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segunda-feira, 27 de abril de 2009

SENTIDO ANTROPAGÓGICO

Os mentores desta Educação Física continuam a matar a liberdade criadora dos professores ao fazerem deles meros executantes de decisões que não têm em conta as realidades locais, as necessidades do Homem e a vida.

O problema não é novo mas vale a pena a ele tornar na expectativa que o silêncio, o comodismo e os sinais corporativos cedam em função de um debate franco e liberto de preconceitos. Ademais, todos temos a aprender pelo que ninguém se deve escudar, na expressão de Baudelaire, numa qualquer torre de marfim. Regresso porque, na longa carreira docente, prenhe de experiências múltiplas, vivências, estudos e reflexões, invade-me um sentimento de profunda tristeza por não sentir, sequer, uma leve brisa de mudança no conceito, nos princípios, nos valores, na estrutura que organiza a ainda designada Educação Física curricular, tampouco “na criação de uma matriz teórica autónoma” como bem defende o meu Amigo Manuel Sérgio. De facto, há dezenas de anos que a essência desta importante área educativa se alimenta de irritantes e inconsequentes rotinas e da imposição de uma taxinomia hoje rejeitada por aqueles a quem a prática se dirige. Rejeitadas não só por esses mas também por muitos qualificados olhares. A Educação Física ritualizou-se através de um fundamentalismo pedagógico que gerou um gigantesco muro entre a investigação e a realidade social. Se, como diz Manuel Patrício, o “princípio da liberdade criadora é o primeiro motor de todo o sistema educativo (...) e, necessariamente, de todo o sistema social”, digo eu, em aproximação, que os mentores desta Educação Física continuam a matar a liberdade criadora dos professores ao fazerem deles meros executantes de decisões que não têm em conta as realidades locais, as necessidades do Homem e a vida.
Nada mais é desmotivador, esgotante e paralisante numa escola, do que cumprir rotinas, anos a fio, uma vez mais na palavra do pensador Manuel Sérgio, distantes de uma “visão complexa do Homem, da Natureza, da Sociedade e da História”, assistir a reuniões improdutivas porque contrárias à inovação, sentir que há baixos padrões de qualidade, que não existe uma atmosfera de pertença, que sobressai a má comunicação, os atritos interpessoais e a proliferação de procedimentos meramente burocráticos. Os que se enclausuram nos gabinetes mataram o sentido antropagógico da actividade educativa e tornaram o professor mais “um funcionário público e não um funcionário humano” utilizando a feliz síntese do filósofo Manuel Patrício. Há muito que comungo deste posicionamento, pela experiência que transporto, sublinhada em muitos anos de orientador pedagógico de jovens professores estagiários. Em um dos livros editados na sequência de acções científico-pedagógicas organizadas pelos estagiários com quem tive o prazer de reflectir, profundamente, a problemática educativa, o Doutor Olímpio Bento (2001) deixou vincado: “(...) esta área disciplinar vive, desde há alguns anos, uma crise sem precedentes na sua história. (…) Mas... como configura a Educação Física as suas relações com o corpo e com o desporto? Como é possível que a Educação Física esteja em crise, se o desporto nunca viveu uma fase de tamanha expansão e crescimento e se estamos a assistir a um regresso festivo do corpo trazido pela valorização da imagem, da estética e dos estilos de vida? (...) Estas perguntas encaminham-nos para a necessidade de reconstruir a Educação Física à luz de novas e actuais premissas. (…) Para manter a sua presença no sistema educativo a área da Educação Física precisa de renovar argumentos que reforcem a sua real importância. E carece de agregar forças capazes de sustentarem que ela é parte genuína e indispensável da educação”.
Bernard Shaw, há quase noventa anos, sintetizou: “quem pode cria, quem não pode ensina”. O Professor Américo Nunes Peres, numa notável entrevista publicada no Jornal A Página da Educação, completou a asserção que se enquadra, perfeitamente, no contexto do que aqui me traz: “(...) quem não sabe ensinar, forma professores (...) e quem não sabe formar, investiga”. E isto contém alguma verdade – com o devido respeito por tantos e bons formadores – sobretudo porque muitos, em posições chave teimam em ignorar os contextos reais onde os futuros professores vão exercer a sua profissão. Portanto, pior combinação não seria possível: a da formação inicial dos professores com os outros, os instalados, incapazes de ler o contexto em que vivemos. É essa conjugação que, dificilmente, aceita a Educação Desportiva, subordinada a um novo paradigma. Paulo Freire, sublinha, ainda, o académico na citada entrevista, tem razão: “a educação deve ser, primeiro, a leitura do mundo; depois, pode ser a leitura dos textos”. Ou seja, para transformarmos o contexto em que vivemos, temos de o saber interpretar. Mas para que isso aconteça, parece-me óbvio, como disse Agustina Bessa-Luís, há que romper com o “analfabetismo inculto, aquele que sabendo ler e escrever, licenciado ou não, ocupa posições de chefia nos governos, no ensino, e que não é capaz de produzir valores reclamados pelos cidadãos e de que o País tanto precisa”.

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