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segunda-feira, 17 de novembro de 2008

O PROBLEMA NÃO É A FALTA... MAS A FALTA DE PROJECTO

A Ministra da Educação, até ao Domingo trabalha. É o seguinte o despacho de ontem sobre a natureza das faltas constantes do Estatuto do Aluno:
"Considerando que a adaptação dos regulamentos internos das escolas ao disposto no Estatuto do Aluno nem sempre respeitou o espírito da Lei, permitindo dúvidas nos alunos e nos pais acerca das consequências das faltas justificadas designadamente por doença ou outros motivos similares;
Considerando que o regime de faltas estabelecido no Estatuto visa sobretudo criar condições para que os alunos recuperem eventuais défices de aprendizagem decorrentes das ausências à escola nos casos justificados;
Tendo em vista clarificar os termos de aplicação do disposto no Estatuto do Aluno, determino o seguinte:
1 – Das faltas justificadas, designadamente por doença, não pode decorrer a aplicação de qualquer medida disciplinar correctiva ou sancionatória.
2 – A prova de recuperação a aplicar na sequência de faltas justificadas tem como objectivo exclusivamente diagnosticar as necessidades de apoio tendo em vista a recuperação de eventual défice das aprendizagens.
3 – Assim sendo, a prova de recuperação não pode ter a natureza de um exame, devendo ter um formato e um procedimento simplificado, podendo ter a forma escrita ou oral, prática ou de entrevista.
4 – A prova referida é da exclusiva responsabilidade do professor titular de turma, no primeiro ciclo, ou do professor que lecciona a disciplina em causa, nos restantes ciclos e níveis de ensino.
5 – Da prova de recuperação realizada na sequência das três semanas de faltas justificadas não pode decorrer a retenção, exclusão ou qualquer outra penalização para o aluno, apenas medidas de apoio ao estudo e à recuperação das aprendizagens, sem prejuízo da restante avaliação.
6 – As escolas devem adaptar de imediato os seus regulamentos internos ao disposto no presente despacho, competindo às Direcções Regionais de Educação a verificação deste procedimento.
7 – O presente despacho produz efeitos a partir do dia seguinte à data da sua assinatura.
Lisboa, 16 de Novembro de 2008"
A Ministra da Educação

Este Despacho merece-me o seguinte comentário:
É mais uma situação que demonstra a pouca habilidade do Ministério da Educação na sua produção legislativa. Num sistema educativo sério e descentralizado, que respeite a autonomia dos estabelecimentos de ensino, entendo que não faz qualquer sentido impor, verticalmente, modos de actuação nesta e em outras áreas. É um erro manter essa ideia peregrina de todas as escolas funcionarem de forma padronizada quando a diversidade, a todos os níveis, é que é enriquecedora. Ao ministério deve competir a enunciação dos princípios gerais e nunca o desenvolvimento dos princípios. Cada escola deve ter a sua cultura própria, o seu próprio desenho organizacional e as suas próprias regras que a identifica no exterior. Quando se padroniza, quando tudo se legisla no sentido de, pressupostamente, nada falhar, aí começam os conflitos, a desmobilização e a ausência de interesse da comunidade escolar. Quando se padroniza morre a inovação e a criatividade.
É preciso partir do princípio que não existem duas escolas iguais, pelo que não devem existir regras iguais, projectos curriculares iguais e procedimentos pedagógicos iguais. Cada estabelecimento de ensino constitui uma entidade única e deve assumir a sua própria dinâmica, da mesma forma que, no ensino particular, as regras são diferentes e ninguém está com isso preocupado. Isto leva a compreender quanto errado está o sistema educativo do ponto de vista das grandes concepções. Quem exerce o poder parte do princípio que os outros não são capazes, quando, pelo contrário, é através da autonomia gestionária, administrativa e da co-responsabilização que emergem as dinâmicas mais significativas. Tenhamos presente o caso da Escola Pública da Ponte, na Vila das Aves, que há vinte anos definiu o seu próprio caminho e com excelentes resultados. Nesta escola, já que o assunto são as faltas, todos os anos, os alunos é que decidem, democraticamente, quais os Direitos e Deveres que consideram fundamentais. Na escola tradicional isto é impossível. A verdade é que quando de lá saem para o secundário é o ensino tradicional que experimenta dificuldades em acompanhar estes alunos. Tudo isto para dizer que há necessidade de uma nova cultura de escola a aprender e que, enquanto se mantiverem estas lógicas verticais, a escola portuguesa não passará da cepa torta. Neste caso, o problema não é a falta, mas a falta de um projecto sério em função de uma nova Escola.

2 comentários:

Unknown disse...

É engraçado. Sempre que qualquer governo quer fazer reformas nos sectores:da justiça,do ensino e da saúde,nunca chega a lado nenhum,porque as "castas" desde que se lhes vá tocar entram logo "em parafusos". Assim nunca haverá soluções,porque diálago para estes,só é bom ,se fôr para os outros.Afinal, é do "malho ou do malhadeiro"?.

André Escórcio disse...

Obrigado pelo seu comentário. Apenas quero adiantar que, pelo menos no caso da Educação, através dos estudos que, humildemente, tenho vindo a fazer, escutando e lendo muitos investigadores (não partidários)julgo que o sistema educativo não precisa de reformas mas de uma clara reinvenção do próprio sistema. Perdemos muitos anos em discussões estéreis e cada vez será mais grave. Em 32 anos de Democracia tivemos, julgo eu, 26 Ministros da Educação. Não há sistema que aguente uma situação destas. Há necessidade de um Pacto Educativo para o Futuro, em que o que é estruturante do sistema não seja colocado em causa. Lá e cá! E em tudo isto, com mágoa mas com sinceridade digo que a Senhora Ministra não tem tido o comportamento político mais adequado.