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domingo, 8 de agosto de 2010

"O PARTIDO DA COMUNICAÇÃO SOCIAL"


O que ele não quer é ruído à volta das suas mensagens, como se as palavras e as mensagens fossem neutras, como se elas fossem inocentes, como se as palavras e os conceitos não tivessem uma história que não podemos ignorar. O que ele deseja é que entre o acto de transmissão das mensagens pelos jornalistas e a decodificação das mesmas, tudo seja "puro" no sentido da criação exclusiva da realidade que apenas interessa ao seu poder.


Será que ele acredita, minimamente, no que afirma? Ou será que, de tanto repetir, até já se convenceu que é verdade o que diz? Ou será que, não sendo nem uma nem outra coisa, as suas palavras, medidas ao milímetro, fazem parte de uma estratégia no quadro de uma acção psicológica potenciada por 15.000 exemplares distribuídos, todos os dias, de borla? Inclino-me para 10% para a primeira hipótese, 30% para a segunda e 60% para a terceira. Entre as duas últimas hipóteses, naturalmente, temos um somatório de 90% de "probabilidade"!
Vem isto a propósito de um artigo de opinião do presidente do governo, publicado na edição de hoje do JM, e que constitui um ataque cerrado e indiscriminado aos Jornalistas da Madeira. Trata-se de uma opinião, dirão alguns. Pois é, não deixa, no entanto, de constituir um posicionamento que traz no seu bojo uma matéria, que não sendo nova, constitui uma afronta ao Estado de Direito e à Liberdade que a Constituição da República consagra.
Esquece-se o ainda presidente (esquece-se, nada!) de três aspectos: primeiro, que é tão legítimo o jornalista ter opinião como um qualquer outro cidadão, mesmo que investido na posição política de presidente do governo; segundo, que a comunicação social tem de ser livre e que os políticos estão sujeitos à crítica exactamente porque têm uma responsabilidade sobre a condução da sociedade; terceiro, que as sociedades e o próprio desenvolvimento melhoram através da diversidade da opinião, isto é, que é no "conflito" das opiniões, responsavelmente elaboradas, que se dá vida a quadros de reprodução no sentido do óptimo social.
Considero, por isso, de mau senso o pedido do presidente quando sugere que se "respeite o profissionalismo dos Jornalistas a sério e não se dê trela aos (jornalistas) militantes políticos". Mas quem são, pergunto eu, os jornalistas a sério? Os que devem funcionar como correias de transmissão da palavra do poder, os meros transportadores de microfones que não questionam e os que, eventualmente, militam no partido do poder? Será desses de que fala o presidente ou deseja que sejam? Os outros serão aqueles, como sublinhou, que transportam problemas "desde os psíquicos aos sociológicos, passando pelos domínios das frustrações, das invejas, das ambições não conseguidas, da intolerância", visando "uma política de terra queimada, pretendendo, para os seus fins, destruir tudo quanto o Povo Madeirense conquistou (...) em uma "obsessão patológica de revolução permanente?". Em qualquer dos casos, infeliz aquele que assim pensa!
Para ele, tudo estaria bem, tudo rolaria sob esferas oleadas, se todos pensassem como ele, se todos fizessem coro, se todos, qual ditadura, bajulassem e rissem dos seus disparates. Ele quer lá saber que o Jornalista transporta os seus conhecimentos, as suas crenças, as suas atitudes, os seus estereótipos, as suas presunções e preconceitos (filtros que estabelecem ruídos) e as suas experiências e que é no "choque" com iênticos aspectos de quem os ouve ou lê que se dá o necessário feed-back que promove a reflexão promotora do desenvolvimento. Ele quer lá saber disso. O que ele não quer é ruído à volta das suas mensagens, como se as palavras e as mensagens fossem neutras, como se elas fossem inocentes, como se as palavras e os conceitos não tivessem uma história que não podemos ignorar. O que ele deseja é que entre o acto de transmissão das mensagens pelos jornalistas e a decodificação das mesmas, tudo seja "puro" no sentido da criação exclusiva da realidade que apenas interessa ao seu poder. A criação de novos pontos de vista corresponde à tal "obsessão patológica de revolução permanente" de que o presidente fala. Enfim, o seu supremo desejo político é que entre o emissor e o destinatário das mensagens, o canal(is) fique(m) despido(s) de qualquer contexto: a verdade única, o pensamento único e a "liberdade" única. Como se isso fosse possível, depois de 48 anos de ostracismo e em uma Europa que, apesar de todos os constrangimentos, não aceita ditaduras desta espécie.
É, por isso, que aos jornalistas, não se deve pedir a verdade, porque existem muitas, mas que seja honesto com a sua verdade. O presidente sabe que é assim (julgo eu, em benefício de dúvida) mas comporta-se de forma completamente distinta: combate os jornalistas aos mesmo tempo que, por portas travessas, estrangula a liberdade, utilizando o erário público para manter um jornal de propaganda oficial, impedindo uma distribuição equitativa da publicidade institucional e, no serviço público de rádio e televisão, procura colocar nas cúpulas quem lhe interessa. É este tipo de actuação, a montante, que se conjuga com a pressão sobre os jornalistas, a jusante, que faz com que a comunicação social não seja desejavelmente livre. Por múltiplas razões, inclusive pelo facto do mercado ser escasso e as possibilidades de trabalho não serem muitas. Apesar disso, ainda tem a lata de chamar "Partido da Comunicação Social" e, provavelmente "traidores" a todos aqueles que têm opinião. Absolutamente, lamentável.
Ilustração: Google Imagens.

4 comentários:

Espaço do João disse...

Meu caro amigo.
Comungo em asoluto consigo.
No entanto também gostava de referenciar que há jornalistas, e, jornalistas. Há aqueles que lambbemas botas e aqueles que conseguem transmitir a veracidade das opiniões. Eu não me posso esquecer que no tempo da outra senhora, havia jornalistas que nos conseguiam ilucidar por entepostas palavras. Enfim:- Coitados de quem as ouve, porque quem diz fica aliviado. Felizmente conheci jornalistas sérios e horados, mas também conheço alguns que a água que bebem não a merecem.Há os jornalistas que por amor á profissão vão ao cerne da raíz e, outros que inventam, sugando a seiva para se alimentarem. Para ser cincero, gostei imenso do seu artigo, sem falar em nomes disse tudo. Um grande abraço e, dentro daquilo que sinto e leio, tem o meu apoio. Nunca lhe falte a lucidêz.

Atento disse...

Faça um exercício simples: retire o JM e avalie o que sobra:
RTP, RDP, DN, Tribuna, Cidade
(o que é significativo).
São correias de transmissão de quem? Que opiniões, que comentadores, que programas de discussão política e com quem, é que restam?
O senhor professor vai contestando a RTP, mas sabe bem o que se passa com a programação de informação. Todos esses programas são de sentido único. E não são no sentido do Governo Regional.

André Escórcio disse...

Obrigado pelo seu comentário.
Agradeço as suas amáveis palavras.
Um abraço.

André Escórcio disse...

Obrigado pelo comentário do leitor "Atento".
Apenas um pormenor: nunca lerá um comentário meu relativamente aos jornalistas. Leio ou ouço e, se não gosto, passo ao lado. Agora, outra coisa é analisar o comportamento das cúpulas e como é que se construiu a marosca do controlo. Uma coisa, repito, é o processo, outra a respeitabilidade que devo aos jornalistas (a maioria dos quais não têm quem os proteja) da mesma forma que, do ponto de vista profissional, nunca gostei que interferissem no meu trabalho de forma depreciativa. Também a verdade é que nunca dei margem para isso.