“Há, claramente, um uso dos tribunais para fins políticos, isso afirmo que é verdade” – Pinto Monteiro, ex-Procurador Geral da República. Não li e, portanto, desconheço o contexto desta declaração, mas seja em que contexto for pode-se deduzir da existência de uma ingerência, subtil ou descarada, de ambos os lados, pressuponho, de um órgão que deveria estar acima de qualquer suspeita. Pelos muitos casos que vão surgindo, sobretudo pelas fugas àquilo que está convencionado como “segredo de Justiça”, parece-me óbvio, aos olhos do cidadão, que o Órgão de Soberania Tribunal carece de uma enorme credibilidade. A desconfiança existe e eu que de Justiça nada sei, ou melhor, apenas desejo que ela funcione com rapidez, total isenção e acessível nos seus encargos, pertenço ao grupo daqueles que, há muito, olham-na com séria desconfiança.
Já aqui escrevi que não me atrevo tecer considerações processuais sobre o caso Engº José Sócrates. Apenas sei que se encontra em prisão preventiva. E continuará, porque o caso foi considerado de “especial complexidade” pelo Juiz Carlos Alexandre. Daí que a prisão possa prolongar-se por um ano, embora sem acusação. O que é, logo à partida, uma situação arrepiante e condenável. Isto é, priva-se a liberdade, enjaula-se um cidadão em 12m2, durante um ano, para investigar, podendo esse cidadão, em abstracto, não ser levado a julgamento, portanto, inocentado. Curiosamente, há poucos dias, um recurso sobre a sua prisão preventiva, em sede de um Tribunal Superior (Tribunal da Relação), o Juiz Desembargador José Reis, quis libertar o ex-primeiro-ministro José Sócrates, mas acabou por sair vencido. Descreveu o inquérito ao antigo governante como uma “enxurrada” de factos “desgarrada e difusa”, alguns dos quais, disse, serem de “muito duvidosa relevância criminal”. E disse mais, segundo o jornal Público: “(…) apesar de serem imputados aos suspeitos crimes de fraude fiscal qualificada, branqueamento de capitais e corrupção, estes dois últimos enquadrados na “criminalidade altamente organizada”, “tal não significa, só por si, que o procedimento se revele complexo”. Lembrou que, neste caso, que “tal quadro se apresenta manifestamente incompleto dada a total ausência de descrição de indícios factuais que eventualmente possam integrar o crime de corrupção” (…) “Esta é a realidade nua e crua”. Por isso, continuo a ler no Público, “o juiz decidiu ouvir integralmente o primeiro interrogatório judicial, de Novembro passado, sublinhando que, nessa altura, em momento algum Sócrates foi “confrontado com quaisquer factos ou indícios concretos susceptíveis de integrar o crime de corrupção”. E mais adiante: “(…) Da leitura que fizemos fica-nos a mesma sensação de generalidade e contornos difusos”. E acrescenta: “Afirma-se e está subjacente que tudo é contrapartida de ‘actos de governo’ mas não se descreve um único desse actos”. E sustenta que nem o despacho do juiz Carlos Alexandre, de 3 Julho de 2014, nem a promoção do Ministério Público que a antecede descrevem “um único indício factual susceptível de integrar os crimes de corrupção”.
Ora, há qualquer coisa aqui que não bate certo. A Justiça, na sua essência, não é e não pode ser discricionária. Ela assenta na legislação produzida e nunca nos bons ou maus humores ou, ainda, inexperiência de quem decide. No caso em apreço o juiz não pode ser conduzido por leituras subjectivas, por não ter gostado do comportamento político de x, y ou z enquanto governante. Ou existem factos, depois de cerca de um ano de investigação, ou então isto entrou no domínio perverso ao jeito de “agora estás nas minhas mãos”. Por outro lado, ressalvando, obviamente, interpretações diversas, enquanto cidadão, olho para o caso e questiono-me sobre a contundência do Juiz Desembargador José Reis face aos outros, quando, presumo, devem ter estudado pelos mesmos livros, conhecem a legislação e a jurisprudência. E se assim é, como pode um Juiz Desembargador argumentar e arrasar outras posições sobre o mesmo caso? Esquisito, no mínimo.
A sensação que me fica é que este será um caso para durar. Quase todos os dias, através de fugas ao “segredo de Justiça”, são sensíveis novas ligações a alegados casos, sempre sobre a forma de indícios, porque talvez esteja relacionado com isto e com aquilo, mas nunca sobre a forma de facto. Sensação essa que me leva a desconfiar que o Ministério Público, por ausência de sustentação acusatória, pretende safar-se de qualquer maneira. Será assim? Não sei. Apenas, repito, sou um cidadão que acompanha pela comunicação social e lê declarações de figuras que já estiveram no topo da hierarquia do Estado, como o Dr. Pinto Monteiro, ex-Procurador Geral da República: “Há, claramente, o uso dos Tribunais para fins políticos. Isso afirmo que é verdade”. Em que sentido? Não sei. O que sei é que os outros Órgãos de Soberania, Presidente da República, Assembleia da República e Governo, todos fazem que nada é com eles.
Ilustração: Google Imagens.
Sem comentários:
Enviar um comentário