Minha Senhora,
Mário Soares, histórico na defesa da Liberdade, falou, na Madeira, de "défice democrático", expressão que, ainda hoje, tanto engulho provoca. Vossa Excelência, relativamente ao espaço Continental, isolando, por motivos óbvios, esta Região, evidenciou, eufemísticamente, o estado de "asfixia democrática". No seu caso bastaram quatro anos fora do poder para ficar sufocada, do Minho ao Corvo, com o ar político tóxico, conspurcado, venenoso e irrespirável, segundo depreendo das suas palavras. Valeu-lhe, nas poucas horas que por aqui passou, finalmente, aliviar a falta de ar puro que a persegue. Não viu e, convenhamos, nem podia ter sentido o monumental silêncio claustrofóbico legitimado pelo voto. Compreendo-a, por dois motivos:
primeiro, por aproximação à Química, a asfixia que disse aqui não existir ou o silêncio claustrofóbico que eu sublinho, existem, mas em estado gasoso. Um estado que varia, apenas, na forma e no volume, em função dos vapores e calendários políticos. E ao contrário de uma interpretação simplista da Química, por aqui, esse estado gasoso não é desorganizado nem dispõe de mais espaço entre as partículas. É um estado com forma definida. Vossa Excelência não o viu, não o apalpou, mas existe. Explico-lhe melhor: é "raffiné" na expressão do seu companheiro de partido e mentor da farsa. As partículas sabem como devem comportar-se, conhecem o manual de instruções e moldam-se ao espaço onde vivem. Basta um telefonema, a fiscalização a um pobre desalinhado, um artigo de jornal, uma inauguração, uma promoção ou um afastamento e as partículas enchem-se de orgulho ou de medo e submetem-se a esse silêncio claustrofóbico que corrói e mata aos bocados a sociedade por dentro. Sobrevivem alguns democratas.
Sabe, Minha Senhora, não basta uma arruada, do Mercado à Sé, para compreender uma sociedade de mil enganos, perceber as causas do drama asfixiante da pobreza (80.000), a angústia asfixiante dos empresários e dos 12.000 desempregados, a compra asfixiante do silêncio das pessoas à custa de subsídios e de compromissos, os proteccionismos e as fortunas mal explicadas, o porquê da desorganização territorial, compreender, Minha Senhora, os baixíssimos níveis culturais e a asfixiante e calculista pressão sobre a imprensa que quer ser livre. É preciso por aqui ficar, calcorrear e ouvir os desencantos segredados.
Compreendo-a, também, por um segundo motivo não menos importante. É que Vossa Excelência, ao ignorar, ao vergar-se e ao passar a mão pelo pêlo do seu "grande líder" e "inigualável patriota" denuncia que tem medo do arsenal bélico, feito de palavras assassinas, que, politicamente, a qualquer momento a podem matar. E esse medo é incompatível com a liderança do País, onde necessário se torna chamar os bois pelo nome, dizer não às cedências, às megalomanias, aos ditadores de paróquia e aos actos de retaliação e chantagem. Deveria saber que, em todas as dimensões, corrupto não é apenas aquele que corrompe mas quem se deixa corromper pelos interesses do poder em jogo.
Finalmente, Drª Manuela, tenho presente a sua passagem pelos ministérios das Finanças e da Educação. Anos perdidos, relembro-lhe. Vossa Excelência não deixou qualquer marca da qual nos possamos orgulhar. Tenho presente o endividamento zero imposto à Região, o pagamento especial por conta e a maquilhagem das contas públicas nacionais; e não me esqueço da forma prepotente como conduziu a Educação bem como os resultados que deixou. Não tem um passado que permita estabelecer diferenças. Por tudo isto espero que o Povo não tenha memória curta.
Com todo o respeito.
Nota:
Opinião, da minha autoria, publicada na edição de hoje do DN-Madeira.
1 comentário:
Acabei de assistir, numa inauguração nos Canhas, a uma cena que nunca imaginei ser possível. Um cidadão foi identificado a mando do AJJ por um tal de comissário Sousa. E foi identificado simplesmente porque não retirou as mãos dos bolsos para cumprimentar S. Excia. Este insistiu apertando-lhe o antebraço e o "criminoso", mantendo as mãos nos bolsos, respondeu-lhe que não o cumprimentava e que não era do partido dele. O AJJ virou-se para o tal Comissário e ordenou: "Identifiquem este sr.!" Se me tivessem contado teria dado um desconto pois suporia tratar-se de gabarolice. Felizmente assisti a tudo. Porque conheço a pessoa em causa e porque estava a olhar para aquele ponto apercebi-me da situação e vi S. Excia a dar a ordem a um dos "seguranças" (comissário da polícia à civil, de fato azul escuro e gravata e auricular). Aproximei-me rapidamente, acompanhando a situação, enquanto o comissário levava discretamente o "criminoso". Dirigindo-me ao comissário disse-lhe coisas do género: "Felizmente estou aqui a assistir a isto para ter consciência da merda que isto é". "Pretendo acompanhar a chamada identificação deste sr." "Isto é assim?! Ainda bem que aconteceu pois acabei de perder qualquer ingenuidade política que ainda tivesse!" Já estaria-mos a 10 metros da orla da multidão. O sr. Comissário puxou do seu cartão plastificado e perguntou-me se eu sabia quem ele era. Respondi-lhe, olhando-o bem nos olhos, que suponha que era uma autoridade qualquer mas que isso era-me indiferente. Respondeu-me ele que era o Comissário Sousa e deu-me ordem para me afastar. Respondi-lhe que não me afastava e perguntei-lhe quantos metros previa a lei que eu me afastasse! Chamou um agente da PSP e virando-me as costas entregou o "perigoso criminoso" ordenando que fosse identificado. O agente da PSP (Nunes), porque gostam de violar os direitos das pessoas de forma discreta, afastou-nos uns 70 metros da multidão que se mostrava indiferente como carneiros a caminho do matadouro e procedeu à identificação de forma envergonhada!
Voltei à "festa" esperançado que depois dos discursos S. Excia ainda distribui-se uns apertos de mão mas isso não aconteceu! Queria ver o que é que o Comissário Sousa (ele e mais dois rondavam o AJJ constantemente) ia fazer quando eu não cumprimentasse S. Excia e olhando-o nos olhos o desafiasse a mandar-me identificar.
Publicarei este meu testemunho no meu próprio blog para que eu próprio não esqueça que estas coisas acontecem na Madeira, 35 anos depois do 25 de Abril!
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