Segundo me apercebi terá causado algum mal estar, junto da Direcção do PS nacional (ainda bem), o artigo de opinião do fundador, Dr. Mário Soares. Entre outras passagens, sublinhar que há necessidade de uma "reflexão profunda às questões que nos afligem mais: a pobreza, as desigualdades sociais, o descontentamento das classes médias", constitui um toque inteligente na consciência governativa sobre aquelas que são preocupações determinantes que o Partido Socialista, situado na esquerda do espectro político, não pode nem deve adormecer. O PS tem princípios e valores a defender que o distinguem da direita. Governar à esquerda implica assumir um olhar marcadamente distintivo que não pode confundir-se com políticas do tipo "maria vai com as outras".
É evidente que, ao contrário do governo que antecedeu a equipa do Engº José Sócrates, são sensíveis várias medidas de protecção aos que vivem na pobreza e exclusão social. Desde os apoios criados na maternidade até ao outono da vida, não se pode ignorar alguma atenção que tem sido dada. Como socialista, porém, na esteira das preocupações de Mário Soares, sinto, todavia, que tais apoios são migalhas em função das reais necessidades do País. Neste pressuposto, eu quero um PS que, em circunstância alguma, se confunda com o centro-direita. E, bastas vezes, confunde-se e ultrapassa-o. Quero um governo PS que, embora condicionado pelas dinâmicas de Bruxelas, seja capaz de não resvalar nos interesses que a sábia e paciente direita neo-liberal europeia, despida de valores e de prioridades, matreiramente, impõe e que está a gerar desemprego por todo o lado, mão-de-obra barata, especulação e, cada vez mais, uma péssima distribuição da riqueza. Quero um PS, como disse Manuel Alegre, que não se situe num espaço "de ingenuidade, nem de piedosa boa-fé" perante o directório europeu. Eu quero um PS que não nivele por baixo, que não acabe com a classe média, que não arranje bodes expiatórios na classe trabalhadora, que tenha coragem de ir às fontes de riqueza, muitas delas apenas especulativas, e que dê, ao contrário de outros, sinais claros que há lugar à esperança em Portugal. Porque, como disse Soares "há mais vida para além do défice". Quero um PS de diálogo com os parceiros sociais, que respeite as dinâmicas sindicais, que não se apresente à mesa da negociação sob a fórmula de "isto ou nada". Quero um PS reformador mas com um sentido reformista que não atente contra a fragilidade das pessoas e das empresas em função do deus mercado. Quero um PS que não considere a Madeira, no plano político, um caso perdido.
A tradição, os princípios e valores do PS não são aqueles. Eu quero um PS que não mande para fora do País quadros que ousam levantar pertinentes questões de governação. Eu quero um PS de debate interno, que não reduza ao silêncio, por razões de poder, os seus militantes de qualidade e as forças vivas internas. Não quero um PS de metodologia governativa idêntica ao jardinismo, onde todos se curvam, ninguém tem valor político e onde tudo gira à volta de um só homem.
É esse PS de esquerda em liberdade, aberto, plural, dialogante, rigoroso, inovador e criativo, nos planos interno e externo, que olha para o desenvolvimento nas vertentes económica, social e cultural, que desejo para Portugal. Não quero um PS tipo terceira via, arrogante, que levanta o punho e mão fechada, olha para a esquerda mas que governa com os tiques da direita, simplesmente porque esse posicionamento não se coaduna com a sua matriz, não faz parte da minha natureza política e tampouco se filia nos princípios e valores que me guiam na vida.
Acredito que as vozes que se estão a levantar como as de Mário Soares, Manuel Alegre, Ferro Rodrigues, Medeiros Ferreira, Helena Roseta, Ana Benavente, Ana Gomes, João Cravinho, entre muitos outros que não se acomodam, mais cedo do que se possa pensar, recolocarão o PS no espaço político ideológico que lhe pertence e que corresponde à simpatia e ao desejo de mudança de milhões de portugueses.
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