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quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

UMA BOA RESPOSTA PARA UM PROBLEMA ERRADO (II)

Os blogues, quando evidenciam seriedade e alguma profundidade nas análises, pelo menos para mim, constituem uma fonte de enriquecimento pessoal. Os comentários aqui feitos por aqueles que me seguem (e que agradeço) fazem-me reflectir, procurar novas fontes de conhecimento e, portanto, quando isto acontece, constituem essa tal fonte de enriquecimento. Vem isto a propósito de um comentário assinado por Vico D'Aubignac, que numa frase simples exprimiu um sentimento em relação ao que ontem escrevi: "Ohhhh Senhor Professor, como eu discordo deste seu escrito!!". Não justificou mas está lá tudo numa simples frase.
É evidente que esta é uma matéria muito complexa. A Escola não constitui uma ilha dentro da sociedade. No quadro do sistema social ela interage, dando e recebendo, com todos os outros sistemas, o político, o económico, o religioso, enfim, todos. O drama é que a Escola, infelizmente, ao contrário do desejável, vive em clausura e só, aparentemente, constitui uma ponte de passagem com dois sentidos entre o que se passa dentro dos seus muros e a sociedade. Só aparentemente, sublinho, porque numa análise mais fina, por múltiplos e variados factores, ela confina-se ao seu próprio mundo.
Eu conheço o que se passa nas escolas e conheço, também, o drama dos professores perante alunos que transportam a desestruturação social. Todos os dias tenho relatos de situações muito preocupantes. Começo ao pequeno-almoço a escutá-los. Como é que uma criança pode ser estável e disponível para aprender, por exemplo, com pais desinteressados, incultos e ausentes, pais que trabalham de manhã à noite e sem tempo para a necessária co-responsabilização no processo educativo, como se sentirão as crianças que vivem em habitações sobrelotadas, em ambientes de alcoolismo e em situações de pobreza? É um drama que a escola não pode resolver, tampouco remediar. Daí a necessidade de uma actuação política na organização da sociedade. Tudo parte daí e leva muitos anos no sentido da criação de um ambiente mais saudável, de respeito pelos direitos das crianças e propício ao seu desenvolvimento. O que não se deve é actuar no fim da linha, isto é, apenas aquando do facto consumado.
Da mesma forma que se torna imprescindível essa actuação reequilibradora da sociedade, a Escola não pode ficar indiferente. As múltiplas peças do puzzle da Educação têm de encaixar-se nas múltiplas peças do puzzle social. A repetência de anos, muitas vezes sucessivas, dá-se precisamente porque essas peças estão desencontradas. Entendo, por isso, que há políticos na nossa Região que são capazes de olhar para as peças mas não demonstram habilidade no sentido da construção do quadro. Pegam demasiadas vezes nas peças erradas e, depois, espantam-se com os níveis de analfabetismo e de falta de qualificação profissional. Ora, alterar este quadro deverá ser o propósito dos políticos. Andar à volta dos problemas, assobiar para o lado e fazer de conta convenhamos que não é a melhor solução.
É possível redesenhar o sistema educativo numa perspectiva de rigor, qualidade e excelência. É verdade que precisamos de professores melhor preparados mas precisamos, também, de uma Escola, no plano da sua organização, aos níveis da sua estrutura de funcionamento, dos currículos e programas, capaz de dar a resposta que almejamos. O que eu esperava do Secretário da Educação era um pensamento mais elaborado e portador de futuro. Ele quedou-se por uma análise de fim de linha. Isto é, como não posso ou não quero alterar, chumbo os alunos e, assim, filtro os bons dos maus. Só que, com esta atitude, está, sucessivamente, a favorecer o círculo vicioso da má qualidade.
Há um autor brasileiro, conhecido em todo o Mundo, Rubem Alves, que sublinha: "Pela educação o indivíduo se torna mais apto para viver: aprende a pensar e a resolver os problemas práticos da vida. Pela educação ele se torna mais sensível e mais rico interiormente, o que faz dele uma pessoa mais bonita, mais feliz e mais capaz de conviver com os outros. A maioria dos problemas da sociedade se resolveria se os indivíduos tivessem aprendido a pensar. Por não saber pensar tomamos as decisões políticas que não deveríamos tomar". Mais adiante, num dos seus textos: (...) nas minhas conversas com educadores meus temas favoritos são: A alegria de ensinar, A educação dos sentidos, O prazer de ler, A arte de pensar, O educador como sedutor, O educador como feiticeiro, O educador como artista, O educador como cozinheiro, As leis do pensar criativo, Anatomia do pensamento: informação, razão, inteligência, conhecimento, alegria, Aprendendo a desaprender, Entre a ciência e sabedoria: o dilema da educação, Educação e política, Educação e Vida, Aprendizagem e prazer". Pergunto, será isto possível no nosso sistema, prosseguindo o princípio que "Amar é ter um pássaro pousado no dedo. Quem tem um pássaro pousado no dedo sabe que, a qualquer momento, ele pode voar” e que "não haverá borboletas se a vida não passar por longas e silenciosas metamorfoses"?.
Aceito que o problema é complexo e não se resolve em dois tempos. Mas temos de caminhar nesse sentido. Obrigado, Caríssimo Vico D'Aubignac. Gostaria de conhecê-lo para discutirmos estes assuntos que são apaixonantes.

2 comentários:

Anónimo disse...

Caro Senhor Professor,
Aceitei aquilo que interpretei como repto, mas não sei por onde começar ou o que dizer…. vou deixar fluir...
Vou começar por referir que não é indiferente o olhar romântico e circular com que o pensamento de “esquerda” vê a “Educação”.
Eu também tenho pensamentos de “esquerda”, ideais fraternos e convicções irmanadas com a caridade, mas tento mantê-los a todos, e a mim também, do lado da razão ou da conveniência (honrada, não a sabuja), ainda que por vezes estas nem sempre habitem perto do coração. Eu explico-me melhor com o conteúdo de um meu antigo post que se intitulava: “Burlão” de Esquerda e “Burlão” de Direita
Leia-o, por obséquio:
Sou um descrente no Ser Humano.
Infelizmente.
Sou católico praticante mas herege nestes pensamentos.
O Ser Humano é egocêntrico por natureza e fisiologia. Uma questão de sobrevivência funcional.
Apenas o processo de aculturação, da vida em sociedade e consequente difusão dos conceitos morais, bem como a intensa influência das religiões o fez perdulário nas características que encimam o seu individualismo.
(Agora vamos onde quero chegar...)
Ser politicamente de “Esquerda” radica numa falsa convicção.
A convicção (verdadeira vaidade) de um homem de “esquerda” traduz-se na propalada visão idílica de como o mundo deveria ser, ao mesmo tempo que esconde comportamentos dissonantes (interesseiros) que necessariamente adopta para sobreviver. É pena mas é assim. O homem de direita não tem problema em assumir o desequilíbrio do mundo. Actua em conformidade.
O homem de “esquerda” é um burlão escondido; o homem de direita um burlão assumido.
O homem de “esquerda” aguarda (impaciente) o zénite de factores que lhe permita mudar de lado; o de “direita” vai gerindo desde cedo o estigma.
O de “Esquerda” aponta o dedo aos outros, o de “direita” por vezes bate no próprio peito - é mais genuíno.
O de “Esquerda” adora constituir-se como paráclito de seus pares. O de “direita” dispensa mentores.
O de “Direita” ainda pára no purgatório; o de “esquerda” segue expresso para o inferno.
(Não levem este post muito a sério…. )
Fim de citação.
Com este texto, naturalmente caricatural, julgo que habilitei vexca com um mapa rascunhado dos meandros do meu pensamento, também político, fundado nas estacas da realidade humana.
Não sou um ideólogo, embora a teoria exija e reclame o seu espaço na minha mente, sou sim um pragmático, um simplificador e um apaixonado pela assertividade: por isso a dificuldade em teorizar “a Escola”. Para mim, senhor Professor, há burros sim senhor! Sempre os houve! Agora também os há e cada vez mais em maior número; e o caminho dos burros é chumbar! – é a lei da vida, porque haveremos de ter complexos?!! Concordo com os “chumbos” dos meninos burros (ricos ou pobres!) desde que a Escola lhes tenha dado uma 2.ª oportunidade, não mais que isso. De outro modo acabam por permanecer no sistema à conta de uma dispendiosa e ineficaz parafrenália de muletas (currículos alternativos, adaptados, inclusão, blá, blá) cuja finalidade última é então conseguir atingir, exclusivamente, 2 desideratos: boas estatísticas para politicamente exibirem o mascarado “feito”, ao mesmo tempo que procuram sossegar as nossas más consciências de cristãos eternamente condescendentes. E isto é apenas um exemplo!
Meninos malcriados? Falta a vermelho, pois concerteza! Muitas faltas a vermelho? Conselho de Turma, Conselho Executivo e expulsão. Que vão para as obras, para a cadeia ou emigrem! Mas por favor não se limitem em transferi-los para outras escolas onde repetirão as façanhas.
Senhor professor, já não sou propriamente um jovem sonhador e ainda me falta algum tempo para ser um impenitente velho cansado do mundo, estarei porventura a meio caminho e, no meio desta ponte, olhando para os extremos, saltam-me ainda estes impulsos pueris destemidos que, confesso, a experiência de vida não veio todavia refrear ou demonstrar da sua inutilidade, pelo contrário. Daí este fôlego….
É claro também que o problema da escola d´hoje radica e muito na má qualidade (humana e formativa) dos seus professores, os quais fizeram gala em juntar, como lastro, a arrogância, a desfaçatez, a quezília e o desimportúnio. Ahhh e a irresponsabilidade!
Agora, estou plenamente de acordo consigo em relação aos efeitos que a desestruturação da própria sociedade tem inevitavelmente no seio escolar. As misérias morais e dos costumes atravessam cada vez mais os muros da escola. Isso, por si só, representa uma enorme TRAGÉDIA.
Quanto ao desejo de vexca em querer me conhecer, saiba que muito me honra tal vontade. Mas como bem sabe, o pensamento livre nesta terra tem um preço. E eu não estou em condições de o pagar, exibindo-me e à minha alma inquieta.
Diga-me se lhe farto.

André Escórcio disse...

Obrigado pelo seu comentário.
O tema que nos levou a este debate, do meu ponto de vista, não enforma posicionamentos políticos de esquerda ou de direita. Com a Educação não se deve "brincar". Já o disse, na própria Assembleia, com total desprendimento, que quando discuto Educação as minhas vestes partidárias ficam à porta. Tanto é assim, que o meu Caro interlocutor sublinha no seu texto: "(...) Agora, estou plenamente de acordo consigo em relação aos efeitos que a desestruturação da própria sociedade tem inevitavelmente no seio escolar. As misérias morais e dos costumes atravessam cada vez mais os muros da escola. Isso, por si só, representa uma enorme TRAGÉDIA". A esta tragédia junta-se uma outra desestruturação, também complexa, que tem a ver com a organização do próprio sistema educativo. Não podemos analisar o sistema por parcelas, mas como um "mix" cujos resultados dependem de uma estrutura conceptual integrada.
Não se trata de romantismo ou de utopias mas de concretizarmos processos que confiram a todos, no tiro de partida para a VIDA circunstâncias iguais.
Ainda há poucos anos, a possibilidade de um filho de um Licenciado atingir este grau académico era 74 vezes superior relativamente aos das classes menos favorecidas. Portanto, trata-se de criar condições para que todos aprendam, desaprendam e voltem a aprender ao longo de toda a Vida. Ganhamos todos com isso. Sendo certo que, infelizmente, alguns ficarão pelo caminho.