Mais à frente, o mesmo cenário, um homem aí pelos 30 anos, a mesma aproximação e uma resposta: "Ah senhore, eu precise é de dinheire, nã é de papeles". Fiquei em silêncio. O que dizer numa situação destas? O que significa aquele desabafo no quadro da pobreza, da ausência de respostas da organização social e, certamente, da impossibilidade de ele próprio, jovem, dar uma volta à sua vida? Que palavras podem ser transmitidas naquela circunstância que é de apressada passagem...
Gente manipulada e frágil, ao mesmo tempo sofredora, criada na teia e que dela não consegue se libertar. |
A campanha eleitoral tem momentos muito interessantes, pela possibilidade que oferece de um contacto directo com as pessoas. Há quem se aproxime, que elogie o esforço e a mensagem, que receba os manifestos eleitorais, mas também vivemos momentos de uma significativa angústia, pelas palavras depreciativas que são ditas, pelo alheamento dos assuntos que a eles dizem respeito, enfim, por inúmeras situações que constrangem, trinta e tal anos depois de Abril.
Esta manhã ouvi duas frases, das tais que deixam um rasto de angústia. Foi em Câmara de Lobos, mesmo no centro, eram aí 10 horas, dezenas de homens entretinham-se em jogos de cartas, outros já de cerveja ou poncha goela abaixo. Este é apenas um pormenor que me ressaltou à vista, como enquadramento da situação. Aproximei-me de um grupo e, pedindo licença, perguntei se podia deixar o manifesto eleitoral. Um, talvez aí pelos 45 anos, disse-me: "para quê, eu não sei ler!". Confesso que esta situação constrange-me. Admitamos que este homem não tem 45 mas 50 anos de idade. Há 37 anos, em Abril de 1974, este homem tinha 13 anos. Pergunto, que andou o sistema educativo a fazer durante todo este tempo, ao ponto de ter sido incapaz de "agarrar" uma geração, libertando-a das amarras do analfabetismo? E como este, são às centenas, região fora, a juntar àqueles que sabendo ler e escrever o essencial, estão bloqueados no que concerne à capacidade de tratamento da informação que o rodeia.
Mais à frente, o mesmo cenário, um homem aí pelos 30 anos, a mesma aproximação e uma resposta: "Ah senhore, eu precise é de dinheire, nã é de papeles". Fiquei em silêncio. O que dizer numa situação destas? E o que significa aquele desabafo no quadro da pobreza, da ausência de respostas da organização social e, certamente, da impossibilidade de ele próprio, jovem, dar uma volta à sua vida? Que palavras podem ser transmitidas naquela circunstância que é de apressada passagem, de um fugaz cumprimento, entrega do manifesto e sempre em frente? Para mim, confesso, é uma dor.
Depois, sobressai uma outra leitura: esta gente, pela história de todo o processo político-eleitoral da Madeira, tem votado, maioritariamente, no PSD. Será que conseguem perceber que têm votado contra os seus próprios interesses? Que, o não saber ler, limitação gravíssima na afirmação social, e o não dispor de dinheiro, que os atira para as margens da sociedade, tem muito a ver com quem governou, ininterruptamente, a Região, durante trinta e tal anos? Perceberão isto? Estou convencido que não. Obviamente, tarde ou cedo, acabarão por se revoltar, mesmo sem saberem ler!
Ilustração: Google Imagens.
2 comentários:
Meu caro Amigo.
Por motivos de saúde tenho andado e, vou continuar por algum tempo arredado deste meio de comunicação.
Actualmente estou a ler Jardim, " A grande Fraude " . Nada me espanta este seu artigo, pois a fazer valer do que tenho lido ( nada que não soubesse) , é realmente de ficar atónito com esse pobre povo. Acontece que até à data conheço todos os personagens descritos mas, até chegar ao ponto onde a situação chegou, é de bradar aos ceus.
Um abraço
João
Obrigado pelo seu comentário.
Confesso que andava a estranhar a sua ausência. Espero que rapidamente se recomponha.
Um grande abraço.
André
Enviar um comentário