociais. É óbvio que o critério pedagógico é impreciso e, por isso, considero, desde logo, que não pode ser o único factor. Porque a considerarmos apenas esse domínio estaremos, naturalmente, a introduzir os tais factores de discriminação. Porque da mesma forma que não é aceitável a constituição de uma turma de meninos de estatuto social elevado, não se pode aceitar que uma turma tenha vários alunos de repetência sistemática, em conjunto com vários alunos necessidades educativas especiais (NEE) e ainda, dentro destes, alunos portadores de deficiência.
Para a generalidade dos autores que tenho vindo a ler sobre esta matéria e de outras correlacionadas, o problema acaba por centrar-se nas causas que são múltiplas, cuja actuação tem sido muito negligenciada ao nível das políticas de governo, quer as de âmbito social quer as especificamente relacionadas com o sistema educativo. Daí que o problema tenha múltiplas variáveis de análise que podem ser assim sintetizadas:
- Nas políticas económicas que preservem o direito ao trabalho, respectivos horários e justa remuneração.
- Numa actuação eficaz e permanente ao nível das políticas sociais e de família que as co-responsabilize no processo educativo.
- Na criação de estabelecimentos de ensino com um número de alunos situado entre os 400/500.
- Um rácio professor/aluno mais adequado ao processo ensino-aprendizagem.
- Por uma revisão curricular e programática que respeite, apenas, a matriz nacional.
- Pôr fim a um dos mitos que a qualidade, no Ensino Básico, se afere pela existência de exames e não por uma avaliação exigente e contínua.
- Plena autonomia das escolas, respeitando a sua identidade, o seu sistema de valores (um sistema que deve procurar que as escolas sejam diferentes e não tendencialmente padronizadas).
- Estudos dentro do estabelecimento de ensino que conduzam à constituição das turmas baseadas na análise aos percursos anteriores a diversos níveis (sociais, culturais, económicos e familiares.
Que dá trabalho, isso eu sei, mas esse é o caminho. O problema equacionado na Comissão Especializada em Educação da Assembleia Legislativa tem causas e é nelas que se deve actuar. A montante, esbatendo as desigualdades, a jusante criando uma escola de integração e de qualidade. E isto leva alguns anos. O problema é que já se perderam trinta. É evidente que a Escola deve procurar soluções adequadas à sua vocação e à sua missão educativas, mas por si só não nunca conseguirá resolver os dramas sociais que lá chegam.
Depois, o ensino público, destinando-se a todos, deve procurar respostas adequadas e não geradoras de diferenças que alimentem uma competição apenas pela nota, passando ao lado de outros aspectos importantíssimos na formação global do educando. A escola pública não pode ficar armadilhada e aprisionada de interesses e obsessões particulares. No actual contexto, algumas legítimas, dir-se-á, mas de todo erradas numa concepção de escola que considere, à partida, a igualdade de todos os que lá entram. Não se trata de escolarizar mas de EDUCAR. No actual quadro a ideia que fica é que alguns alunos são “filhos de um Deus Menor” e considerados à partida como perdedores anunciados. E dentro de uma escola não é aceitável que se criem certos condomínios fechados, tipo área protegida, numa lógica contrária à integração, à educação e ao sucesso. É um erro partir da ideia do "cliente" ideal, isto é, do aluno ideal. É por isso que se torna necessário virar a sociedade e a escola do avesso. Se a sociedade está mal a escola não pode estar bem. Daí dizermos que se torna necessário repensar o sistema. E isso não se faz com reformas pontuais, com blá, blá e esquivando-se aos problemas, mas reinventando o sistema educativo. Muito menos assumindo que não se sabe o que são turmas de elite! Mas sobre este assunto muito haveria para dizer. Ficará para outra oportunidade.
2 comentários:
Ohhh meu caro Senhor Professor,
Estou desapontado com vexa, pois se é de bom tom e coloquial interesse a prosa com que procura aquietar o seu inconformado espírito sobre esta matéria – das "Turmas de Elite" - não menos verdade é o facto de que com ela, no sentido em que a desfia, correr o risco de ver reforçar em mim a crença, sincera, que vexa milita no erro. E um erro insistente fá-lo um paralogismo teimoso.
Não vou muito mais longe, pois horrorizo-me de pensá-lo enfadado por minha causa ou pelas minhas coisas pelo que lhe direi, em síntese, as palavras singelas que um homem do povo, vivendo no bairro na Nogueira, sussurrou recentemente à reportagem do Diário de Notícias da Madeira: "o mau juntado ao bom nunca será bom" - falou aqui a experiência de vida de um cidadão simples que não precisou de andar na universidade para saber que as ondas do mar quebram na praia. Bastaram-lhe os olhos na cara e pouca complexidade de espírito, para não complicar.
Caro Professor, enquanto pedagogo e estudioso, o senhor tem o direito, o dever e, todos lhe sobrepesamos, a moral, de continuar a empenhar-se e a emprestar o melhor de si e das suas capacidades na procura de um sistema perfeito. Até que consiga atingir esse nirvana para nosso benefício eu, enquanto progenitor responsável e inquieto com a anarquia que me rodeia, não deixarei de pensar como o nosso sapiente camacheiro e não impedirei que nenhum remorso me compadeça a alma ou comprometa a virtude – que juro que tenho! - até que chegue esse almejado dia. Depois mo dirá.
Venham as Turmas de Elite!
Continuação de bom estudo!
Respeitosamente,
Vico D´Aubignac
Muito obrigado pelo seu comentário. Assim se constrói a Democracia, assim se constrói a Escola do nosso tempo. Pelo seu texto e pela sua sinceridade, uma vez mais, obrigado.
Ora, na mesma linha de pensamento do meu Caro interlocutor, sinto o problema. Tenho três netos e desejo-lhes o melhor. Por isso, escrevi: "Eu entendo esse procedimento num quadro de alguma pressão dos pais que desejam os seus filhos bem enquadrados, entendo essa preocupação no quadro de uma sociedade muita assimétrica como é a madeirense e entendo o desejo dos pais no sentido de manterem o "grupo de amigos" juntos, muitas vezes, desde o pré-escolar. Compreendo todas essas preocupações".
Ora, o que está aqui em causa é, paulatinamente, com inteligência e respeito por um dos princípios do desenvolvimento, o da "transformação graduada", partirmos para um sistema educativo com preocupações de integração de todos os factores que se situam a montante e a jusante da Escola. A minha preocupação é que não se entre num ciclo vicioso, ele próprio trágico. Diz um meu Amigo de longa data, com piada e profundidade, quando discutimos estes e outros problemas, que a política existe para "corrigir orgasmos diferentes". É isto que está em jogo, procurarmos criar condições para que se esbatam as desigualdades e para que se cumpram os "Direitos das Crianças".
É evidente que tal desiderato leva anos. Pena tenho que o sistema apenas se preocupe com a escolarização e muito pouco com a educação. Poder-mé-á dizer que se trata de uma utopia. Não penso assim. É possível fazer crescer, com rigor, com disciplina, com inclusão, com sucesso e com excelência. Dando o sinal de partida para todos, sabendo que cortarão a meta quem melhor se aplicar. Mas para isso muito tem de mudar.
Uma vez mais, obrigado pelo comentário.
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