Quero lá saber dos seus conhecimentos técnicos (de Salazar), quero lá saber dos seus votos de pobreza (que alguns consideram honestidade), na minha memória está o déspota, o homem da PIDE, o homem da perseguição, o homem do Tarrafal, o homem que provocou exílios forçados, provocou a emigração, o homem que manteve a ignorância, o analfabetismo, o homem dos conluios com outras sinistras figuras da época, o homem da guerra colonial que mobilizou mais de 800 mil jovens e causou a morte a 8.831 militares, cerca de 30.000 evacuados, 14.000 deficientes físicos e mais de 100.000 neuróticos de guerra. Otelo sabe disto. Eu sei que Otelo sabe disto, porque a luta dos capitães de Abril foi, exactamente, no sentido de acabar com o pesadelo de uma Nação presa de uma clique tenebrosa.
Conheci o então Capitão Otelo Saraiva de Carvalho na Guiné Bissau. Depois de muitos meses de "mato", no famigerado Guileje, no quadro da Companhia 3477, regressei a Bissau e tive a sorte de ser repescado da minha Companhia para trabalhar no Quartel General, concretamente, no Comando Geral de Milícias. Era comandado pelo então Major Fabião. Eramos poucos na repartição. Tinha à minha responsabilidade o controlo de todos os pelotões de milícia de todo o teatro operacional. No outro lado da parada funcionava a REPACAP (Repartição de Assuntos Civis e Acção Psicológica) liderada pelo Capitão Otelo. Digamos que eu controlava os pelotões de milícia e ele fazia acção psicológica, não só nesse quadro como num âmbito mais alargado a toda a população. Entre outras, distribuíamos uns rádios pré-sintonizados, julgo de cor azul. Só ouviam a nossa estação emissora.
Para além disso, durante largos meses, a escala de serviço determinou que nos encontrássemos, ele, Capitão, como oficial de dia ao Quartel General e eu, Alferes, com oficial subalterno. Passámos noites a conversar sobre muita coisa. Um Homem e militar muito interessante. Curiosamente, nunca me confidenciou a preparação da Revolução que, meses mais tarde, seria despoletada sob a sua orientação. O segredo era, certamente, a alma do negócio. Porém, fiquei sempre com a ideia de um militar não acomodado, com posições muito claras relativamente àquilo que ali fazíamos, ele como profissional, eu como miliciano. Poderei dizer que foi um amigo que encontrei e porque quem nutri a máxima consideração. Ainda, por cima, por tudo quanto ele e outros fizeram pela libertação do nosso País. Alguns desvios pós-revolução, obviamente criticáveis, não apagam esse histórico momento a partir do qual Porugal se viu livre de um déspota que o liderou durante quase cinquenta anos. Pasmei, quando li uma sua recente declaração a propósito do momento que Portugal passa: "(...) Precisávamos de um homem com a inteligência e a honestidade do ponto de vista do Salazar, mas que não tivesse a perspectiva que impôs, de um fascismo à italiana". Como por aqui já alguém disse, em outro contexto, um Salazar defensor de uma "máfia boazinha". Seja em que pressuposto for, seja em que contexto for, seja em que enquadramento teórico seja dado, Salazar e todos os que o seguiram, à luz do atraso que Portugal viveu ao longo de meio-século, não merece que seja lembrado como político de referência. Muito menos por Otelo. Quero lá saber dos seus conhecimentos técnicos, quero lá saber dos seus votos de pobreza (que alguns consideram honestidade), na minha memória está o déspota, o homem da PIDE, o homem da perseguição, o homem do Tarrafal, o homem que provocou exílios forçados, provocou a emigração, o homem que manteve a ignorância, o analfabetismo, o homem dos conluios com outras sinistras figuras europeias da época, o homem da guerra colonial que mobilizou mais de 800 mil jovens e causou a morte a 8.831 militares, cerca de 30.000 evacuados, 14.000 deficientes físicos e cerca de 100.000 neuróticos de guerra. Otelo sabe disto. Eu sei que Otelo sabe disto, porque a luta dos capitães de Abril foi, exactamente, no sentido de acabar com o pesadelo de uma Nação presa de uma clique tenebrosa.
Lamento, aos 37 anos de Abril, a sua figura de referência diga uma coisa daquelas. Seja em que sentido for, Caro Otelo, ficar-lhe-ia bem o silêncio.
Ilustração: Google Imagens.
3 comentários:
Eu diria que Otelo teve um lapsus linguae.
Teve coisas boas, mas também esplhou o terror. O Copcom, por ex. deixou muita amargura. Nem tanto ao mar nem tanto à serra.
A sua responsabilidade muita loucura trouxe. Não posso esquecer as FP 25
Caro amigo
Digamos que Otelo não é, e parece nem nunca foi, grande "espingarda", como se dizia na tropa.
Teve azar, porque foi figura de proa do 25 de Abril, algo que ultrapassava largamente as suas reais capacidades. E, pelos vistos, não aprendeu muito nestes quase trinta anos...
Obrigado pelos vossos comentários.
Concordo, mas fico com pena. Lastimo.
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