Acabo de ler um texto de Henrique Raposo sobre Educação. Entretanto, há dias, tive a oportunidade de ler os novos programas de Língua Portuguesa para o Ensino Básico, cuja implementação está prevista para 2010. É um problema que há muito me preocupa, simplesmente porque, durante vários anos, tive de ler trabalhos de alunos universitários e, pelas funções que desempenhei de Orientador Pedagógico, muitos textos passaram-me pelas mãos e muitas horas estive à frente do computador a tentar, apesar de não ser especialista, portanto, dentro das minhas limitações, corrigir palavras e a dar um sentido de coerência a tais textos. Muitas vezes cheguei à conclusão que razão tinha uma costureira que conheci há já muitos anos: "traga-me tecido para fazer de novo porque emendas é uma chatice" - queixava-se e com razão. E sem que a opinião de Henrique Raposo tenha alguma coisa a ver com os programas de Língua Portuguesa (ou terá?) a verdade é que compagino-os naquilo que é essencial. Sublinha o colunista: "A Pátria adora conversar sobre professores. A Pátria, porém, nunca fala sobre Educação. Portugal ainda não arranjou coragem para lidar com este facto: os alunos acabam o Secundário sem saber escrever (...) a coisa mais básica - saber escrever - deixou de ser relevante na escola portuguesa". O autor do texto faz, depois, uma série de considerações que dão para pensar, desde a responsabilidade política à responsabilidade dos professores e dos pais.
Como referi, li os futuros programas do Ensino Básico e concentrei especial atenção na articulação dos conteúdos disseminados pelos três ciclos. Tal como nos anteriores, muito blá, blá, muita e rigorosa conceptualização académica e eu, que não sou desta área do conhecimento, ao fim da extensa leitura, acabei por exclamar: mas para quê tanta teorização, tantas páginas de conceitos extensos, complexos e minuciosos, quando um programa deve ser preciso, sintético e objectivo! Li páginas e páginas com uma excessiva preocupação na definição de conceitos (coisa que deveria estar resolvida na formação inicial dos docentes) quando, convenhamos, o importante é que o educando possua e domine, aliás como é referido, a “compreensão do oral, a expressão oral, a leitura, a escrita e o conhecimento explícito da língua”. E para isso não me parece necessária uma complexificação programática que, por pouco, não cai na elaboração da unidade didáctica e no plano de aula. Apenas um exemplo de pormenor: sublinha, o programa, a páginas tantas, que o aluno deve “pedir, oportunamente, a palavra e esperar pela sua vez”. Ora, esta não me parece ser uma questão da Língua Portuguesa que tanto precisamos de reflectir e actuar, mas uma questão de Educação que se enquadra na assunção de regras de vida, vivência e convivência transversais no projecto educativo de escola e de educação na família.
O problema é que, na Madeira Autónoma, ninguém ouve ou discute esta mensagem. É mais fácil seguir o currículo e o programa nacional. Dá menos trabalho e gera menos chatices. Promovem-se umas reuniões, impõe-se o "modelo" e ponto final. Parafraseando Salazar, não precisamos de pensar porque há quem pense por nós. Ora, quando eu defendo a necessidade de uma reinvenção do sistema educativo, é evidente que estou a defender um novo sentido organizacional da Escola que respeite a sua autonomia gestionária, administrativa e pedagógica, um novo desenho curricular que apenas assuma a matriz nuclear nacional e, obviamente, um novo paradigma programático. E isso, como está provadíssimo, não depende da revisão da Constituição da República mas de gente capaz de eliminar o acessório e concentrar-se no essencial, deixando, na gaveta, o "complicómetro".
O problema é que entregam missões a duvidosas competências, a pessoas sem um passado de estudo sobre estas matérias, distantes de uma reflexão prática e, sobretudo, sem experiência. Complicam o que é relativamente fácil, uniformizam aquilo que deve viver da diversidade, posicionam-se, por comodismo, como correias de transmissão do Ministério, tudo apadrinhado por políticos (governantes), gente que deveria ter uma leitura correcta, abrangente e amadurecida da situação, mas, por incapacidade, facilitam e dão corda a umas (uns) jovens docentes que julgam ter descoberto a roda. Assim não chegamos lá e, no que à Língua Portuguesa diz respeito, tendencialmente, por este andar, será pior.
Os tempos são outros, obviamente. Não reivindico modelos do passado. Mas os da minha geração, na generalidade, com menos paleio técnico-científico (isso ficava para os académicos), aprendemos a escrever (legível), com os tempos verbais certos e com um bom vocabulário, a ler correctamente, com as pausas necessárias, a interpretar e a desenvolver raciocínios. Nunca escrevemos "Hxo-me" (agacho-me), nem "séquesso" (sexo), etc. etc.. Repetíamos e eu que o diga, não me fez mal algum. Não fiquei traumatizado nem foi necessário ser acompanhado por um psicólogo. Quando perguntava qualquer coisa ao meu pai ele mandava-me ao dicionário e só depois explicava. Ainda hoje retenho uma aula em que um meu professor de Português ensinou as formas de iniciar uma carta a um amigo: "Espero que estejas bem. Desculpa-me só agora cumprir este dever social (...)". Ficou-me aquela do "dever social" e jamais esqueci a forma e o conteúdo. Como não esqueço Gil Vicente, onde desempenhei uma personagem do Auto da Barca do Inferno, e outros que fui entusiasmado a ler.
Voltando ao princípio deste texto, não compliquem, coloquem os nossos jovens a saber ler, interpretar e a escrever bem. É a base de tudo o resto. Sem isso nada feito.
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