Há uma espécie de religião, de livro de comportamentos esperados que implicam mão de ferro, silêncios, digestão de sapos e uma música que de tanto repetida o Povo convence-se da verdade da letra que a acompanha.
Raro é o dia que a Assembleia Legislativa da Madeira não constitua um palco para as mais diversas intervenções contra o governo da República. A sua importante função enquanto primeiro órgão de governo próprio é, claramente, secundarizada, para tornar-se numa espécie de "câmara dois" da Assembleia da República. Os assuntos que preocupam os madeirenses e portosantentes pouco interessam, pois fundamental é, na lógica da maioria, dirigir as baterias para o "inimigo externo", em uma permanente fuga às responsabilidades que derivam de trinta e quatro anos de governo autónomo.
É o governo que não comparece a defender a sua estratégia política, são os debates solicitados e que não se realizam, é o sistemático chumbo a todas as propostas, muitas de excelência, que os partidos da oposição apresentam, é um regimento que condiciona o uso da palavra, enfim, pressuponho que os madeirenses, cada vez mais, não se revêem numa Assembleia que não cumpre a sua missão. Ou melhor, cumpre os mínimos da sua missão.
É evidente que ao poder legitimado pelo voto popular, ainda por cima, de forma absolutíssima, compete-lhe governar e implementar o seu programa. Mas uma coisa é o facto que deriva dessa legitimidade, outra, é fugir às responsabilidades do debate e, simultaneamente, tornar aquele órgão num palco de questões menores, de doentia animosidade consubstanciada em palavras e desprestigiantes ofensas. Que também se fale da República, seja qual o governo que dirija os desígnios do País, obviamente que sim. O que não me parece razoável e aceitável é que a Assembleia situe, como primeira preocupação, a República, em detrimento dos graves problemas que a todos nos afecta em muitos sectores, áreas e domínios da actividade política. Resulta daqui uma espécie de brainwash, facilmente multiplicado pela comunicação social, onde o menos relevante, as questões marginais, se tornam objecto de divulgação. Os assuntos com abordagem séria que, felizmente, ainda aparecem em vários sectores, são relegados para plano secundário, uma vez que a frase assassina e o despique com traços ofensivos, ganha relativamente aos temas equacionados de forma mais séria, profunda e ponderada.
É a Assembleia que temos, dir-se-á. Todavia, não me conformo, até porque são tantos os graves problemas da Região que não podem nem devem ser sacudidos ou varridos para debaixo do tapete. Por alguma razão, ao contrário do que acontece na Assembleia da República, o Senhor presidente do governo regional nunca, mas nunca, enfrenta a oposição em debate aberto, cara-a-cara e olhos nos olhos. Por alguma e óbvia razão. Ele sabe que os seus argumentos podem ali ser completamente desnudados. Por isso foge ou fala a solo, sem que a oposição o possa questionar, aquando do debate do Plano e Orçamento. Não é estranho, por isso, que em sua própria defesa, do seu governo e dos interesses que se multiplicam na esteira do governo, a maioria parlamentar alinhe, obrigatoriamente, por uma postura de combate para o exterior e não de reflexão e ajuda para o interior. Há uma espécie de religião, de livro de comportamentos esperados que implicam mão de ferro, silêncios, digestão de sapos e uma música que de tanto repetida o Povo convence-se da verdade da letra que a acompanha.
Ilustração: Google Imagens.
Sem comentários:
Enviar um comentário