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domingo, 31 de outubro de 2010

POBREZA = DESIGUALDADE


Não basta, por isso, dizer que "todo o Homem é meu irmão" (Paulo VI), que se torna necessário "uma caridade organizada no âmbito da fé viva", no quadro  da formação do "coração para uma alma verdadeiramente cristã" (Dom António Carrilho), simplesmente porque, esse é um campo minado, feito de palavras bonitas, bíblicas, mas que não rompe com o círculo vicioso da pobreza. Quem tem de estar com "o coração aberto aos Homens" são os políticos, os que deveriam governar ao invés de se governarem.

Extensas mesas com pacotes
com géneros alimentícios.
O formato, hoje, é diferente,
mas a "Caridade" a mesma.
O caminho não pode ser este.
Não gosto de utilizar a palavra CARIDADE. Sei que é uma "virtude" cristã que se enquadra no "amar o próximo como a si mesmo". Só que essa palavra acaba por arrastar uma forma de actuação política que não me agrada. Nunca me agradou, desde os tempos que, animado pelo sentimento de solidariedade, no âmbito de uma tal Conferência de S. Vicente de Paulo, julgo que assim se chamava, ou, ainda mais cedo, na adolescência, através da antiga "Mocidade Portuguesa", um grupo de jovens no qual me enquadrava, pedíamos por aí, fazíamos uma série de cabazes de compras e íamos, por furnas e casebres, entregar a "esmola", o apoio possível. Por vezes, pedíamos aos armazéns grossistas, distribuíamos em sacos de papel os produtos recolhidos e enchíamos o cabaz dos pobres. Estávamos nos anos 60, há quarenta e muitos anos! Sei, portanto, o que é a pobreza mas a palavra caridade nunca me encaixou, primeiro, nos meus ouvidos, depois, nos meus conceitos. O sentimento que nutria é que era possível acabar com aquela dor, de adultos e crianças, mas através de outros processos. E sobretudo, interrogava-me, sobre as razões da miséria. No fundo a resposta que encontrava e que também ma davam, era que eram pobres, e ponto final! Portanto, quais e através de que meios, sinceramente, não me lembro de, por mim próprio ou através de outras pessoas, ter compreendido as respostas. Do que me recordo, é que me fazia muita confusão eu ter o mínimo e os outros nada. Recordo-me, também, no final dessa década, ter escrevinhado e publicado no Jornal da Madeira, então liderado pelo Sociólogo Paquete de Oliveira, um "pobre" texto sobre a pobreza. Tenho esse recorte algures nos meus arquivos. 
Distribui, em conjunto
com os meus amigos da altura,
muitos cabazes,
que atenuaram a privação,
mas nada resolveram
no plano estrutural.
Ora a caridade sempre teve para mim o significado de esmola quando o ser Humano deve ser portador de uma dignidade e de direitos que não podem nem devem confundir-se com a ESMOLA. Utopia, não, realidade, sim. A pobreza existe por uma questão de desigualdade na distribuição da riqueza, porque as políticas dos diversos sectores não convergem no sentido de garantir a todos a igualdade à partida para a vida. Escolariza-se, isto é, colocam-se os meninos na escola, porque a Constituição da República assim obriga, mas não se cuida das diferenças existentes de acordo com as origens económicas, sociais e culturais. A marca da desigualdade começa a aí. Começa, exactamente, pelo DIREITO À EDUCAÇÃO, não pelo direito à escolarização. A ausência de políticas acabam por tomar por igual aquilo que é muito diferente. Quem governa tende a confundir o acesso com o sucesso. O acesso, esse está garantido, o sucesso não! Para que haja sucesso os ritmos de aprendizagem têm de ser respeitados, as condições económicas, melhoradas, o acompanhamento na saúde, garantido, e, para que tudo isto seja harmonioso, torna-se absolutamente necessário que a escola não seja, teimosamente, aquilo que hoje continua a ser. Mais, para que haja sucesso, tal obriga a que a sociedade, concretamente, o mundo laboral se organize em pressupostos distintos daqueles que hoje a enformam.
Quando falo da escola estou a falar da sua gratuitidade, do direito à alimentação, do direito aos transportes, tudo isto, distante daquela PORT(C)ARIA que constitui outra miserável migalha. Mas estou a falar, também, dos métodos pedagógicos, dos programas ajustados, dos apoios complementares desde o início, das condições de estudo em casa, da ligação à família, do número de alunos por turma e, entre outros aspectos, da própria formação específica dos professores. Por aí garante-se, em conjunto com as mudanças sociais, o esbatimento da desigualdade e, naturalmente, as condições para o sucesso. 
O Povo é bombo
desta festa de
Homens de coração
limitado!
Não basta, por isso, dizer que "todo o Homem é meu irmão" (Paulo VI), que se torna necessário "uma caridade organizada no âmbito da fé viva", no quadro  da formação do "coração para uma alma verdadeiramente cristã" (Dom António Carrilho), simplesmente porque, esse é um campo minado, feito de palavras bonitas, bíblicas, mas que não rompe com o círculo vicioso da pobreza. Quem tem de estar com "o coração aberto aos Homens" são os políticos, os que deveriam governar ao invés de se governarem. Esses é que têm em mãos a possibilidade de acabar com a peregrina ideia de que a pobreza é uma fatalidade. Quando não é!
A pobreza é constituída por dois elementos, salientou o Professor Alfredo Bruto da Costa, numa recente conferência. A PRIVAÇÃO (de recursos) e a FALTA DE RECURSOS (causa). A privação tem a ver com a satisfação das necessidades básicas o que envolve várias frentes de "batalha" simultâneas; a falta de recursos liga-se com a ausência de fontes de rendimento, acesso a bens e serviços (educação e saúde) e outros, onde se inclui o poder da rede de relações sociais. Por isso, dizia o Professor, temos de dar a cana e o peixe, em simultâneo, colocando o nosso poder  ao serviço dos que não têm poder.
Ilustração: fotos próprias (1 e 2) e Google Imagens.

1 comentário:

Pica-Miolos II disse...

Senhor Professor
A Caridade é a Virtude dos hipócritas!
Um bom feriado para si.