Tive a paciência de o escutar. Perdi o meu tempo. Foi um discurso de elogios e de auto-elogios, do tipo, eu alertei, eu disse, eu fui a "voz dos que não tinham voz", eu estive, eu acompanhei, etc. etc.. Um discurso que Passos Coelho ou Paulo Portas poderiam ter escrito tal foi, por vezes, a descarada aproximação às políticas do governo. Quem, estrangeiro, dominando o Português, ouvisse o discurso, certamente que já não regressaria ao seu país, tantos os elogios em função do notável trabalho realizado, deixando transparecer um país com indicadores sociais fantásticos a fazerem inveja aos mais ricos. Por isso, censurou os “profetas do miserabilismo” e quem faz da “crítica inconsequente um triste modo de vida”. E sendo este o seu último 10 de Junho enquanto Presidente, de passagem, já deixou os pontos fundamentais do próximo programa de governo: contas externas equilibradas, uma dívida pública sustentável, uma economia competitiva e uma carga fiscal equilibrada com a dos outros países europeus. Daqui por dois anos dirá, certamente: eu avisei!
Falou da quase bancarrota em 2011, ignorando que a crise foi fabricada fora do país, a qual arrastou toda a economia europeia (mas isso pouco interessa), pois fundamental é que "nos últimos tempos, tem vindo a se verificar uma recuperação gradual da nossa economia e criação de emprego".
Ora bem, obviamente que não se tratou de um ataque de amnésia, foi, do meu ponto de vista, a sua costela partidária a falar mais alto. E o Presidente até poderia ter falado, moderadamente, de esperança e de confiança, mas não faz sentido ignorar a dura realidade portuguesa bem espelhada nos vários indicadores: emigração, desemprego, abandono escolar, pobreza, pensionistas em desespero, instituições sem dinheiro, graves problemas nos sectores da educação e da saúde, escândalos na banca com milhares de portugueses enganados na tal história do papel comercial (em Lamego os manifestantes foram "enjaulados" para não se aproximarem e fazerem ouvir a sua voz), ou como ainda hoje li, no Porto, onde há "famílias inteiras a viver nas ruas da cidade entre quais se conta, pelo menos, "100 crianças entre os 1.500 sem-abrigo". Situação que acontece um pouco por todo o país. Estarei eu a ser um dos “profetas do miserabilismo”? Será que, na opinião do Senhor Presidente da República, esta é uma “crítica inconsequente" porque é esse o meu "triste modo de vida”?
Reflicto, procuro os meus papéis, confronto indicadores, procuro as minhas análises clínicas e todos os resultados do meu último check-up médico, olho-me ao espelho, bom, por enquanto, penso que estou saudável de acordo com o conceito da Organização Mundial de Saúde. Por aqui fico.
Ilustração: Google Imagens.
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