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terça-feira, 31 de maio de 2011

PORTUGAL NÃO PRECISA DE UM BARÍTONO QUANDO TEM UM TENOR


Sócrates continua a ser o mau da fita, o culpado do colapso do Lehman Brothers e de toda a cadeia financeira que arrastou todo o mundo, repito, todo o mundo, para uma crise que não há memória. Comentadores e outros fazedores de opinião, comunicação social de memória curta, pessoas sem pensamento económico-financeiro e incapazes de relacionarem factos, as causas, a própria debilidade da União Europeia, os especuladores e as famigeradas agências de rating que armadilharam Portugal, todos ou quase todos, se esqueceram deste quadro e toca a encontrar a vítima. Obviamente, Sócrates! Por isso, aquela senhora tem razão, do alto da sua humildade, desferiu a setença que outros não conseguem interpretar (...)


As campanhas eleitorais são férteis de episódios. Uns, confesso, que desagradam, pela postura radical e ofensiva das pessoas (poucas); outros, deixam-nos a pensar. Os que me desagradam prendem-se mais com a falta de educação. Para mim é pacífico uma pessoa rejeitar um desdobrável com a mensagem política. Mas há maneiras, obviamente. Basta um sorriso, um obrigado e, por exemplo, "já tenho". Agora, aproveitar o momento para soltar todas as angústias, mas de uma forma inconveniente e formatada parece-me totalmente desajustado e próprio de uma democracia ainda cheia de fragilidades. Neste caso, quando a campanha se desenrola numa Região governada há 36 anos anos por um mesmo partido. A oposição não pode ser culpada do desvario. E se existem justificadas angústias, essas devem ser dirigidas àqueles que tiveram a responsabilidade de tornar a Região próspera e não o fizeram.
Mas, como vinha a dizer, outros episódios são interessantes e permitem aferir o pulsar do povo. Ontem, pela tarde vivi um deles. No centro do Funchal, o grupo que eu integrava entrou num bar onde se encontravam várias pessoas em redor de uma mesa. Palavras de circunstância para cá e para lá e, uma senhora olha-nos e despacha: "eu vou votar Sócrates e sabem porquê? Porque há seis anos que anda a ser ofendido por todos, inventaram tudo e mais alguma coisa para derrubá-lo e nada provaram". Ouvi, rapidamente reflecti em toda a história e fiz-lhe um aceno de simpatia pelas suas palavras. De facto, olhando para trás, do ponto de vista político é evidente que há decisões de José Sócrates face às quais não me revejo, mas tenho de convir que se trata de um político com uma notável capacidade para suportar todas as "agressões" e até uma certa vandalização da sua vida privada. Outro, certamente, já tinha mandado tudo às malvas! Mas, não, manteve-se na luta pelas suas convicções, sobretudo após a forma abrupta como este mandato foi interrompido. Poderiam ter deixado a Legislatura chegar ao fim, mas não, a ânsia de poder foi mais forte. Tenho presente as recentes declarações da Drª Manuela Ferreira Leite, absolutamente desagradáveis e antidemocráticas, ao ponto de ter dito que José Sócrates nem como deputado na oposição. Isto, no plano da vivência democrática não tem qualificação. Cheira a vómito e a vingança por ter perdido as eleições de 2009.
Como já tive a oportunidade de referir em um outro texto, na esteira das palavras que ouvi daquela eleitora, o bom senso aconselha que se coloque nos pratos da balança o que de bom foi realizado, ao lado daquilo que se discorda. Tudo e de todos os sectores e áreas da governação, inclusive, todos os factores externos que influenciaram a governação. Ora, José Sócrates, de início, quando não se vislumbrava a existência de uma grave crise financeira (ninguém foi capaz de a prever), sucessivamente, confrontaram-no com as habilitações académicas, o caso dos lixos da Cova da Beira, os projectos que terá assinado, o processo "Freeport", os apartamentos de sua mãe, o caso "Face Oculta" e a sucata de Ovar. Lembro-me destes, porventura escapam-me outros. Eu sei lá, não houve mês que não tivesse surgido e alimentada uma qualquer difamação. Digamos que ele conseguiu surfar todos esses problemas, em nenhum dos quais provada a sua responsabilidade. Por aí, eu diria que se esgotaram os cartuchos, pois até o défice foi reduzido a olhos vistos, de 6,83% para menos de 3%. Depois, estalou a crise e, de forma progressiva o ataque regressou, desta feita de baterias apontadas em função do quadro que todos conhecemos. E, assim, Sócrates continua a ser o mau da fita, o culpado do colapso do Lehman Brothers e de toda a cadeia financeira que arrastou todo o mundo, repito, todo o mundo, para uma crise que não há memória. Comentadores e outros fazedores de opinião, comunicação social de memória curta, pessoas sem pensamento económico-financeiro e incapazes de relacionarem factos, as causas, a própria debilidade da União Europeia, os especuladores e as famigeradas agências de rating que armadilharam Portugal, todos ou quase todos se esqueceram deste quadro e toca a encontrar a vítima. Obviamente, Sócrates!Por isso, aquela senhora tem razão, do alto da sua humildade, desferiu a sentença que outros não conseguem interpretar, porque outros valores e interesses se levantam. E atenção, eu até sou daqueles que defende que um povo inteligente não permite que um poder por lá se mantenha mais de duas legislaturas. A terceira já me cheira mal, porque gera raízes perniciosas. O que temos na Madeira é um exemplo perfeito. Depois, porque a criatividade e a inovação está mais do lado da oposição do que do lado do poder. Ora, neste aspecto, não tenho dúvidas que foi a ânsia de poder a qualquer preço e não os interesses da Nação que estiveram em jogo, aquando da interrupção da legislatura. Curiosamente, depois de tanto fogo, de tanto comentário influenciador do eleitorado, o povo ainda lhe concede 36%, isto é, um empate. Porquê? Os comentadores que meditem! Domingo veremos qual o veredicto do Povo.
Ilustração: Google Imagens

4 comentários:

Fernando Vouga disse...

Caro amigo

Disse a tal senhora:
"eu vou votar Sócrates e sabem porquê? Porque há seis anos que anda a ser ofendido por todos, inventaram tudo e mais alguma coisa para derrubá-lo e nada provaram"

Não quero acusar ninguém, mas é bom que as pessoas se lembrem de que o que faz um criminoso não é a sentença em tribumal mas o cometimento de um crime. O facto de esse tribunal não ter conseguido provar o crime, não faz do arguido um inocente. Pode ser apenas por falta de provas ou, pior ainda, por pressões sobre os juízes.

André Escórcio disse...

Obrigado pelo seu comentário.
Caríssimo,
Respeito a sua opinião, obviamennte. A mensagem que aqui quis deixar foi a de que não vejo os comentadores colocarem nos pratos da balança o bom e o criticável, para que, aí sim, os juízes, o grande juri possa deliberar no dia 05. O que tenho assistido, desde há muito, é um ataque cerrado e sempre no mesmo sentido. É contra isso que me insurjo.
E posso dizer que até sou insuspeito, uma vez que não o apoiei no último Congresso.
Na Madeira é ao contrário, batem na oposição ou secundarizam-na, fazendo passar incólume o "criminoso" (no sentido meramente político). Conhece-se a parte boa, mas escondem a parte má.
Um abraço.

Fernando Vouga disse...

Caro amigo

Mas a política é mesmo assim. Cada parte defende-se como pode. Daí as campanhas eleitorais serem o que são. Pelo que me toca, limito-me a manifestar o meu apreço sincero pela sua lealdade, o que só lhe fica bem e é dignificante.
Quanto ao caso vertente, cá como lá. O facto de o Dr. Jardim (e tantos outros do seu partido) nunca ter sido condenado, não quer dizer que seja inocente. Por enquanto, tem as imunidades. Mas até quando? E não se pode perder de vista o fraco desempenho da Justiça em Portugal, em que só os pobres vão para a cadeia. O que tira credibilidade às decisões judiciais.
Um abraço

André Escórcio disse...

Obrigado pelo seu novo comentário.
O que dizer? Concordo.