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quarta-feira, 17 de junho de 2009

AINDA A PETIÇÃO DOS PROFESSORES E A PROPÓSITO DE UM COMENTÁRIO

Um leitor deste espaço de comunicação, a propósito de um texto que ontem publiquei relativamente à Petição dos Professores comentou:

"Miguel Cunha na RTP ontem teve uma intervenção lúcida. Com os problemas que o Sr. Deputado faz tanta questão a salientar (pobreza e desemprego) estar a lutar por subidas posicionais na carreira que nem são de (ou por) mérito (congeladas devido às dificuldades económicas) são minuências e egoísmo de uma classe que faz-se valor da sua dimensão para "sacar" (sim, sacar) recursos originários de todos os contribuintes. Como se não bastasse a segurança do emprego público que usufruem, em relação aos outros com desemprego à porta. Da sua parte, é muita contradição o que só se justifica pelo corporativismo latente" - Rui Miguel Jasmins.

Incluo-me, tal como o meu Caro, no grupo dos cidadãos com sensibilidade social. Sei o que é ser pobre e sei identificar as múltiplas carências da nossa sociedade. A pobreza e as dificuldades seja de que natureza for e de quem for, perturba-me, choca-me. Por isso, sempre lutei por uma sociedade mais equilibrada, mais justa, que cresça e se desenvolva de uma forma sustentável. Tenho provas dadas que não sou corporativista e isso fica absoluta e inequivocamente demonstrado nos textos escritos, nas publicações que fiz e nas minhas intervenções, por exemplo, no Parlamento Regional. Dentro das minhas limitações, primeiro analiso, dialogo com outras pessoas e só finalmente tomo posição. Não existe, creia, qualquer egoísmo da minha parte, tampouco oportunismo em função da classe profissional a que pertenço, até porque subi na carreira docente até ao topo, sempre avaliado e fazendo a formação contínua e as formações complementares de melhoria dos graus académicos, os quais custaram-me muito dinheiro. Mas este é, apenas um desabafo, porque, muito sinceramente, a única palavra que não gostei do seu interessante comentário foi a de uma classe que gera situações desta natureza para "sacar" recursos de todos os contribuintes e com a concordância de quem não deveria embarcar nessas perversas situações. Ora bem, partindo do pressuposto que o meu Caro não é docente, vamos então a algumas situações concretas:

  • Para o exercício da docência é necessário o grau académico mínimo de Licenciado (4 ou 5 anos de curso mais estágio pedagógico não remunerado.
  • O salário de um docente (líquido) no primeiro escalão, no caso de não casado e sem filhos é de € 1.170,26; se se tratar de um casal, com 2 filhos, o vencimento ascende a € 1.183, 62.
  • Ao fim de 15 anos de trabalho, nas mesmas circunstâncias, o salário é de, respectivamente,
    € 1.387,33 e € 1.403,73.
  • Para atingir o topo da carreira são necessários 35 anos de bom e efectivo serviço, sujeito a uma rigorosa avaliação, de dois em dois anos e com uma prova pública selectiva de passagem do 5º para o 6º escalão, após 23 anos de serviço, que incide sobre toda a actividade profissional do professor desde o início de funções docentes. Actividade, sublinhe-se, já avaliada para progressão nos escalões anteriores.
  • Após agravamento, os módulos de tempo de serviço têm a seguinte duração: 1º escalão – 5 anos; 2º escalão – 5 anos; 3º escalão - 5 anos; 4º escalão - 4 anos; 5º escalão – 4 anos; 6º escalão - 6 anos; 7º escalão – 6 anos.
  • Perante a actual disposição legal e devido ao congelamento da carreira, há docentes que para atingir o 8º escalão (último) terão de perfazer 37 anos de trabalho, isto é, praticamente quando atingem a idade de 60 anos.
  • Fruto da legislação em vigor foi extremamente agravada a redução da componente lectiva (que não significa ausência da escola e trabalho a outros níveis) hoje são necessários 50 anos de idade e 15 anos de serviço docente para dispor de 2 horas de redução; 55 de idade e 20 anos de serviço docente – 4 horas; 60 de idade e 25 anos de serviço docente – 8 horas. Os educadores de infância e os docentes do 1.º ciclo do ensino básico, aos 60 anos de idade, podem requerer a redução de cinco horas da respectiva componente lectiva semanal.
  • O número de horas de trabalho situa-se nas 35 horas semanais e aqui não estão contabilizadas as horas destinadas à preparação das aulas e correcção de trabalhos. Um docente com 4/5 turmas significa que tem 100 a 125 alunos à sua responsabilidade. E aqui pode acrescer o facto de ter dois níveis diferentes o que implica preparação de aulas e correcção de trabalhos diferenciados.
  • Mais, ainda: nos últimos oito anos verificou-se uma perda dos salários reais de, aproximadamente, 10%.
  • Comparando as tabelas salariais anteriores com a actual, verifica-se que há diferenças que se situam num prejuízo para o docente que varia entre € 3.200,00 nos primeiros escalões e os € 19.916,00 nos escalões mais altos. Simplesmente porque o tempo de serviço em cada escalão foi substancialmente alterado. Antes atingia-se o topo da carreira aos 26 anos de serviço, agora, aos 35 anos de serviço.
  • E o que dizer da indisciplina, má educação e de uma micro-violência em crescendo que os docentes têm de suportar! São centenas os professores acompanhados psicológica e psiquiatricamente.

Ora bem, não abdico de uma grande exigência profissional face à importância da Educação. Não abdico do rigor, da disciplina, da qualidade e da excelência. Não há outro caminho para o nosso sucesso colectivo. Mas a par dessa exigência, desse rigor e dessa responsabilidade, os docentes têm de ser dignificados a vários níveis, sendo um dos quais a retribuição salarial. E neste caso, não está sequer em causa qualquer reivindicação sindical no sentido de pagamentos retroactivos durante os 28 meses de congelamento, mas apenas o reposicionamento nos novos escalões (passou de dez para oito). E este reposicionamento podia e pode ser escalonado no tempo, a partir de uma data futura e para toda a função pública e não apenas para os que exercem a docência.

É por isso que digo que esta é uma questão da Autonomia e do exercício pleno de uma Região que tem Órgãos de Governo próprios. Os Açores fizeram assim e melhoram 18.600 funcionários públicos que não têm vencimentos altos. E se formos a considerar as referidas "dificuldades económicas", os milhões que por aí se gastam de forma supérflua, aqui trata-se, do meu ponto de vista, de um investimento num sector que é vital para o nosso futuro. Sem professores relativamente bem remunerados e sem uma grande exigência na qualidade do serviço por eles prestado, não atingiremos os níveis de sucesso que tanto ambicionamos. Só que isto implica, como é óbvio, de um grande e profícuo trabalho a montante da Escola, na sociedade e, portanto, nas famílias.

Meu Caro, é o que eu penso sobre esta matéria, distante de qualquer corporativismo, mas respeito outros posicionamentos, como é óbvio. E os educadores e professores também pagam impostos!

4 comentários:

Anónimo disse...

Não coloco em causa o "direito" estabelecido às progressões congeladas. Simplesmente referi a minha concordância com o comentarista da RTP no que se refere à pequenez da reinvindicação quando o que actualmentee está em causa em todo o Mundo é o acesso ao emprego. E nem sequer a um emprego seguro como é o docente em Portugal.
Claro que se poderia entrar na discussão (para si não haveria discussão) se deve ou não haver progressão por tempo de serviço e se é um "direito" devido nos tempos de hoje TODOS (bons e maus)chegarem em 15, 18 ou 23 anos ao topo da carreira. Porque, tal como na tropa nem todos chegam a generais e no desporto não chegam todos a finais olimpicas, porque não, os professores medíocres (não há, não é?) não deverem ser promovidos? O facto de não serem substituídos (por outros melhores no desemprego) já seria benesse suficiente.
Quanto aos Açores, já todos entendemos os porquês de estarem a fazer tudo ao contrário do que faz todo o Mundo. É que foi muito o dinheiro que Sócrates lhes entregou a partir da Madeira. Daí actuarem como filho rico num mundo de pobres. Não pode ser referência... nem comparação.
E bastou ver César, vergado pela derrota das Europeias já a lançar o "papão" da Ferreira Leite que lhes ia retirar dinheiro para dar à Madeira. O que só fica mal a ele e ao (esse sim, real, porque já concretizou essa acção contra a Madeira) Primeiro Ministro do seu partido.

Unknown disse...

O meu comentário a este post está aqui:
http://www.duarte-gouveia.info/2009/06/e-como-e-a-realidade-privada/

André Escórcio disse...

Uma vez mais obrigado pelo seu comentário. Mas tenho que lhe dizer que aprecio o debate, contraditório, com alguma elevação. Sabe, é que eu rejeito que a Educação seja partidarizada e confundida com outros interesses. Eu politizo a Educação e não a partidarizo. Se alguém põe em causa a estratégia do Ministério da Educação eu sou um deles. Escrevi e continuo a escrever.
Repito, sou pela exigência e pelo rigor não admitindo, pois, que se brinque com a Educação. Nem politicamente nem no espaço da sala de aula. O que significa que os políticos têm de ser rigorosos e os docentes muito bem preparados. E neste pressuposto, depois de muitos estudos sobre estas matérias, entendo que a Madeira poderia ser hoje um exemplo nacional de uma Escola Pública de grande qualidade, apesar de todos os constrangimentos sociais, económicos e culturais.
Só uma nota final... o meu Caro leitor, desculpar-me-á, incorre num erro: a escola não é um quartel e os professores (EDUCADORES) não podem ser considerados numa semelhante hierarquia. Por múltiplas razões que certamente concordará comigo.

André Escórcio disse...

Caríssimo Amigo,
Duarte Gouveia.
Então eu não sei a vergonha que se passa no sector privado! Evidentemente que sei. Eu conheço a exploração que é feita aos trabalhadores em geral, quer nos momentos em que a economia está a responder bem, o que fará nos momentos de baixa considerável.
Eu conheço o que é trabalhar sem direito a horas extraordinárias. Eu sei o que é levar trabalho para casa prejudicando a família. Eu sei o que é trabalhar por objectivos. Eu sei o que é chegar ao fim do mês e ter um salário que envergonha. Eu sei o que é ser Licenciado e estar em uma função desadequada e mal remunerada. Eu conheço e domino o que é receber fora de horas. Eu sei e tenho relatos de pessoas que se sentem sempre próximas do despedimento.
Eu conheço o sacrifício e a angustia diária de ter uma pequena empresa e não dispor de um mercado que funcione. Eu sei isso tudo. Tenho testemunhos e coloco-me na situação dessas pessoas.
Agora, o que eu não posso aceitar é que se nivele por baixo. Não podemos, por exemplo e por exagero, regressar ao tempo que um professor não recebia nos meses de Julho e Agosto.
O que tem de acontecer é uma luta (utópica?, nem por isso)por uma nova organização social, uma reconfiguração dos mercados, um respeito pelos trabalhadores e pelas suas capacidades, onde a exigência, por um lado, e o reconhecimento, por outro, estejam nivelados.
Eu falo assim, porque tenho 60 anos e já quando era adolescente ouvia dizer na escola:"somos um país em vias de desenvolvimento"! E passaram-se quase 50 anos e leio o ex-ministro das finanças Hernâni Lopes dizer que são precisos mais sacrifícios! A saga continua.
O problema é tão somente este: se o país está errado nós trabalhadores não podemos estar bem.
Agora, no Sector Educativo, se quisermos ter esperança na construção de um futuro melhor, esse só pode avançar com docentes altamente qualificados e razoavelmente bem remunerados. Com um novo sistema educativo, como tenho vindo a defender, geradora de uma nova mentalidade na sociedade.
Um abraço... porque fica muito por dizer.