Neste fim-de-semana li a síntese dos vários projectos dos partidos correntes às legislativas nacionais de 2009. Voltou a não me espantar o que li. Com excepção do PS que preconiza o "desenvolvimento do desporto escolar" e a sua "generalização e valorização" (falta saber, como?), todos os os outros estão cheios de lugares-comuns, de generalidades e alguns, até, de banalidades. O cúmulo está no programa do PSD que quer passar para uma política desportiva "de desenvolvimento assistido, na linha do modelo europeu de desporto", em que as organizações desportivas "actuam tanto quanto lhes seja possível e os poderes públicos apenas quando seja necessário". Significa isto que, para o PSD, o governo deve desresponsabilizar-se dessa componente que a própria Constituição da República consubstancia no Artigo 79º: "Todos têm direito à prática do Desporto". Assim, obviamente, não chegamos lá, ou melhor, não passamos da cepa torta. Não leio em nenhum, por exemplo, como proposta:
- A alteração do paradigma curricular e programático que, aliás, defendo, há muitos anos. Mudança que implica a "morte" da Educação Física e o nascimento da área curricular denominada por Educação Desportiva que se abrigue, inclusive, num quadro científico mais vasto e sustentável.
Razão tem, pois, o Doutor Manuel Sérgio, ele, um filósofo, que melhor que ninguém em Portugal soube interpretar e sintetizar as correntes filosóficas, sociais e o pensamento pedagógico ao longo dos tempos, ao assumir que: “(...) nem científica nem pedagogicamente existe qualquer educação de físicos (...) que a expressão Educação Física se acha incrustada numa ambiência social onde o estudo desta matéria não é conhecido (...) e que a Educação Física deve morrer o mais rapidamente possível para surgir em seu lugar uma nova área científica que mereça dos homens de ciência credibilidade, respeito e admiração”. A própria União Europeia percebeu que a via portadora de futuro é esta, não sendo por acaso que 2004 constituiu o “Ano Europeu da Educação pelo Desporto”. Ademais, já em 1999, foi divulgado um relatório conduzido por K. Hardeman, da Universidade de Manchester, patrocinado pelo Conselho Internacional de Ciências do Desporto e Educação Física e suportado pelo Comité Internacional Olímpico, que teve por objectivo investigar a situação mundial da Educação Física. As respostas ao questionário, aplicado em 126 países, alertou para o facto da Educação Física se encontrar numa profunda crise de identidade e de credibilidade social. E o curioso é que ninguém mexe nesta importante área do sector educativo. Ainda há pouco tempo, numa cavaqueira com o Doutor Manuel Sérgio, ele fez-me lembrar uma interessante passagem do seu livro "Algumas Teses Sobre o Desporto", pág. 65 e 66.
(…) A dita Educação Física, porque é física não pode ser raiz do conhecimento, dado que isola o físico do intelectual e moral e, assim, não é uma categoria gnosiológica, nem uma categoria sociológica – é um conglomerado de técnicas, sem qualquer tipo de fundamento válido. Não basta uma prática, precisa é de uma compreensão da prática, ou seja, a unidade prática-teoria: teoria essa que pretende interpretar e projectar a prática”. Mais adiante: “(…) Educação Física: libertação ou alienação? Será alienação enquanto for física, pois que esta palavra apresenta uma clara significação ideológica. Na realidade, a Educação Física pode levar a uma definição de homem conformista, imobilizado no tempo (…) sem um projecto global de humanidade”. A este propósito, o Doutor Olímpio Bento (2001), sobre a crise da Educação Física, resume: “(…) para a reconstrução da Educação Física assume particular relevância a revolução operada nos conceitos de corpo, de saúde e de estilo de vida activa e na educação ambiental. Mais, essa reconstrução é ditada por duas ordens de razões incontronáveis: 1. pela necessidade de renovação da própria escola, no tocante à sua configuração enquanto pólo de cultura e de humanidade; 2. pela necessidade de influenciar o desporto institucionalizado que hoje ostenta as máculas de um paradoxo, ao afastar-se da cultura, da formação, da educação, do humanismo. Isto é, encontra-se em rota de colisão com princípios e valores que o fundaram como um sistema moralmente bom e resvala, cada vez mais, para a imoralidade, para o analfabetismo, para a incultura e para a trapaça. Sendo através desta área escolar que as crianças e jovens acedem ao contacto com o desporto, a escola não pode eximir-se da responsabilidade que lhe cabe nesta matéria”.
Os programas partidários deveriam assentar nestas permissas. Não assentam. Conclusão: continuaremos a ter um desporto de minorias distante de uma interpretação cultural que ele próprio encerra.
4 comentários:
Qual a sua pratica desportiva regular, Sr. Professor? E a dos seus descendentes (educação da sua responsabilidade)? Não vai dizer que, se não for a que define como mínima, a culpa é do Governo?
Obrigado pelo seu comentário.
Ao contrário da sua pergunta (que já respondo) ficaria muito mais agradado se tivesse discutido o conteúdo do que escrevi. Isso, sim, parece-me ser muito mais importante.
Por felicidade da minha parte, quando construí a minha casa tive o cuidado (e a possibilidade) de reservar um quarto (10,6 m2) onde tenho um tapete rolante, uma máquina de musculação entre outros aparelhos que considero necessários. Três a quatro vezes por semana, entre as 18,30 e as 19,30 H por ali permaneço cerca de 45'.
Toda a minha família tem hábitos regulares de prática física.
O problema, meu caro, é outro. Está na Escola que não gera hábitos culturais de prática física e desportiva que se mantenham pela vida fora.
Como vê, desenrascaram-se. Não ficaram à espera do Governo. Como tem de ser.
Meu caro,
A política desportiva não pode confinar-se a uma atitude de "desenrascanço" como advoga. Tem outros contornos e preocupações. É assim em todo o lado, isto é, em todos os países que apresentam taxas de participação na ordem do 60 a 80%.
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