Dou hoje continuidade a um conjunto de textos inseridos no livro da minha autoria "ANO EUROPEU DA EDUCAÇÃO PELO DESPORTO".
Trata-se de um problema de qualidade[1]. E é preciso que se assuma que o actual quadro que configura a Educação Física Escolar é, genericamente, de péssima qualidade. E a vida e a sociedade exigem qualidade. Aliás, nunca antes se falou tanto de qualidade. Era natural que tal viesse a acontecer e que hoje, também ao nível da Escola, a palavra qualidade constitua uma palavra-chave na gestão do processo educativo. Porque a palavra qualidade está, indissociavelmente, ligada às exigências e necessidades do consumidor. E hoje, na Escola, não me causa qualquer embaraço que a noção de aluno pode ser substituída pela noção de “cliente”. Em termos de gestão do processo educativo o aluno é, simultaneamente, um “cliente”. Fundamentalmente porque ele consome produtos educativos que a escola lhe oferece. Não deve haver receio de situar o problema neste contexto e com esta terminologia, todavia, a palavra enquadrada no significado de pessoa protegida[2].
Clarifico melhor. Na edição de Outubro de 2000, do Le Monde Diplomatique, li um excelente artigo assinado por Riccardo Petrella, Conselheiro na Comissão Europeia e Professor na Universidade Católica de Louvain (Bélgica). Falava o autor das cinco armadilhas para a educação e de uma cultura de guerra, a saber:
1. Primeira armadilha: “A crescente instrumentalização da educação ao serviço da formação dos recursos humanos”. Isto é, o recurso humano, habilmente, passou a ser considerado como uma mercadoria económica. Melhor dizendo, direitos a um canto, porque o que interessa é o rendimento do Homem ao serviço da economia;
2. Segunda armadilha: “A passagem da educação do campo do não mercador para o do mercador”. É a educação considerada como um grande mercado. Não é por acaso que, nos Estados Unidos, por exemplo, se fala em mercado dos produtos e serviços pedagógicos, em business da educação, em mercado dos professores e alunos. Curiosamente, segundo a OCDE, aquele País, de ponta na tecnologia da informação e da comunicação, tem um deplorável nível de instrução;
3. Terceira armadilha: a educação “é apresentada como um instrumento-chave da sobrevivência de cada indivíduo” (...) nesta era de competitividade mundial. No essencial, dir-se-á que a escola está transformada no lugar onde, subtilmente, se aprende uma cultura de guerra;
4. Quarta armadilha: a da “subordinação da educação à tecnologia”. Ora, a mundialização é filha do processo tecnológico pelo que resta à educação fornecer os instrumentos de adaptação ao pensamento único;
5. Quinta armadilha: “a utilização do sistema educativo enquanto meio de legitimação de novas formas de divisão social”, isto é, uma sociedade dividida entre qualificados e não qualificados, entre os que dominam o conhecimento e os excluídos desse acesso. Estamos a falar do “e-comércio”, da “e-educação”, da “e-empresa” e do “e-trabalhador”.
Pois bem, misturemos todos estes ingredientes e interroguemo-nos, na esteira daqueles autores, se não estaremos num campo minado e perante uma cultura de guerra? Interroguemo-nos sobre o espaço que resta para uma educação onde o conhecimento se compagine com os princípios e os valores, a disciplina, o rigor, a partilha, a aprendizagem da solidariedade e dos direitos de cidadania, etc.? Interroguemo-nos se os senhores do Mundo, de múltiplas formas mas sobretudo através de um apertado controlo empresarial dos media[3], não estarão a conduzir a Educação para o campo que mais lhes interessa, passando a escola a exercer a função de mera remediadora social?
Clarifico melhor. Na edição de Outubro de 2000, do Le Monde Diplomatique, li um excelente artigo assinado por Riccardo Petrella, Conselheiro na Comissão Europeia e Professor na Universidade Católica de Louvain (Bélgica). Falava o autor das cinco armadilhas para a educação e de uma cultura de guerra, a saber:
1. Primeira armadilha: “A crescente instrumentalização da educação ao serviço da formação dos recursos humanos”. Isto é, o recurso humano, habilmente, passou a ser considerado como uma mercadoria económica. Melhor dizendo, direitos a um canto, porque o que interessa é o rendimento do Homem ao serviço da economia;
2. Segunda armadilha: “A passagem da educação do campo do não mercador para o do mercador”. É a educação considerada como um grande mercado. Não é por acaso que, nos Estados Unidos, por exemplo, se fala em mercado dos produtos e serviços pedagógicos, em business da educação, em mercado dos professores e alunos. Curiosamente, segundo a OCDE, aquele País, de ponta na tecnologia da informação e da comunicação, tem um deplorável nível de instrução;
3. Terceira armadilha: a educação “é apresentada como um instrumento-chave da sobrevivência de cada indivíduo” (...) nesta era de competitividade mundial. No essencial, dir-se-á que a escola está transformada no lugar onde, subtilmente, se aprende uma cultura de guerra;
4. Quarta armadilha: a da “subordinação da educação à tecnologia”. Ora, a mundialização é filha do processo tecnológico pelo que resta à educação fornecer os instrumentos de adaptação ao pensamento único;
5. Quinta armadilha: “a utilização do sistema educativo enquanto meio de legitimação de novas formas de divisão social”, isto é, uma sociedade dividida entre qualificados e não qualificados, entre os que dominam o conhecimento e os excluídos desse acesso. Estamos a falar do “e-comércio”, da “e-educação”, da “e-empresa” e do “e-trabalhador”.
Pois bem, misturemos todos estes ingredientes e interroguemo-nos, na esteira daqueles autores, se não estaremos num campo minado e perante uma cultura de guerra? Interroguemo-nos sobre o espaço que resta para uma educação onde o conhecimento se compagine com os princípios e os valores, a disciplina, o rigor, a partilha, a aprendizagem da solidariedade e dos direitos de cidadania, etc.? Interroguemo-nos se os senhores do Mundo, de múltiplas formas mas sobretudo através de um apertado controlo empresarial dos media[3], não estarão a conduzir a Educação para o campo que mais lhes interessa, passando a escola a exercer a função de mera remediadora social?
[1] “A proclamação do princípio da qualidade traz no seu bojo a emergência da pessoa, sendo que a vinda desta acarreta repercussões de tomo na renovação do entendimento e da prática da educação. Com efeito o conceito de educar está intimamente ligado ao de pessoa. E se este sofre variações aquele não fica indiferente” – salienta, ainda, o Doutor Olímpio Bento, no livro Da Educação Física ao Alto Rendimento, pág. 75.
[2] A palavra “cliente” não pode, assim, na Escola, estar associada ao significado que a dinâmica económica pressupõe. A este propósito, o Doutor Licínio Lima (Universidade do Minho), numa entrevista que subscrevo na íntegra, recentemente publicada no Jornal do Sindicato de Professores da Zona Sul, sobre a Educação transformada num problema económico, refere a dado passo: “(…) são teorias que, especialmente a partir dos anos 80, emergiram com grande força e que se baseiam numa crença essencial que é a de que o privado é superior em racionalidade e em capacidade de inovação ao sector público; de certa forma, falar em organização é falar em empresa e, portanto, a própria ideia de uma organização pública e de um sistema público entram em crise. Teorias que se baseiam na defesa da performatividade competitiva - escolas contra escolas, alunos contra alunos, turmas contra turmas – criando mercados internos concorrenciais no interior da própria administração educativa. Teorias que se baseiam no processo de “fabricação” de escolas eficazes (expressão feliz do nosso colega inglês Stephen Ball) submetendo os actores escolares, especialmente os professores e os educadores, aos “terrores” da emulação, da competitividade, do marketing, da publicidade”.
[3] Nesta linha de pensamento, Jorge de Campos, autor de A Caixa Negra (1994), pág. 106, cita Ben H. Baddikian: “Os Senhores da aldeia global têm a sua própria agenda política e resistem a quaisquer mudanças económicas e sociais que não se ajustem aos seus interesses financeiros. Juntos, eles exercem um poder homogeneizante sobre as ideias, a cultura e o comércio que afectam as maiores populações de que se tem conhecimento desde sempre. Nem César, nem Hitler, nem Roosevelt nem qualquer papa tiveram tanto poder como eles para moldar a informação da qual tantas pessoas dependem para tomar decisões sobre as mais variadas matérias: desde em quem votar até ao que comer”. Por seu turno, Shiller, H., in The Mind Managers, sublinha: “(…) Os gestores dos media criam, processam, refinam e presidem à circulação de imagens e informações que determinam as crenças e atitudes e, em última instância, o comportamento”. De facto, quando produzem, deliberadamente, mensagens que não correspondem à realidade da existência social, os gestores dos media acabam por se tornar gestores das mentes. É o que se passa também no desporto.
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