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terça-feira, 15 de março de 2011

PARA ALÉM DO ENCERRAMENTO DE UMA LIVRARIA!


Ele sabe, ele domina bem os "Cahiers de Psychologie" das massas, sabe, como ninguém, que um povo culto cruza a informação e todos os dados da comunicação, tem opinião e não se deixa levar na conversa de treta. E porque é assim, sabe que uma coisa é a escolarização, constitucionalmente obrigatória, outra a Educação, cujas variáveis de processo são muito mais complexas do que encher com meninos os espaços escolares.

Leio, no facebook, assinado pelo meu Amigo Ângelo Paulos: "Mais uma livraria encerrou as suas portas, a Bertrand, no Forum. Zona de classe média/alta. A iliteracia predomina. Só revistas ditas cor-de-rosa. Ou então, dinheiro para supermercado, bebidas, roupa de marca, pimbas, etc. etc. Carros de luxo ou iates. Triste País e mais triste ainda esta terra. Leituras só a lista telefónica ou a caderneta bancária. Minha livraria querida"!
Obviamente que não estranho. Outras se seguirão, porque constituem o corolário da política educativa na Madeira. Esta terra que poderia e deveria ser um laboratório de excelência, através de um sistema educativo de altíssima qualidade, evidencia hoje as marcas de um processo intencionalmente gerado na perspectiva do domínio político. É evidente que quanto mais frágil for o domínio cultural, mais fácil se torna pregar a doutrina que a uns interessa. Ele sabe, ele domina bem os "Cahiers de Psychologie" das massas, sabe, como ninguém, que um povo culto cruza a informação e todos os dados da comunicação, tem opinião e não se deixa levar na conversa de treta. E porque é assim, sabe, também, que uma coisa é a escolarização, constitucionalmente obrigatória, outra a Educação, cujas variáveis de processo são muito mais complexas do que encher com meninos os espaços escolares. São aspectos diferentes, desde logo porque o primeiro é fácil de concretizar, até porque é obrigatório; o segundo, já tem contornos muito complexos, pois joga com a organização da escola, com os currículos, com os programas, enfim, com uma CULTURA DE ESCOLA, uma cultura de aprendizagem, umbicalmente ligada às políticas de família e à CULTURA DE FAMÍLIA
Passados 37 anos, 35 dos quais de governo ininterrupto do PSD, o que verificamos? A resposta encontramo-la não só no encerramento de uma livraria, mas em outros preocupantes sinais. A CULTURA, em abstracto, continua a não fazer parte dos nossos hábitos, enquanto Povo. A sensibilidade para olhar para uma peça ou para um "pedaço" do nosso património e contemplá-lo, a capacidade para ler o outro lado das coisas, a disponibilidade para ler, perceber e compreender um texto, a abertura dos olhos para um mundo que não se esgota no horizonte dos nossos olhos, parece-me evidente que deixa muito a desejar. É esta leitura superficial da vida, do interesse em conhecer, em desvendar os porquês e para quês que esta ESCOLA madeirense, porque não quiseram, continua a apresentar um défice tão grande que já está a se repercutir na capacidade de conquistar o pão de cada dia.
No Regime Jurídico do Sistema Educativo que apresentámos e que foi chumbado pelo PSD, no Artigo 15º, podemos ler: "a) Proporcionar uma formação em que para além dos conhecimentos científicos, as dimensões social e humana, a expressão artística e filosófica, ocupem lugar relevante;
b) Facultar aos jovens conhecimentos necessários à compreensão das manifestações estéticas e culturais e possibilitar o aperfeiçoamento da sua expressão artística;
c) Fomentar a aquisição e aplicação de um saber cada vez mais aprofundado assente no estudo, na reflexão crítica, na observação e na experimentação;
d) Formar, a partir da realidade concreta da vida regional, nacional e internacional, no apreço pelos valores permanentes da sociedade, em geral, e da cultura portuguesa, em particular, jovens interessados na resolução dos problemas da Região e do País e sensibilizados para os problemas da comunidade internacional".
E no Artigo 9º: "Para fins de controlo do sistema educativo regional, serão realizadas, de forma adaptada ao currículo, provas de aferição nas disciplinas de Língua Portuguesa, Matemática, Ciências Humanas, Sociais, Físicas, Naturais e de CULTURA GERAL. 2. As provas de aferição realizam-se, por amostragem, no 2º ano e 4º ano do 1º ciclo, 6º ano de escolaridade e 9º ano de escolaridade".
Tudo isto foi chumbado. Não querem saber de nada. Cultura, capacidade de interrogação, era o que faltava! Esta ESCOLA está, de facto, cheia de coisas, mas vazia de significado. Salvam-se as excepções que confirmam a regra.
Ilustração: Google Imagens.

6 comentários:

Bertrand disse...

Tem em muita má conta os seus colegas que, esforçadamente, trabalham nas Escolas.

André Escórcio disse...

Obrigado pelo seu comentário.
Pelo contrário, meu Caro Bertrand, por eles levo uma vida de muita luta. Fui professor durante trinta e tal anos, fui director de turma, orientador pedagógico, pertenci a muitos conselhos pedagógicos, exerci o cargo de presidente de um conselho directivo, enfim, sei o que é a Escola. E sei, também, porque estudei. Mais, fui sindicalista, sempre em luta por uma escola onde os professores fossem felizes e onde os resultados fossem proporcionais ao investimento.
Do que falei nada tem a ver com o trabalho dos professores, mas com a organização do sistema que já não responde às necessidades deste tempo que estamos a viver.

Pica-Miolos II disse...

Senhor Professor
Para a cáfila dominante a cartilha é tão antiga como a salazarista:
"Escrever,ler e contar,é quanto basta."
PENSAR,é...perigoso,logo,PROIBIDO.

Espaço do João disse...

A verdade nua e crua.
EM TERRA DE CEGOS, QUEM TEM OLHO É REI.
Aplica-se acertadamente.

Bertrand disse...

"Uma escola cheia de coisas e vazia de significado".
Só pode - também - estar a falar dos professores. Ou estes não estão lá?

André Escórcio disse...

Muito obrigado "Pica-miolos" e "Espaço do João" pelos vossos comentários.
Quanto ao comentário "Bertrand", desculpar-me-á mas tenho de lhe pedir que reflicta sobre o que significa "uma escola cheia de coisas mas vazia de significado". Simplesmente porque os professores, no actual contexto, nada têm a ver com os professores.