Esta tarde foi debatido, na Assembleia Legislativa da Madeira, um Projecto de DLR, da autoria do CDS/PP, que visava a criação de um Observatório da Violência Escolar. Reproduzo, aqui, a minha intervenção sobre esta matéria:
Ainda temos presente as imagens de um acontecimento de indisciplina e de alguma violência numa escola da cidade do Porto. Digo-vos que elas não me trouxeram qualquer novidade. Correspondem, exactamente, ao perfil de sociedade que estamos a construir e correspondem ao perfil do sistema educativo e da escola que temos.
A sociedade que se teima em construir é uma sociedade violenta em todos os aspectos. É a sociedade do ter antes do ser, do consumo pelo consumo, é a sociedade da competição feroz, é a sociedade que não valoriza o saber, o papel da escola e dos professores, é a sociedade de muitas famílias atoladas na miséria, no alcoolismo, na toxicodependência, nos ambientes de maus tratos e abusos sexuais. Uma significativa parcela da sociedade obviamente que escapa, uma outra é empurrada para os comportamentos indesejáveis.
Daí que se possa dizer que a indisciplina e a violência na escola é uma emanação da sociedade. Parafraseando a sabedoria popular, eu diria: diz-me quais as características da sociedade onde vives e dir-te-ei que escola tens.
Portanto, a indisciplina e a violência, pequena ou grande, tem implicações muito profundas e essas implicações residem nos princípios e valores da organização social e nas políticas globais e sectoriais promovidas pelos governos.
De facto, as situações que a comunicação social tem revelado não surpreendem, quando existe um desordem social fora da escola, quando muitos políticos, com acesso privilegiado na comunicação social são também e, infelizmente, actores de situações potenciadoras de indisciplina e de violência.
Uma sociedade de abissais assimetrias económicas, culturais e sociais só pode gerar, na escola, situações de indisciplina e de violência.
Há que diferenciar os dois conceitos: indisciplina é uma coisa; violência é outra.
Os actos de indisciplina estão ligados à infracção de regras que a escola estabelece bem como os conflitos entre alunos, auxiliares de acção educativa e até as atitudes de obstrução ao trabalho dos professores; já a violência tem outros contornos, tem a ver com agressões, roubos, opressão sobre o outro, humilhação e até destruição dos espaços e equipamentos.
A violência é muito preocupante; a indisciplina tem outra configuração pois até pode enquadrar-se no âmbito da irreverência própria da idade.
É necessário separar estes conceitos. Daí que, desde logo, eu permitia-me sugerir ao Senhor Deputado José Manuel Rodrigues, líder da bancada do CDS/PP, autor desta proposta, a alteração do título deste Projecto para Observatório da Indisciplina e da Violência escolar.
E neste aspecto da indisciplina e da violência escolar a Madeira não está imune. Pelo contrário. Os casos de indisciplina e de violência não se resumem a dois, conforme sublinhou o Senhor Secretário Regional da Educação. Trata-se de uma estatística desactualizada ou então, tal como aconteceu com a toxicodependência, nos anos 90, o discurso político, primeiro nega, para depois deitar as mãos à cabeça e com soluções tardias e inconsequentes.
Basta conhecer as escolas e ser docente para verificar que todos os dias os conselhos executivos, para além do trabalho normal de gestão e administração, têm de atender a casos de indisciplina e de violência.
Por outro lado, a contratualização de empresas privadas de segurança, a colocação de equipamentos de videovigilância, o cartão electrónico e, sabe-se lá, mais tarde, um qualquer equipamento de detecção de metais, não atenuarão o problema. Porque o problema de fundo permanecerá. Enquanto não decidirmos sobre uma actuação na génese dos problemas, tendencialmente, confrontar-nos-emos com a indisciplina e com a violência. E a génese dos problemas está no que dissemos mas também na organização escolar, no número de alunos por cada estabelecimento de ensino e por cada turma, tornando mais fácil o controlo, no apelativo conforto das escolas, na aceitação das regras de conduta e até na responsabilização e criminalização dos pais e encarregados de educação quando esse for o caso.
Este é um problema complexo uma vez que comporta muitas variáveis. Muito haveria a dizer sobre este assunto. Fico com as palavras do Professor Lemos Damião: “(…) Urge aprendermos com o que se ensaiou na Europa e nos USA e concluirmos que o problema não é de conjuntura mas de fundo. Afigura-se-nos indispensável a criação de um observatório especializado que forneça informação tratada aos decisores” – concluiu.
É por isso que vamos votar favoravelmente este projecto na certeza que há uma absoluta necessidade de não meter a cabeça na areia e de estudar esta problemática com a preocupação que ela exige. Enquanto é tempo.
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